30.09.11 - Mundo Adeus Europa
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20 anos, do luxo das avenidas do Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa. As cidades europeias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva – os EUA – emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA, juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China, para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Europeia, 22,7 milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%. Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu a acumular dinheiro mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc. Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa, deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro. Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará? Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União Europeia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda: corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial, baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
[Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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Desabrocharam, como flores multi-coloridas, comícios, demonstrações e passeatas, protestos de uma forma geral, a favor – ou pedindo e exigindo – democratizações e, segundo historiadores avoados, mais baldes para regarem seu florido jardim que, no meio da areia, da miséria, da cacetada policial ou militar, insistia em crescer – e aparecer, como a margarida.
Em lugar de rituais pagãos, ou mesmo agenda e programa organizado de ação, o que deu mesmo foram as novas tecnologias de comunicação informática.
Poder-se-ia dizer (para os que cultivam a mesóclise) que a inusitada estação, para toda aquela região, foi regada a Facebook, Twitter e YouTube. Era um tal de Abdulas trocarem com Alis informações valiosas, muitas com mais de 140 caractéres arábicos. “Ei, cara, num esquece, amanhã na praça Fuad, vamos botar pra quebrar!” e variações em torno do encontro florido.
Com flor não se brinca. Elas tendem a pegar o poder distraído. E mesmo as mais delicadas e formosas podem morder os calcanhares dos homens no poder.
Sem termos de sair de nosso hemisfério, lembremos de Geraldo Vandré, todo de preto, lembrando que já havia falado de flores. Não foi bem o início de uma “Primavera Brasileira”, mas que chateou os homens, lá isso chateou.
E nosso democrático desabrochar ficou adiado por mais umas duas décadas e durou bem mais que o tempo de uma manhã, que é o que duram as rosas, segundo o lendário poético vulgar.
Durou o tempo que os milicos quiseram. Só ai então pudemos plantar e regar essas begônias que florescem a todo vapor (?) em nosso riquíssimo, lato senso, processo democrático.
Afastei-me de propósito do assunto que virou minha pauta de hoje.
Eu gosto mais das palavras e o que elas, bem calibradas, podem fazer, e só a elas e com elas paro e boto minha fantasia de jardineiro tropical e empunho, como se um cartaz subversivo em meio à passeata, ou, no caso de levante mais sério, minha espingardinha tcheca.
Eu disso tcheca? Pois disse-o bem.
Eu só tenho uma única objeção à chamada “Primavera Árabe”: chamar o que está acontecendo de “Primavera Árabe”.
No Oriente Médio e no Norte da África não há primavera na acepção rigorosa ou até mesmo generosa do fenômeno. Qualquer meteorologista sabe disso. Tem tempestade de areia. siroco, Peter O´Toole, Omar Shariff, cobras venenosas, camelos cuspindo longe e, num bom dia, coisa rara, oásis e miragens não de todo desprezíveis.
As canções do deserto e das cidades árabes e norte-africanas, não ligam a primavera a um estado de espírito amoroso, tenro, inspirador de namoros e amores. De jeito nenhum. É areia e vento.
Consta haver 250 milhões de tipos de areia diferentes e, pelo menos, uns 3 mil ventos distintos.
E os namorados Nadruz e Soraya vão de braços dados porque a Primavera é a estação do amor? Em absoluto. Como disse, lá não tem disso, não. Perguntem ao Hosni Mubarak no Egito e esperem a resposta.
“Primavera”, no sentido político, só mesmo a de Praga, em 1968. Aquela sim era um florescer de democratizações e reformas econômicas, e quem a regava era o saudoso Alexander Dubcek. Foi o ano em que cheguei à Europa e só se falava nisso.
Como o que é bom e decente dura pouco, a “Primavera de Praga” durou quase nada, de janeiro a agosto apenas. Mais do que nossas primaveras e mesmo do resto da Europa.
Mas os russos, então soviéticos, sabem, ou sabiam, cuidar dessas flores perigososas e tacaram não balde mas canhão d´água e tanque pra cima do subversivo, lá pra eles, florescer.
Não sobrou pétala sobre pétala e a despolinização do país em estação “errada” foi rápida e rasteira.
Tiveram, os pobres tchecos, de aguentar um tempinho, até 1989, para ser preciso, e a “Revolução de Veludo” para a descomunização do país.
Frise-se que em certos países, segundo o lendário popular, e certas pesquisas científicas, “flor” e “primavera” dão azar, ao passo que veludo é um material excelente para troca da guarda e mulher bem fornida.
Portanto, Tunísia, Egito, Síria, Iêmen, Sudão, Argélia, Bahrein, Irã, Iraque, Jordânia, Omã e Marrocos, devagar com essa primavera aí.
Deixem as flores para lá e reguem cactos que é mais saudável. Vejam vosso Khadafi como está sendo caçado a jatos “aliados”. Está valendo executar chefe de estado tido como flor nociva e indesejável pelos países com quatro estações definidas.