domingo, 9 de agosto de 2009

América Latina... a encruzilhada - Ensaio de Washington Uranga [Carta O BERRO] - Vanderley Caixe


“Há nos novos movimentos sociais na América Latina com outra concepção de poder e da forma de fazer política. Existe um regresso à idéia da base e da comunidade como origem e legitimidade da política, que orienta necessariamente em direção a outras formas de estruturar a organização e a distribuição do poder. Há aqui uma contradição importante com as velhas estruturas políticas e com sua metodologia de acúmulo do poder”. A afirmação é de Washington Uranga (foto), jornalista, uruguaio, radicado na Argentina no Seminário “América Latina: Por uma integração desde ‘abajo’”.

O Seminário foi promovido pelo Centro de Formação Milton Santos – Lorenzo Milani e realizou-se nos dias 20 e 21 de junho de 2009 em Curitiba (PR) na Casa do Trabalhador, administrada pelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (CEPAT).

Reproduzimos na íntegra o “ensaio” de Washington Uranga utilizado em sua assessoria.

Como compaginar a aniquiladora idéia
da morte com este incontável afã da vida?
Mario Benedetti, “Cotidianas”, 1979

Encontrar critérios interpretativos comuns que nos permitam entender América Latina costuma ser uma tarefa árdua. Porque se bem existem muitos fatores que nos unem e nos congregam, no histórico, no econômico, no político, social e cultural, não é menos certo que as diferenças são importantes de país para país e, ainda dentro destes, entre as regiões.

E como bem diz Gabriel García Márquez estamos ainda em tempo de crer em “uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir por outros até a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas à cem anos de solidão tenham finalmente e para sempre uma segunda oportunidade sobre a terra.” Por isso vale a pena seguir pensando e pensando-nos em meio de uma realidade que sempre é intrincada, difícil mas da que florescem permanentemente motivos de esperança e novas motivações. Com García Márquez e tantos outros e outras que queremos aferrar-nos a uma “nova e arrasadora utopia da vida”.

Com este horizonte buscaremos alguns parâmetros que nos permitam gerar critérios interpretativos.

1. O sentido do latino-americano

Existe realmente um sentido latino-americano? Ou o que resulta ainda mais difícil pensar. América Latina e o Caribe podem pensar-se como unidade?

Tem pelo menos três fatores para levar em conta em função desta denominação.

§ As raízes e a história comum.

Somos parte de um mesmo povo, irmanado pela história e por nossas raízes assentadas nos povos tradicionais destas terras. Desde os Astecas do norte até os Mapuches do extremo sul. Estes povos tradicionais que povoaram nossas terras desde tempos imemoráveis marcam com fogo nossa identidade.
A eles se somaram logo as diferentes correntes migratórias. Com distintos objetivos, sortes e destinos. Com histórias de dominação, de conflitos e de guerras. Também de rebeldias e rebeliões.

Sobre a raiz indígena tradicional, foram se cruzando mestiçagens para configurar novos rastros históricos. Não só desde a Europa chegaram os imigrantes. Também desde a África. Nosso povo tem histórias comuns. Configura-se sobre a base do entrecruzamento de etnias e de povos migrantes. Todos, desde diferentes lugares têm uma tradição de lutas. Nossa América Latina e Caribe foi fazendo-se um povo comum desde baixo.

§ As lutas nos irmanam

Os interesses internos e externos foram gerando entre nós processos de balcanização, de separação entre países. A revisão histórica nos diz que vários do que hoje são venerados como nossos heróis pátrios nunca pensaram as divisões políticas que hoje delimitam nossas fronteiras.

Bolívar sempre imaginou uma pátria grande, que contivesse a todos os países sul-americanos. O mesmo pode se dizer de Artigas ou de San Martín. E assim de cada um dos que costumamos chamar de “libertadores”.

As lutas emancipadoras posteriores também tem sido lutas comuns. As reivindicações têm sido comuns e sobre essa base, das demandas e das necessidades re-surgiu na época recente o conceito a latinoamericaneidade. Hoje, paradigmaticamente os povos tradicionais que habitaram inicialmente estas terras são os que nos convocam e apelam pela unidade latino-americana e caribenha sobre bases étnico-culturais. Neles radica em grande parte a reclamação da grande nação latino-americana.

§ A necessidade de construir um futuro comum

Por ultimo, o sentido do latino-americano está baseado também no destino comum. O processo de integração é ao mesmo tempo um horizonte e uma necessidade. Não existe um destino livre e justo que não seja a partir de um processo integrador. A liberação de nossos povos passa inevitavelmente pela unidade.


2. América Latina e a crise atual.

Nosso sub-continente segue sendo muito pobre. Segundo o Anuário 2008 da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina) se bem a pobreza diminuiu respeito aos anos precedentes (38,7 % em 1994 e 35,9 % no ano 2000), o índice continua sendo muito alto: 28,9% da população. O mesmo acontece com a indigência: 40,8% em 1994, 37,8% no ano 2000 e 28,1% em 2007.

Mas o índice alarmante e grave é aquele que se refere à distribuição do ingresso. Só para exemplificar, na Argentina o décimo mais alto da população recebia, segundo o último dado conhecido (2006), o 40,8% do ingresso, enquanto o décimo mais baixo recebia apenas o 1,2%. Na Bolívia no ano 2007 a distância foi de 43,5% a 0,4% e no Brasil no mesmo ano de 48,0% a 08%.

A pobreza é o nosso problema. Temos pobreza estrutural e um dos nossos maiores obstáculos é a desigualdade que tem na distribuição do ingresso sua manifestação mais evidente.

Hoje há abundantes considerações sobre “a crise”. Se a manifestação latente da crise é a indigência e a pobreza para grande parte de nossos irmãos e irmãs latino-americanos poderíamos dizer que nossos povos vivem permanentemente em crise. Mas não é desta crise da que falam os titulares dos jornais escritos e televisivos. Falam da “crise financeira” ou da “crise bancária”. Ousaria dizer que estamos frente a uma crise do sistema capitalista em geral. E a explicação em torno das hipotecas “sub-prime” com suas conseqüências nos bancos e nas instituições financeiras, não é mais que outra expressão da pobreza de um sistema que mostra sinais de esgotamento.

A chamada “crise global” é uma quebra que vai além do financeiro e do bancário, para projetar-se sobre a economia real, a partir de causas estruturais apoiadas numa exagerada “financeirização” da economia e as conseqüentes operações especulativas.

Esta crise não está desvinculada de fatores políticos. Em realidade é também o resultado de uma feroz disputa entre os possuidores do capital, mercados e oligopólios. Trata-se de uma luta brutal pela acumulação do capital entre quem mais têm e dominam o sistema. Existe uma lógica “darwiniana” do capitalismo global, em busca da sobrevivência só dos “mais aptos”, quer dizer, dos maiores e melhor organizados oligopólios.

Um bom dado para medir o nível da crise é o desemprego. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o número de desempregados no mundo, que foi de 190 milhões em 2008, poderia incrementar-se em 51 milhões durante 2009. E se forem analisados dados da pobreza (considerando por pobre quem recebe menos de dois euros diários) os pobres alcançarão 1400 milhões de pessoas, quer dizer, o 45% da população economicamente ativa do planeta.

Como nos afeta a crise?

Em primeiro lugar: somos parte desse chamado “mundo global”. Por sermos parte da periferia do mundo globalizado costumamos receber mais prejuízos do que benefícios.

Mas de maneira muito sintética podemos mencionar algumas das conseqüências mais diretas:

a. Nossos países latino-americanos e caribenhos são fundamentalmente exportadores dos chamados “commodities”. Os preços destes produtos desceram bruscamente e isso está gerando recessão e desocupação.
b. Os emigrantes latino-americanos que residem nos países centrais diminuíram suas remessas às nações de origem, sendo que este é um rubro de enorme importância econômica em países tais como República Dominicana e Equador, para mencionar tão só dois exemplos.
c. O dito anteriormente tem sido seguido do regresso de muito imigrantes que pressionam sobre o mercado de trabalho de nossos países.

Mas qualquer consideração não deve perder de vista que para enxergar o mundo de hoje, temos de seguir reconhecendo a hegemonia que tem os Estados Unidos. A crise atravessa o mundo globalizado e a potência dominante da terra não duvida em transladar, para além de qualquer discurso, as conseqüências dessa crise para a periferia.

Também é certo que, devido às estratégias econômicas desenhadas pelos governos da região, particularmente na América do Sul, os efeitos desta crise não serão tão graves como em outros momentos. Não haverá grande depressão. Mas dada a estrangeirização de nossas economias é inevitável que as mesmas estejam afetadas como “coletazos” do que acontece nos países centrais. A recessão já começa a sentir-se e não sabemos o quanto será de profunda.

Teremos de ver, em termos econômicos, se são encontradas receitas para absorver os efeitos mediantes a implantação de medidas econômicas que reforcem a produção e o comercio intra-regional. Este deveria ser um resultado lógico dos processos de integração. Porém, é preciso que se diga que se bem se tem dado passos, a integração é ainda uma declamação mais que uma realidade efetiva. Especialmente a partir do surgimento dos governos que denominaremos de “progressistas” a integração instalou-se como um tema de agenda de primeiro nível. Mas existem limitações demais, pouco olhar estratégico e, com certeza, poucas apostas de médio e longo prazo para fazer da integração um processo integral.

Mas cabe também outro questionamento: qual será a conseqüência para o campo popular? Porque é bem sabido que este tipo de situação cria condições para que aqueles que detêm o capital e o poder utilizem a conjuntura para afirmar-se em suas posições e para concentrar ainda mais o poder e a riqueza.

Certamente o impacto mais importante será em termos econômicos, em quanto à perda de postos de trabalho e nova queda do nível de ingressos. Conseqüência: mais pobreza e mais indigência.
Mas gostaria deixar aqui uma questão pendente para tentar retomar-la mais adiante: como afeta esta crise o nível de organização dos setores populares? Partindo da base de que a organização é a maior riqueza que têm os setores populares e a carência desta organização a maior pobreza.

3. Nossa história recente

A história latino-americana pode ler-se a partir de uma lógica pendular que tem nos levado de um extremo ao outro do arco ideológico, passando por experiência do mais diverso tipo.

O último quarto do século passado nos instalou como protagonistas ou vitimas, nos mais diversos cenários.

Vivimos os setenta com ar desenvolvimentista, apoiado na lógica de substituição de importações e as condicionadas inversões que Estados Unidos fez para a região como lógica reação à revolução cubana (1959) e ao alinhamento marxista do governo de Fidel Castro (1961). À luz desta realidade econômica alumiaram governos democráticos sujeitos à hegemonia do grande amo da região, mas também cresceram os movimentos políticos antiimperialistas e antioligárquicos.

Para isso se somaram muitas experiências e tradições do sindicalismo anarquista, dos nacionalismos e dos populismos, com as novas correntes libertárias que se embeberam, por um lado, nos novos ares libertários da revolução cubana e, por outro, nas idéias de libertação inspiradas no cristianismo revolucionário e na teologia da libertação.

No meio deste processo também houve intervenções violentas, em particular dos exércitos, então convertidos em guardiões dos interessas das oligarquias nativas. Sem a pretensão de esgotar as referências é bom lembrar, pelo significativo, a experiência socialista no Chile, encabeçada por Salvador Allende, mas também o governo peronista de Héctor Cámpora na Argentina. Antes e depois destas e outras iniciativas no marco institucional surgiram as organizações político-militares inspiradas na revolução cubana e na teoria do foco. A luta armada brotou então como uma miragem metodológica para assegurar a mudança.

Todas estas iniciativas, umas e outras, tiveram como resposta o terrorismo de Estado, a forma mais cruel e sangrenta de esmagar qualquer iniciativa popular ou de resistência. Esta metodologia, da que foram parte os exércitos de nossos países, mas também todo o aparelho repressivo internacional movido pelos Estados Unidos implicou na mais sangrenta repressão que tenhamos memória. Podemos falar dos trinta mil desaparecidos na Argentina, da ditadura de Augusto Pinochet, do “Plano Condor” para os países do sul, da promoção dos paramilitares na Colômbia e dos “contras” nicaragüenses. Toda uma profusão de mecanismos de morte que deixaram pisadas muito graves na nossa vida política, em nossa cultura e no sentido da vida mesma. Mas esta época também deixou ensinamentos e gravou com fogo a cultura política da resistência que mais tarde ressurgiria das formas mais variadas.

Não haveria que olhar este período tão só desde essa perspectiva. Para entender sua verdadeira dimensão a ofensiva da “segurança nacional” tem que lembrar também que o fato respondeu fundamentalmente ao objetivo de mudar o modelo de produção de nossos países, eliminando todo vestígio de produção industrial de grande escala, para converter-nos em provedores de matérias primas básicas. Mais uma forma de aprofundar nossa dependência.

Dali ao retorno à democracia. Estamos falando de democracias débis, condicionadas economicamente, estruturalmente. Também social e politicamente. Mas nosso retorno à democracia fez-se por um custo altíssimo. Muitos companheiros e companheiras foram assassinados, desaparecidos, mortos fisicamente. Perdemos grande parte de nossos melhores dirigentes e até hoje nos fazem falta.

Os cidadãos da grande maioria de nossos países sul-americanos tivemos de re-aprender a democracia. “Com a democracia se come, se educa, se sara” disse alguma vez o presidente argentino Raúl Alfonsín (1983-1989) E a realidade demonstrou que não é assim. A democracia é um projeto vazio se carece de um projeto que lhe dê sustentação. E esse projeto não pode ser apenas a formalidade democrática.

Os anos sem representação política efetiva deixaram também aos povos sem institucionalidade política. As velhas estruturas partidárias, de corte conservador, populista, liberal ou social-democrata não respondiam às novas situações. Acentuou-se a crise da representatividade e os partidos políticos se converteram em esqueletos vãos, sem sustentação e sem sentido.

Quebrou-se o “contrato” político social e quem dirigia tradicionalmente ficou assim exposta à crítica e ao desprestigio. O retorno às democracias teve essa carência. A democracia foi ficando vazia, débil. De distintas maneiras (porque o processo da Concertação Chilena foi diferente ao do Brasil de Fernando Henrique Cardoso e ao argentino) todos os países se enfrentaram à linha seguida da etapa do ajuste neoliberal.

Todos afrontaram a mesma receita:

- Estado mínimo atuando como garante para o capital privado
- Privatização compulsiva dos serviços
- Redução do emprego
- Contração do salário
- Transnacionalização e toma de ganâncias por parte do capital especulativo financeiro internacional.
Este é o resultado do mandado surgido em 1990 do Consenso de Washington. Nossas economias ficaram novamente cativas dos desígnios internacionais e não tivemos uma política forte, capaz de dar resposta às novas circunstâncias.

Mas também é certo que nas penumbras do ajuste neoliberal gestaram-se movimentos de resistência, desenvolveram-se as organizações sociais e de base, muitas das quais foram encarregando-se das tarefas que o Estado abandonou.

Se gerou então um espaço que, ao mesmo tempo em que, resistiu o ajuste neoliberal constituiu a base mais importante de uma nova cultura política, gerando outra agenda e um olhar baseado em direitos e na busca de justiça.

Tem que se destacar o espaço da economia social, como uma tentativa muito importante de construir alternativas. Entenda-se bem que a economia social não é a economia dos pobres e da exclusão. É uma maneira de pensar a economia global e total desde a perspectiva dos pobres e gerando experiências desde uma perspectiva de solidariedade e não tão só de acumulação de ganâncias. É um tema que tem de ser aprofundado.

Todas estas organizações e iniciativas foram também a principal sustentação da nova alvorada de governos de corte “progressista” (para usar um apelativo comum ainda que não corresponda de maneira estrita a todos eles) que hoje conduzem politicamente a sub-região.

4. Os movimentos sociais: novos sujeitos sociais emergentes

4.1 Alguns antecedentes significativos

Não existe a pretensão de localizar todos os antecedentes a respeito do surgimento dos movimentos sociais na região. A enumeração que se faz a continuação corre o risco de deixar de fora alguns acontecimentos que podem ser significativos a partir de diferentes olhares. No entando, o que se busca é colocar questões fundamentais que podem servir de referência histórica à realidade que hoje apresentam os movimentos sociais nesta parte do mundo.

A referência oas movimentos sociais na América Latina precisa fixar seu olhar no processo histórico para encontrar ali antecedentes que nos ajudem a explicar também o momento presente. Isto dito apesar da novidade evidente que têm muitas das mobilizações e os movimentos recentes.

Desde o final do século XIX e começos do XX a formação clássica dos movimentos sociais na América Latina contou com uma forte influência do anarquismo, vindo com a imigração européia, especialmente da Itália e da Espanha. O proletariado industrial surgiu a partir da expansão manufatureira e se desenvolveu com os processos de industrialização dos anos trinta.

Na segunda década do século XX nasceram importantes iniciativas de sindicalização do movimento operário no Peru, Argentina, Brasil e México. A greve transformou-se na arma principal da luta reivindicativa, em particular a favor da jornada de oito horas e a melhora das condições de trabalho. Estes movimentos, embora conseguiram alguns dos objetivos propostos, também foram fortemente reprimidos, como o acontecido de 1919 no Peru.

A revisão desta experiência e a influência da Revolução Russa vai conduzir o alinhamento de grande parte do movimento operário latino-americano com a Internacional Comunista.

O movimento operário tem sido fundamental na consolidação das lutas reivindicatórias na região e neste sentido foi grande a contribuição do marxismo e leninismo através dos partidos comunistas. Uma mensão especial deve ser feita à influência que teve os altos índices de sindicalização dos trabalhadores mineiros em países como a Colômbia, Peru e Bolívia. No último destes países, o movimento mineiro boliviano teve um papel protagônico na década de quarenta, sendo o ator principal da revolução boliviana.

A nível campesino, é preciso situar como acontecimento fundamental a Revolução Mexicana de 1910. neste feito o campesinato, com grande base indígena, serviu de apoio e de base política à reforma, mesmo que suas principais demandas, vinculadas com a posse da terra, não entraram na agenda das principais reivindicações.

Na década de vinte os movimentos campesinos cresceram e se desenvolveram na América Central, alimentados pela condição de exploração dos trabalhadores rurais, submetidos pelas empresas norte-americanas que usufruíam de grandes plantações para a exportação. Se instalou o tema da reforma agrária e assim cresceram e se desenvolveram lideranças como a de César Sandino na Nicarágua e Farabundo Martí, em El Salvador.

Não seria completo o olhar a respeito dos antecedentes dos movimentos sociais na região sem uma referência ao movimento estudantil e às organizações de classe média.

A reforma universitária nos anos vinte gerou uma mobilização de grande importância e serviu para articular ações em torno da reforma dos planos de estudo, a participação dos estudantes no governo da universidade e a articulação do movimento estudantil com as organizações sociais e políticas. Como dados significativos vale mencionar a reforma universitária na Argentina (1918) e o movimento educacional mexicano dos anos trinta. A ela precisa-se somar as tentativas de articulação entre os movimentos intelectuais e social ( a fundação da revista Amauta por José Carlos Mariátegui em Lima entre 1926-1930) e a revolução modernista no Brasil em 1922.

Neste elenco de antecedentes não se pode deixar de lado os movimentos populares e populistas que articularam o movimento operário, os movimentos sociais e as novas formas de organização política. Nesta linha se localiza o varguismo no Brasil, o peronismo na Argentina, o cardenismo relacionado com a revolução mexicana, o movimento liderado por Jacobo Arbenz na Guatemala em 1952 e o movimento revolucionário boliviano que combina do campesinato com os mineiros.

Entre os marcos históricos é necessário apontar: a Revolução Cubana (1959), o Governo da Unidade Popular no Chile (1970-73), o regresso do peronismo com Hector Cámpora e Juan Diego Perón na Argentina (1973-76) e o governo de Velasco Alvarado no Peru a partir de 1968. Muito mais tarde, em 1979, a Revolução Sandinista na Nicarágua.

Todos estes acontecimentos foram contribuindo com a construção de uma agenda que depois seria retomada também pelos movimentos sociais.

Os principais temas dessa agenda nos anos posteriores seriam:

A questão campesina§
Os direitos indígenas§
A propriedade da terra§ e a reforma agrária

4.2 A emergência dos novos movimentos sociais

Corre-se o risco de simplificação ao se falar dos novos movimentos sociais, pois não existe uma caracterização que contemple a todos eles.

Segundo Boaventura de Sousa Santos as características próprias destes movimentos na América Latina é a de introduzir “novos fatores (…) na relação regulação-emancipação e na relação subjetividade-cidadania”, entendendo que “a maior novidade dos novos movimentos sociais reside em que constituem tanto uma crítica de uma regulação social capitalista, como uma crítica da emancipação social socialista tal como foi definida pelo marxismo”.

E acrescenta que “a denuncia de novas formas de opressão implica, pois, a crítica ao marxismo e ao movimento operário tradicional, assim como a crítica ao chamado ‘socialismo real’. O que é visto por estes como fator de emancipação (o bem-estar material, o desenvolvimento tecnológico das forças produtivas) se transforma, nos novos movimentos sociais, em fator de regulação. Por outro lado, porque as novas formas de opressão se revelam discursivamente nos processos sociais onde se forja a identidade das vítimas, não há uma pré-constituição estrutural dos grupos e dos movimentos de emancipação, por isso o movimento operário e a classe operária não têm uma posição privilegiada nos processos sociais de emancipação”.

Em tanto e em quanto estes chamados novos movimentos sociais cresceram e se desenvolveram no marco do período do apogeu neoliberal, podem caracterizar-se como novas formas de resistência, entre outras razões porque os problemas econômicos colocaram estas organizações na defensiva. Entre outros faotres, precisa-se considerar a inflação, o desemprego, a deteriorização dos níveis salariais, a falta de investimentos e a perda da qualidade de vida.

Tudo o que foi acima citado resulta em ruptura dos laços sociais, com o aumento da violência, da criminalidade e do consumo de drogas. Todas estas são conseqüências do recente avanço do neoliberalismo.

Neste cenário de crise crescem e se desenvolvem os novos movimentos sociais. Enraizados nas tradições que antes mencionamos, porém tomados e exigidos pelas novas urgências e pela necessidade de dar respostas às demandas dos setores de base.

Não se pode deixar de lado que o ajuste e a rescisão neoliberal se fez também sobre a base da repressão institucional e, em alguns casos, com regimes autoritários.

Enquanto o movimento operário buscou reorganizar-se de maneira sumamente cuidadosa, com uma cautela que se misturou, mais de uma vez e conforme os casos, com negociações com o poder em busca da sobrevivência, o movimento estudantil praticamente desapareceu.

Apareceram, então, novas formas de organização, na forma de movimentos sociais, que no começo tomaram características próprias de reivindicações liberais muito rpóximas aos princípios da democracia tradicional (o voto, os direitos individuais, etc). Ainda que também pode-se advertir a continuidade das demandas mais clássicas, como a luta por melhores salários, a defesa da terra e a reforma agrária, entre outras.

Em um primeiro momento estes movimentos se localizaram fora dos partidos tradicionais, buscando sua própria autonomia, mas também para não contaminar-se com o desprestígio sempre crescente das forças políticas.

Os temas da agenda foram:

§ A defesa dos direitos humanos
§ O meio ambiente
§ Os direitos da mulher
§ A defesa das minorias
§ A propriedade da terra

Estes novos temas se incorporaram aos anteriores e se misturaram, sem muita claridade na agenda dos movimentos, entre outras coisas porque se tornou difícil a articulação política e organizativa. Embora falou-se muito de “redes” e “articulações” nenhuma delas se conseguiu com facilidade, especialmente porque tornou-se difícil renunciar os interesses particulares e setoriais. Nisto haveria que contabilizar o déficit de atividade política que deixaram como seqüela as ditaduras e os governos autoritários.

Precisa-se levar em conta, no entanto, que em alguns casos, como no Brasil, gerou-se também um processo pelo qual os movimentos pretenderam dar um salto à política partidária. É o que aconteceu no Brasil através do PT como canalizador das iniciativas e das reivindicações dos movimentos diversos.

Outros, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) continuam afirmados na luta pelo território e pelos direitos do povo campesino. Sua vinculação com a política continua sendo reivindicativa, ainda que desenvolvam tarefas políticas em função de um projeto mais amplo, o olhar tende a fortalecer mais ao movimento em função dos objetivos próprios que a propor-se diretamente como objetivo a tomada do poder. Inclusive sua política de alianças tem mais a ver com o primeiro do que com a tomada de poder no Estado, ao que continua-se considerando em termos burgueses e distante da democracia popular.

Tão pouco há que desestimar o que tem significado como fenômeno novo a globalização da luta dos movimentos sociais. A realização dos Fóruns mundiais nos quais defendeu-se a idéia de “outro mundo possível” se converteu em um importante alimentos dessas iniciativas, mas também em uma possibilidade de intercâmbio, de crescimento, de enriquecimento dos diferentes atores.

A questão indígena requer uma referência particular, pois tem se tornado relevante em toda a região na última década. Certamente, um fato sumamente significativo foi o levantamento zapatista na selva Lacandoma no México em 1994. pela legitimidade das reclamações, mas também pela originalidade metodológica, o zapatismo, relacionando demandas indígenas e campesinas, tornou visível e alentou a emergência de outras manifestações culturais e políticas dos povos originários.

Hoje é preciso olhar com especial atenção ao governo Evo Morales na Bolívia, apoiado em um forte conteúdo étnico, porém também a emergência dos movimentos de raiz indígena no Equador, em bom diálogo com Correa, no Peru, onde foram brutalmente reprimidos, e no Brasil, onde não conseguiram transcender com suas reivindicações.

E nesta etapa a agenta voltou a enriquecer-se com novos temas. Assim começou-se a falar do indigenismo não somente como movimento reivindicativo étnico, mas também como crítica cultural, dos afroamericanos, das questões de gênero e meio ambiente e da qualidade de vida, entre outros.

4.3 A questão da intersubjetividade

Quando se fala destes novos movimentos sociais surge rapidamente o tema da intersubjetividade para explicar que a luta emancipatória destes grupos não se formula em termos de objetivos políticos encaminhados à tomada do poder, antes, pessoal, social e cultural. Disto também se desprende a agenda, onde aparecem temas diretamente vinculados a estas reivindicações: ambiente, qualidade de vida, direitos, justiça, paz, etc.

A categoria classe, próprias das litas inspiradas no marxismo, tem sido claramente deslocadas pelo conceito de setores e grupos sociais. Porém, ao mesmo tempo as reivindicações que se postulam vão desde a mudança do modelo global (uma aspiração muito além da luta pelo poder político imediato) até demandas locais (água, serviços, educação ou direito à comunicação)

Geralmente não existe um referente organizador que uma as diferentes demandas. Isto torna difícil a coincidência e a articulação, que vão além das articulações ocasionais ou conjunturais.

Existe, no entanto, um debate a respeito de se estas reivindicações são novas em si mesmas ou formam parte da agenda anterior e nunca concluída dos antigos movimentos sociais e políticos.

O que sim deve ficar claro é que diferentemente dos antigos movimentos que se moviam no espaço do Estado, estes novos movimentos reivindicativos se localizam claramente no cenário da sociedade civil. O acesso destes últimos ao estado acabou cooptando-os e absorvendo suas demandas como forma de controle por parte do poder político.

De fato, não é o caso de colocar uma falsa oposição ou uma opção entre uns e outros. São parte dos dinamismos presentes e complementários. É certo também que, até o momento na América Latina não se construiu opções políticas que permitam uma sinergia entre estes dois movimentos como parte da consolidação de uma alternativa política diferente. Pois seria equivocado pensar que da parte dos novos movimentos existe uma repulsa da política em seu sentido tradicional. Trata-se, ao contrário, de uma ampliação do sentido da política, que tem que ser complementaria de outras formas para gerar perspectivas de mudança.

Há nos novos movimentos outra concepção de poder e da forma de fazer política. Existe um regresso à idéia da base e da comunidade como origem e legitimidade da política, que orienta necessariamente em direção a outras formas de estruturar a organização e a distribuição do poder. Há aqui uma contradição importante com as velhas estruturas políticas e com sua metodologia de acúmulo do poder. Esta também é uma fonte de diferenças e uma tensão não resolvida.

Daí deriva também uma contradição real entre a tradicional democracia representativa e a democracia participativa que propunham os novos movimentos. O real é que uma não pode existir sem a outra. Aqui voltamos sobre o olhar anterior a respeito da busca da complementaridade e a sinergia.

Assim como assinala Martín Retamozo é preciso pensar “em duas lógicas de intervenção política” dentro das quais os movimentos sociais implicam “um processo de conformação de subjetividades coletivas, uma articulação de demandas e a consecução de processos de ação e identidade coletiva”. E acrescenta que “como forma de intervenção dos setores subalternos, os movimentos sociais podem ser concebidos operando no espaço da disputa da origem social, questionando certa estruturação que outorga nomes e determinados nós que seguram a ordem de dominação”.

5. Os governos “progressistas”

No final do ano passado se completaram dez anos da chegada de Hugo Chávez no poder (06 de dezembro de 1998). Foi este o acontecimento que inaugurou uma nova etapa nesta parte do mundo , o que denominaremos como governos “progressistas”.

Quais foram as características comuns que, indo além das diferenças, podem ser atribuídas a estes governos que chamamos “progressistas”?

1. O rechaço ao neoliberalismo e, de modo geral, a todas as políticas derivadas do Consenso de Washington
2. Políticas econômicas destinadas a consolidar a produção local e o mercado interno.
3. Complementariamente ao item anterior, um reforço dos processos de integração econômica regional e proteção de mercados.
4. Níveis mais elevados de integração política e atuação conjunta em defesa dos interesses deste grupo de países.
5. Reafirmação do sistema político democrático e tentativa de recriar a política mediante a integração dos movimentos sociais e organizações de base.

Nesta caracterização pode-se incluir os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Michelle Bachelet (Chile), Evo Morales (Bolívia) Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner (Argentina), Tabaré Vázquez (Uruguai), Rafael Correa (Equador) e finalmente Fernando Lugo (Paraguay). São, na verdade, estes sete presidentes os que sintetizam esta nova etapa latino americana.

Menção à parte mereceria a passagem de Martín Torrijos pela presidência de Panamá e o retorno de Daniel Ortega à presidência da Nicarágua.

Porém, seguindo o caso dos governos anteriormente mencionados, devem-se distinguir pelo menos dois processos bem diferenciados para fornecer conclusões semelhantes na política.

O primeiro caracterizou-se pela emergência dos movimentos sociais e populares, também aqueles gestados em tempos de resistência, derrotando dirigentes políticos e governos neoliberais.

Neste caso podem escrever-se Venezuela, Bolívia e Equador.

Diferentemente, tanto no Brasil, como no Uruguai a mudança produziu-se por um processo de acumulação eleitoral e de construção política de longo tempo realizada em um caso pelo PT e no outro pela Frente Ampla.

A Argentina é um caso particular, onde se somam diferentes fatores, porém com grande predominância do primeiro modelo. O Paraguai é uma combinação de ambos.

O pesquisador uruguaio Raúl Zibecchi caracteriza estes governos, apesar de suas diferenças, da seguinte maneira:

“1. (…) Têm algo fundamental em comum: a preocupação da centralidade do Estado, transformado em sujeito das mudanças.
“2. A marginalização dos movimentos que na década de 1990 e prencípios de 2000 eram os protagonistas da resistência neoliberal.
3. A contradição dominante passou a ser entre os governos e as direitas, uma mudança que arrastou os movimentos sociais para uma tormenta estatal da qual uma porção fundamental ainda não conseguiu sair.
“4. Existem algumas tendências, ainda dispersas, que apontam para a recuperação dos movimentos sobre novas bases e em base a novos temas e formas de intervenção.

Não somente aderimos a esta caracterização, mas também assumimos ao mesmo tempo em que se coloca uma questão entre os governos e estes movimentos, muitos dos quais, pelo menos numa primeira etapa, não puderam superar o risco da subordinação ao Estado.

No fundo desta análise o que continua vigente é a questão não resolvida da alternativa política em nossos países. De sete ou oito anos atrás, até esta data, a maioria de nossos países viveram períodos econômicos de crescimento nunca vistos antes, como resultado do crescimento dos preços internacionais de nossas matérias-primas. Melhorou nossa posição relativa no mercado internacional.

O anterior se refletiu em índices do PIB porém, tal como assinalamos no começo deste trabalho, não se traduziu em distribuições significativas da riqueza, apesar de que este propósito sempre esteve presente no discurso dos governantes de cada tempo.

Pode-se dizer, então, que os chamados governos progressistas, embora tenham dado passos importantes para sanar muitas seqüelas instaladas na ofensiva neoliberal, não puderam resolver questões econômicas de base, como é, em essência, a instalação de um modelo diferente que gere maior justiça e equidade. A economia melhorou em termos gerais, os índices são melhores para todos e como conseqüência disso também diminuiu a percentualmente a pobreza. Porém, as condições estruturais não variaram.

Como conseqüência, persiste o agudo processo de concentração da riqueza em poucas mãos, não se detiveram na saída de capitais e os limites à intervenção estrangeira na região são mais de cunho político e discursivo do que real.

Não obstante o anterior, está claro, tal como afirma Zibecchi, que o enfrentamento atual e entre os governos e as direitas, porque os grupos econômicos querem impedir, de todas as formas, a perda de privilégios e, inclusive, a derrota ideológica.

A nível político se nota maior autonomia em relação às potências externas à região, e maior construção coletiva de critérios comuns de política internacional. A integração avançou em termos econômicos (há maior complementação comercial e financeira) porém muito menos em outros níveis como o político, o social e o cultural.

Não existe também uma reforma do Estado que o posicione em outro lugar. Ainda que haja diferenças entre os países (Chile, por exemplo, tem um Estado mais eficiente em relação aos demais) não é possível devolver ao Estado tarefas que lhe foram tiradas, sem rediscutir o papel do Estado e fornecer-lhe as ferramentas e os recursos necessários. Este trabalho está pendente.

Porém, um dos grandes déficits destes governos tem sido, por diferentes razões, a reforma política. A Venezuela, com Chávez, pretende uma reforma político cultural para desterrar o modelo liberal republicano clássico. A Bolívia iniciou um caminho semelhante, porém está atravessada pela disputa étnica, territorial e econômica. O presidente Correa no Equador é quem parece avançar com maior firmeza, ainda que com maior prudência e lentidão, por esse caminho que supõe a difícil integração entre o novo e o velho, entre os novos movimentos e a antiga política. E isso deve-se fazer dando aos atores emergentes um papel protagônico que lhes permita conduzir o processo.

Tanto na Argentina quanto no Brasil uma das maiores dificuldades tem sido encontrar a maneira deintegrar os novos movimentos sociais na gestão política e na gestão do Estado. Em determinado momento pensou-se que estes movimentos poderiam oxigenar a política, reformá-la, dar-lhe outra tônica.

Hoje fica claro que as figuras chaves da política se repetem e, salvo exceções, as lideranças sociais não extravasam até as filas políticas e que as metodologias dos partidos não se modificaram de maneira substancial.

No Brasil, Argentina, Chile e Uruguai os processos eleitorais que se aproximam não garantem a consolidação do mesmo estilo de governo. Podem produzir-se, em todos estes casos, regressões importantes com a conseqüente restauração de práticas políticas e econômicas que exigiram grande esforço para serem transformadas.

A gestão de Fernando Lugo no Paraguai está rodeada de muita falta de recursos humanos e materiais. O processo político social ali é sumamente instável e não existem garantias que permitam olha o futuro com otimismo. Ninguém pode esquecer que a ditadura de Alfredo Stroessner ainda tem seus rastos marcados no cotidiano dos paraguaios e na sua cultura política. O desafiu é reconstruir o país. Tarefa extremamente difícil.

Em síntese, é preciso dizer que não há uma nova forma de fazer política que haja iluminado a sombra destes novos governos progressistas. Haverá que esperar, não obstante, a evolução da realidade na Venezuela, Bolívia e Equador onde parece gestar-se uma revolução político cultural de maior envergadura.

Sim haveria que trabalhar em cima dos aprendizados feitos, sobre as formas de participação popular, sobre as experiências de gestão, sobre as práticas de democracias participativa que vem sendo geradas. Há ali um caudal de experiências e uma massa crítica que não pode ser desaproveitada.

O Peru e a Colômbia mereceriam uma análise particular que não cabe neste trabalho. Basta dizer que no momento representam, especialmente Colômbia com a presidência de Uribe, o vozerio mais importante da visão neoliberal da história e os intérpretes mais claros dos interesses dos Estados Unidos na região.

6. Alguns temas para continuar aprofundando.

Sem nenhuma pretensão de concluir, queria deixar alguns temas abertos para o debate:

a. Foram feitos avanços no campo econômico, porém, a falta de reformas estruturais e a interdependência que instala o capitalismo global, não permitem afirmar a irreversibilidade dos avanços conquistados nos últimos anos em nossos países.

b. Em matéria política notam-se dois processos bem diferentes. Venezuela, Bolívia e Equador avançam em reformas políticas que têm componentes culturais muito fortes, apoiados nos indígenas, mestiços e afroamericanos. Nos demais países as reformas econômicas não foram acompanhadas por mudanças políticas de transcendência que melhorem a qualidade da participação e abram um novo tipo de liderança e de participação.

c. Os novos movimentos sociais aportam uma riqueza muito importante ao cenário, porque melhoram a agenda e regeneram a participação. No entanto, faltam modos de integração entre estes e a política para aumentar seu poder e capacidade de incidência em relação à gestão do Estado sem que por isso terminem sendo finalmente cooptados por este. Assim colocados, estes movimentos continuam ocupando a função da resistência e da crítica, porém distante da tomada de decisões.

d. O espaço da comunicação é um âmbito de luta simbólica pelo poder. Ali se constroem sentidos interpretativos e os diferentes atores buscam consolidar sua hegemonia a partir do discurso. Nos dias de hoje a comunicação é um âmbito controlado por grandes grupos econômicos concentrados e os setores e grupos populares estão totalmente à margem. Democratizar a comunicação e por em prática o direito efetivo à comunicação parece ainda uma meta muito distante, ainda que essencial à democracia.

e. Para além do discursivo, o processo de integração se fragiliza também pelo efeito da crise econômico financeira dos países centrais que geram o processo de retratação e políticas de proteção das economias nacionais que afetam o processo integrador. No econômico, para mencionar dois temas chaves, é preciso avançar mais rapidamente na idéia do banco comum e de uma moeda única para todos os países. São ferramentas indispensáveis que só se alcançarão diminuindo as diferenças relativas e com grande vontade política.

f. A integração de nossos países continua precisando de um olhar mais horizontal e não limitado à economia. Não há integração política horizontal e tampouco em outros aspectos sociais e culturais. A agenda da integração continua sendo econômica, quando não meramente tributária. Precisamos ferramentas políticas de integração construídas desde baixo e os movimentos sociais e as organizações populares têm que por o tema da integração na agenda de suas prioridades. Quem com maior consciência faz uma contribuição neste sentido, até agora, tem sido os povos indígenas, também porque superam o marco das reivindicações para fazer uma crítica cultural e radical a todo o sistema.

g. A crescente urbanização, o aumento da comercialização de droga e a indigência de muitos, fazem um coquetel sumamente perigoso que aumenta a criminalidade e a violência. Não aparecem alternativas à vista e antes que respostas integrais repetem-se receitas que propõe maior segurança somente com violência e repressão.

h. Existem grandes setores da juventude que, por todos os fatores mencionados vêem com pessimismo seu futuro e adotam uma atitude agressiva ao seu meio, que conduz a muitos episódios de violência de todo tipo. A sociedade e os dirigentes assistem com medo e desconcerto, quando não com xenofobia e demandas de repressão, estas situações para as quais não aparecem soluções sociais, políticas e econômicas à mão.

i. A questão ecológica, sobre a diversidade e a água como recurso indispensável está surgindo a cada dia com mais força. Outra vez são os povos originários os principais responsáveis por esta reivindicação. É preciso investigar, denunciar e debater uma agenda específica sobre estes pontos, convertendo-os em questão central do debate político.

Estes e, certamente outros são os problemas, mas também os desafios. Conjunturalmente vvive-se um momento de incertezas a respeito do futuro imediato. No entanto, existem reservas espirituais e políticas, para aprofundar e melhorar o caminho traçado nos últimos anos. Faz falta investir em criatividade e vontade para cimentar a solidariedade e a esperança. É necessário que os novos atores se unam, construam redes e alimentem os processos de integração ainda que por cima dos Estados e dos governos.

A tarefa será sempre a de preservar e construir. Sem pressa e sem pausa. Porque, como bem o escreveu Antônio Machado: “A história não caminha ao ritmo de nossa impaciência”. É preciso alimentar a esperança com a certeza de que o futuro é múltimplo e está por construir-se. O que hoje façamos configura o cenário de amanhã. E fazer a história é nossa principal responsabilidade. Porque, como diz Eduardo Galeano: “ao fim e ao cabo, somos o que fazemos para mudar o que somos”.

Curitiba (Brasil), 20 de junho de 2009.

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Bibliografia:

BORON, Atilio; “Globalización y problemas del desarrollo”, Conferencia dictada en el XI Encuentro Internacional de Economistas, La Habana, 2-6 marzo de 2009
DOS SANTOS, Theotonio; De la resistencia a la ofensiva: el programa alternativo de los movimientos sociales.OSAL 65, Año V no. 15, setiembre-diciembre 2004. http://168.96.200.17/ar/libros/osal/osal15/dossantos15.pdf.
Consultado 17.06.09
ZIBECCHI, Raúl; ¿Autonomía o nuevas formas de intervención? La compleja relación entre gobiernos y movimientos. 2009. http://www.ircaamericas.org/esp/5807 Consultado 28.05.09



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