A revista Foreign
Affairs, que reflete as preocupações da intelligentsia
norte-americana (tanto à esquerda, quanto à direita) publica, em seu último
número, excelente ensaio de George Packer – The broken contract; Inequality
and American Decline. Packer é um homem do establishment. Seus pais
são professores da Universidade de Stanford. Seu avô materno, George Huddleston,
foi representante democrata do Alabama no Congresso durante vinte anos.
O jornalista mostra que
a desigualdade social nos Estados Unidos agravou-se brutalmente nos últimos 33
anos – a partir de 1978. Naquele ano, com os altos índices de inflação, o
aumento do preço da gasolina, maior desemprego, e o pessimismo generalizado,
houve crucial mudança na vida americana. Os grandes interesses atuaram, a fim de
debitar a crise ao estado de bem-estar social, e às regulamentações da vida
econômica que vinham do New Deal. A opinião pública foi intoxicada por
essa idéia e se abandonou a confiança no compromisso social estabelecido nos
anos 30 e 40. De acordo com Packer, esse compromisso foi o de uma democracia da
classe média. Tratava-se de um contrato social não escrito entre o trabalho, os
negócios e o governo, que assegurava a distribuição mais ampla dos benefícios da
economia e da prosperidade de após-guerra - como em nenhum outro tempo da
história do país.
Um dado significativo:
nos anos 70, os executivos mais bem pagos dos Estados Unidos recebiam 40 vezes o
salário dos trabalhadores menos remunerados de suas empresas. Em 2007, passaram
a receber 400 vezes mais. Naqueles anos 70, registra Packer, as elites
norte-americanas se sentiam ainda responsáveis pelo destino do país e, com as
exceções naturais, zelavam por suas instituições e interesses. Havia, pondera o
autor, muita injustiça, sobretudo contra os negros do Sul. Como todas as épocas,
a do após-guerra até 1970, tinha seus custos, mas, vistos da situação de 2011,
eles lhe pareceram suportáveis.
Nos anos 70 houve a
estagflação, que combinou a estagnação econômica com a inflação e os
juros altos. Os salários foram erodidos pela inflação, o desemprego cresceu, e
caiu a confiança dos norte-americanos no governo, também em razão do escândalo
de Watergate e do desastre que foi a aventura do Vietnã. O capitalismo parecia
em perigo e isso alarmou os ricos, que trataram de reagir imediatamente, e
trabalharam – sobretudo a partir de 1978 – para garantir sua posição, tornando-a
ainda mais sólida. Trataram de fortalecer sua influência mediante a
intensificação do lobbyng, que sempre existiu, mas, salvo alguns casos,
se limitava ao uísque e aos charutos. A partir de então, o suborno passou a ser
prática corrente. Em 1971 havia 141 empresas representadas por lobistas em
Washington; em 1982, eram 2445.
A partir de Reagan a
longa e maciça transferência da renda do país para os americanos mais ricos,
passou a ser mais grave. Ela foi constante, tanto nos melhores períodos da
economia, como nos piores, sob presidentes democratas ou republicanos, com
maiorias republicanas ou democratas no Congresso. Representantes e senadores –
com as exceções de sempre – passaram a receber normalmente os subornos de Wall
Street. Packer cita a afirmação do republicano Robert Dole, em 1982: “pobres
daqueles que não contribuem para as campanhas eleitorais”.
Packer vai fundo: a
desigualdade é como um gás inodoro que atinge todos os recantos do país – mas
parece impossível encontrar a sua origem e fechar a torneira. Entre 1974 e 2006,
os rendimentos da classe média cresceram 21%, enquanto os dos pobres americanos
cresceram só 11%. Um por cento dos mais ricos tiveram um crescimento de 256%,
mais de dez vezes os da classe média, e quase triplicaram a sua participação na
renda total do país, para 23%, o nível mais alto, desde 1928 – na véspera da
Grande Depressão.
Esse crescimento,
registre-se, vinha de antes. De Kennedy ao segundo Bush, mais lento antes de
Reagan, e mais acelerado em seguida, os americanos ricos se tornaram cada vez
mais ricos.
A desigualdade, conclui
Packer, favorece a divisão de classes, e aprisiona as pessoas nas circunstâncias
de seu nascimento, o que constitui um desmentido histórico à idéia do
american dream.
E conclui: “A
desigualdade nos divide nas escolas, entre os vizinhos, no trabalho, nos aviões,
nos hospitais, naquilo que comemos, em nossas condições físicas, no que
pensamos, no futuro de nossas crianças, até mesmo em nossa morte”. Enfim, a
desigualdade exacerbada pela ambição sem limites do capitalismo não é apenas uma
violência contra a ética, mas também contra a lógica. É
loucura.
Ao mundo inteiro – o
comentário é nosso- foi imposto, na falta de estadistas dispostos a reagir, o
mesmo modelo da desigualdade do reaganismo e do thatcherismo. A crise econômica
mais recente, provocada pela ganância de Wall Street, não serviu de lição aos
governantes vassalos do dinheiro, que continuaram entregues aos tecnocratas
assalariados do sistema financeiro internacional. Ainda ontem, Mário Monti,
homem do Goldman Sachs, colocado no poder pelos credores da Itália, exigia do
Parlamento a segurança de que permanecerá na chefia do governo até 2013, o que
significa violar a Constituição do país, que dá aos representantes do povo o
poder de negar confiança ao governo e, conforme a situação, convocar eleições.
Tudo isso nos mostra que
estamos indo, no Brasil, pelo caminho correto, ao distribuir com mais equidade a
renda nacional, ampliar o mercado interno, e assim, combater a desigualdade e
submeter a tecnocracia à razão política. É necessário, entre outras medidas,
manter cerrada vigilância sobre os bancos privados, principalmente os
estrangeiros, que estão cobrindo as falcatruas de suas instituições centrais com
os elevados lucros obtidos em nosso país e em outros países da América Latina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário