Um remédio contra a fanfarronice do ministro Jobim
O professor emérito e jurista Fábio Konder Comparato, baluarte na defesa dos direitos humanos, lembra, com base no afirmado pelo ministro Nelson Jobim, que existe um crime contra a Administração Pública que precisa ser apurado.
Só para recordar, Jobim informou que todos os documentos sigilosos da época da ditadura militar desapareceram dos arquivos das forças militares, ou seja, do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Uma informação grave é tratada por Jobim com leviandade. E devemos lembrar que em termos de leviandade, Jobim tem antecedentes. Em livro laudatório, Jobim confessou ter, ao tempo que era deputado constituinte, colocado emendas na Constituição da República sem submetê-las à apreciação e aprovação dos seus pares.
Pelo tom dado, Jobim parecia noticiar a perda de uma granada do paiol das Forças Armadas brasileiras.
Com toda a razão, Comparato entende ser dever do procurador-geral da República, como representante da sociedade e fiscal do cumprimento da lei, determinar a instauração de inquérito apuratório de crime.
A manifestação de Comparato encaminhada ao presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, segue, com exclusividade para Terra Magazine, abaixo:
“Em declarações recentes, de grande repercussão, o Exmo. Sr. Ministro da Defesa afirmou que todos os documentos públicos mantidos em sigilo, relativos ao período do regime de exceção em que viveu o país antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, desapareceram. Textualmente: “Não há documentos, já levantamos os documentos todos, não têm (sic). Eles desapareceram, foram consumidos à época” (CartaCapital, 06/7/2011, pág. 21).
É escusado lembrar, Senhor Presidente, que documentos públicos não ‘desaparecem’ por encanto. São destruídos (ou “consumidos”, como preferiu dizer o Ministro) em razão de caso fortuito, ou então por negligência culposa ou ato doloso.
Nesta última hipótese, configura-se o crime praticado por funcionário público contra a Administração em geral, definido no art. 314 do Código Penal como extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento:
“Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo, sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se o fato não constitui crime mais grave”.
Importa desde logo ressaltar, Senhor Presidente, que não cabe, no caso, a alegação de anistia, não só porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos expressamente a afastou, ao decidir em 24 de novembro de 2010 o caso Gomes Lund e outros v. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”), como ainda porque não se sabe se a suposta destruição de tais documentos ocorreu após 15 de agosto de 1979, termo final de eficácia da Lei nº 6.683, de 28 de agosto daquele ano.
Incabível da mesma forma, na hipótese de comprovação de ato criminoso, a ocorrência de prescrição penal, pois o mesmo veredicto da Corte Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que a doutrina e a jurisprudência internacionais são unânimes em afirmar o não-cabimento de prescrição na hipótese de crimes contra a humanidade, como foram considerados os delitos de Estado, praticados entre nós durante o referido regime militar de exceção.
Por todas essas razões, tenho a honra de propor que Vossa Excelência, em sua qualidade de representante de nossa instituição, e tendo em vista a sua finalidade magna, inscrita no art. 44, inciso I, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, haja por bem representar ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, no sentido de ser aberto um inquérito civil público para a apuração dos fatos aqui narrados, consoante o disposto no art. 129, inciso III, da Constituição Federal”.
PANO RÁPIDO. Impressiona o fato de o ministro Jobim, que já passou pelo Supremo Tribunal Federal, relatar a consumação de um crime sem anunciar providências. Jobim não tem respeito à memória histórica e às vítimas do terror de Estado deflagrado à época da ditadura militar.
Wálter Fanganiello Maierovich
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