quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Missa da Terra-sem-males - Vanderley Caixe

A Missa da Resistência Indígena - Missa da Terra sem Males
A Missa da Terra-sem-males começou a brotar sobre a pedra das ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul. Terra de fronteira entre a América espanhola e portuguesa, estas duas Américas que são uma só. América dividida pelo fogo dos conquistadores.
O templo semidestruído de São Miguel é um monumento testemunho do massacre do Povo Guarani, testemunho da resistência e da grandeza dos Povos Indígenas de toda a América. As pedras escurecidas pelo fogo e pelos séculos narram com seu terrível silêncio a passagem dos bandeirantes, a devastadora passagem dos exércitos de Portugal e Espanha.
A própria História da Resistência dos Povos Indígenas aos conquistadores gestou no sangue esta Missa da Terra-sem-males. A marcha dos Povos Indígenas do Continente, buscando seu próprio rosto, sua identidade, arrancou dos massacres sepultados pela história oficial toda a força de sua esperança num Continente libertado.
Quem busca sua identidade volta-se necessariamente para o passado. Para extrair dele o metal das armas que empunhará na construção do futuro. Neste poema vulcânico, a América mergulha suas raízes na terra-mãe-ameríndia e retira dela a seiva elementar que nutre o sonho e a marcha de seus filhos.
A Missa da Terra-sem-males é uma missa de memória, remorso, denúncia e compromisso. Ela nos atira no rosto esta realidade fatal: de todos os continentes escravizados -Asia, Africa e América- a América e o único que não retornará a seus filhos. Não se trata de sonhar o impossível sonho de uma América puramente índia. Trata-se de constatar a inenarrável violência com que os conquistadores saquearam este Continente.
A Asia se levanta e seus filhos a terão um dia. Os povos negros da Africa reconquistam palmo a palmo o Continente devastado pelo colonialismo. A América, contudo, jamais retornará as mãos dos povos indígenas, sepultados pelos massacres de Cortez, Pizzarro, Valdívia, Raposo Tavares. Devorados pelas minas de Potosí, escravizados pelas bandeiras, exterminados em todo o Continente pela peste que o branco trouxe no sangue. Sem retórica, cabe dizer que os conquistadores Ingleses, Espanhois e Portugueses se lançaram sobre o Continente americano como uma malta de saqueadores, reduzindo a escombros tres impérios riquíssimos e exterminando, num espaço de quatro séculos, cerca de noventa milhões de índios.
A Missa da Terra-sem-males brotou em terra Guarani, o Povo-aliança da América India. No centro do Continente, os Guarani foram duplamente submetidos. O conquistador, português ou espanhol, converteu a terra guarani em campo de batalha até a destruição completa de tudo quanto representasse trabalho humano ou humana aspiração.
Contra toda a violência, contra todo o sangue derramado, o Povo Guarani foi capaz de sonhar a Terra-sem-males. Nao foi um "Ceu-sem-males", foi uma Terra-sem-males, a utopia possível. A utopia construída pela luta de todos os oprimidos. A pátria libertada de todos os homens.
Poderia ter sido um poema, uma cantata, mas nasceu missa. Porque é impossível separar a historia dos Povos Indígenas da América da presença da Igreja entre eles. A mesma Igreja que abencoou a espada dos conquistadores e sacramentou o massacre e o extermínio de povos inteiros, nesta missa se cobre de cinza e faz sua própria e profunda penitência. A penitência por si só não conduz a nada, nem sequer alivia a responsabilidade histórica que a Igreja assumiu ao lado do branco colonizador. Contudo, a História marcha e a Igreja mantém um laço profundo com os oprimidos da América. Que esta penitência contribua para que este laço se converta em compromisso com a marcha do Povo a caminho de sua libertação.
A Missa da Terra-sem-males so se apossará de toda a sue dimensão quando alcançar sua vestimenta continental. É profundamente significativo que ela tenha sido escrita em português, idioma deste Brasil-quase-continente, oprimido e instrumento de opressão, gigante e escravizado, historicamente empregado de seus irmãos, vítimas do mesmo saque, combatentes da mesma resistência.
A Missa da Terra-sem-males é uma convocação a todos os oprimidos da América que marcharam durante séculos e marcha hoje em busca da Terra-sem-males libertada.

Pedro TierraGoiânia, 8 de outubro de 1979
Texto da Missa da Terra sem Males

Um comentário:

  1. Barnet gostei muito do seu blog,cheguei nele por acaso fazendo uma pesquisa sobre as ruínas de São Miguel,tenho uma experiência bem peculiar com ela. Quando criança tinha continuos sonhos sobre as ruínas sem nunca ter estudado sobre ela na época, pois era muito criança,eu sabia quase tudo sobre as missões.
    Eu podia sentir todo sentimento de utopia, esperança, busca,revolução,encantamento,coragem e por último a dor de ver o sangue indigena de velhos e crianças sendo derramado naquela terra.
    Seu blogue conseguiu me lembrar de de talhes dos meus sonhos quando criança e me deixou emocionada.
    Gostaria que de lembramos sempre com grande respeito dos nossos antepassados.Parabens!
    Maria Verônica.

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