Laerte Braga |
Nos antigos colégios internos era
comum a realização de “assembléias”, onde diretores, professores e convidados
transmitiam lições de moral e cívica. Numa dessas assembléias, em meu tempo de
ginásio, ouvi uma história interessante (muitas ilustrações orais usadas pelos
palestrantes o eram).
Falava de duas mulheres, a patroa
viúva e a empregada solteira. As duas com forte dose de religiosidade. Num dado
momento a patroa propôs a empregada que cada uma delas tivesse um saco e ali
depositassem uma bola cada vez que pecassem. Ao final do ano saberiam qual das
duas era a mais pecadora, ou apenas a pecadora.
A patroa viúva vivia em casa a maior
parte do tempo e a empregada após o seu trabalho ia se encontrar com o
namorado.
Ao final do ano, no momento de
contar as bolinhas, a empregada chegou à sala arrastando um saco pesado ao
contrário da patroa um saco leve. Ao virar o seu saco para contar as bolas a
empregada espantou-se, pois nenhuma bola caiu e de repente o saco se mostrou
vazio. O saco vazio da patroa, ao contrário, deixou cair 365 bolas, simbolizando
365 “pecados”.
Segundo o palestrante e ante o
espanto de ambas um anjo desceu até o centro da sala e diante das duas
ajoelhadas e contritas, explicou o fato. As 365 bolas que não caíram do saco da
empregada, haviam sido postas ali por ela, sumiram por um motivo simples. Nas
noites em que saíra com o namorado e (vou usar a expressão do palestrante)
tiveram “relações carnais”, houve em cada dia um ato de amor. Ao contrário, na
única vez que “pecou” (vou usar outra vez a expressão do palestrante, que
certamente quis dar maior ênfase ao “pecado”), a patroa o fez por hipocrisia com
“um amigo da família”, já que toda a “pureza exibida apenas encobria pensamentos
sujos”.
É característica das nossas elites
políticas e econômicas. A presunção da “pureza”, que aqui pode ser substituída
por mais que hipocrisia, mas por absoluta desfaçatez e não em “relações
carnais”, mas no aspecto político de dominação. Se vê isso muito hoje em igrejas
neopentecostais, que no simples trato de questões do cotidiano se transformam em
agentes do conformismo e do fanatismo religioso a serviço de interesses dos
senhores.
A crítica pública a uma pessoa só
tem sentido ser for conseqüência de uma atitude, um desempenho, se for política.
Do contrário se ganha um cunho pessoal, meramente pessoal não tem
razão de ser. Acaba não sendo crítica.
A situação dramática dos índios
brasileiros, agora com repercussão internacional face à chacina contra
Guarani-Kaiowás, é a mesma que transformou o general Custer e sua cavalaria em
herói de vários filmes de John Wayne dizimando índios para que o “progresso”
pudesse chegar. Há uma prática de longos anos de criminalizar o índio, de
transformá-lo em bárbaro, em um ser cruel e atrasado e a mania de catequizá-lo
com as idéias do “homem branco”. Não busca transformá-lo em branco, mas em
escravo, ir eliminando os povos nativos, no caso do Brasil por exemplo, enquanto
o tal progresso não passa do transgênico/veneno que comemos todos os dias nas
tecnologias capitalistas de empresas como a MONSANTO, associada a boçais que
permanecem assim desde o primeiro pingo de vida no Planeta, falo dos
latifundiários. E são parte do governo na tal base aliada.
O genocídio que se estende a todas
as nações indígenas do Brasil, como em outros países, como antes nos EUA, é o
mesmo, por exemplo, que criminaliza muçulmanos, negros, pobres, que despeja
Pinheirinhos e que implanta modelos cosméticos, mas violentos de “pacificação”,
sem que o trafico de droga, alvo das UPPs, sofra um só arranhão. Permaneça
intacto, até com a cumplicidade dessa aberração chamada Polícia Militar,
inaceitável num estado dito democrático.
Pessoas. Marilyn Monroe num
determinado momento de sua carreira, quando atingiu o ápice, fez uma declaração
interessante e definitiva sobre determinadas situações que viveu. “Agora não
preciso mais fazer trabalho de blow job em donos de estúdio para conseguir
papéis. Sou uma mina de ouro para eles”.
Quando o privado se mistura ao
público a crítica à pessoa é correta, necessária e importante para que se possa
ter a real dimensão do problema, refiro-me à questão dos índios, ao genocídio
impune, com guarida no STF (Supremo Tribunal Federal) e, especificamente a
ex-atriz Regina Duarte. É necessária porque a pessoa se transforma em
instrumento da classe dominante por si e por seu mau caratismo.
Tentar compará-la, por exemplo, em
qualquer plano, a Marilyn Monroe seria um ato de insanidade, o problema é outro.
O blow job é um expediente usado e pode ser em si, ou como conceito de forma de
ser. O que em muitos momentos é um ato de amor vira um aríete a serviço dos
donos.
“Tenho medo, estou com muito medo”.
Foi uma declaração da ex-atriz feita em 2002, pouco antes da eleição de Lula,
atendendo a um pedido de FHC. Protagonizou situações constrangedoras ao
ex-presidente, quando ainda senador e era a principal “cabo
eleitoral” de FHC em São Paulo. Constrangedoras do ponto de vista público e do
ponto de vista familiar.
Entre atores é considerada por
muitos como “mau caráter”, por ter usado todos os expedientes para alcançar
papéis, até consolidar uma situação, ou seja, a hipocrisia da patroa e sua única
bolinha que acabou se transformando em 365 bolas.
Celso Furtado, um dos maiores
pensadores do País, do mundo, fez uma constatação importante já no final do
século XX. “A revolução feminista foi a mais importante revolução do século XX”.
Segundo ele, maior que a própria revolução bolchevique. Estendia-se ao mundo
inteiro e trazia, como trouxe, a mulher para o centro do palco, tirava-a da
condição de espectadora para a de protagonista do processo político e
econômico.
Quem vê as fotos de Ernesto Chê
Guevara em camisas dos mais variados tipos, cores, etc, muitas vezes não percebe
que o capitalismo se apropriou do Chê e o transformou em lucro, o que não
diminui sua extraordinária importância histórica e seu exemplo de conduta como
“lutador do povo” (expressão criada por César Benjamin). Mostra a amoralidade do
capitalismo.
Ao perceber a ascensão da mulher ao
centro do protagonismo político e econômico o capitalismo se apropriou dessa
conquista fantástica, para criar a mulher objeto. Ou seja, a liberdade da mulher
continua sendo uma luta para que possa ser mulher e não mercadoria. O machismo é
bem mais que ser senhor de alguma mulher, mas é manter intocado o sistema
capitalista preso ainda à Idade Média, agora a Idade Média da Tecnologia, os
castelos complexos dessa tecnologia. São simples – exploradores e
explorados.
Regina Duarte nesse contexto é
mercadoria. Ao comparecer a um seminário da Sociedade Interamericana de Imprensa
está vendendo sua imagem (ou o que resta dela) à defesa da “liberdade de
expressão”, a intocabilidade das famílias que controlam a mídia de mercado no
País. Ou seja, lutando para o JORNAL NACIONAL continue sendo o símbolo de um
poder que se criou na ditadura militar e tem o telespectador em tudo o que
envolve a GLOBO, o grupo, estou tomando-o aqui como síntese, na conta de idiota,
ou “Homer Simpson”, o ingênuo que acredita piamente em tudo o que se lhe é
passado em nome do patriotismo, do modelo, do sistema. Ou defendendo as mentiras
largamente demonstradas de VEJA e todo o contexto que significa mídia como braço
do capitalismo, da classe dominante.
Na novela ROQUE SANTEIRO, de um dos
maiores autores teatrais do País, Dias Gomes, a moça de um cabaré, o cabaré da
cidade, sonha com um rico fazendeiro se apaixonando por ela e levando-a, depois
do pedido de casamento, para sua grande fazenda. No último capítulo o fazendeiro
se materializa em Tarcisio Meira e a moça, Isis de Oliveira alcança seu
sonho.
Latifundiários desprezam o
romantismo/crítico que Dias Gomes imprimiu ao fato, para simplesmente comprar
quem se dispõe ao blow job.
A mercadoria/latifundiária Regina
Duarte é, neste momento, o principal porta-voz da barbárie capitalista contra os
índios Guarani-Kayowas. Não entende nada de revolução feminista e nem do papel
da mulher na construção de um modelo alternativo que, entre outras coisas,
exclua a barbárie, a vitória pelo blow job, ou aquele em que o blow job seja um
ato de amor como o da empregada/trabalhadora. Bem longe da hipocrisia da
patroa.
E até na visão do anjo segundo a
historinha.
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