Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre
quarta-feira, 5 de agosto de 2009 16:31:31
Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir (Paris, 9 de janeiro de 1908 — Paris, 14 de abril de 1986), foi uma escritora, filósofa existencialista e feminista francesa. A mais velha de duas filhas de Georges de Beauvoir, um advogado, e Françoise Brasseur, Simone mais tarde optou por se livrar de suas origens burguesas. Na escola, estava sempre em primeiro lugar, junto com a amiga Elizabeth Mabille ("Zaza"), com quem teve uma relação de muitos anos que foi abruptamente rompida com a morte precoce de Zaza. Simone narrou esse episódio de sua vida, posteriormente, em seu primeiro livro autobiográfico, Memórias de Uma Moça bem-comportada, em que critica os valores burgueses.[/FONT]
Uma figura sardenta, esquisita e cuja vesguice se postava atrás de um pesado par de óculos. Assim poderia ser descrita a aparência de uma das mentes mais brilhantes e mais populares do século vinte. Jean-Paul Sartre, nasceu em berço burguês, a 21 de junho de 1905, na cidade de Paris, um ano antes da morte de seu pai, um jovem oficial da marinha, que morreu vitimado por uma febre. Segundo o próprio Sartre, fora esse o maior acontecimento de sua vida " Se tivesse vivido, meu pai teria desmoronado sobre mim e me esmagado". O filósofo afirmava que graças à ausência da figura paterna, crescera sem superego, portanto livre de agressividade ou desejo de dominação.
Simone conheceu Jean-Paul Sartre na Sorbonne, não tardou a ligar-se a ele, três anos mais velho do que ela, tido como uma das maiores promessas da filosofia francesa, com quem fez um pacto, ao redor do ano de 1929. Comprometeram-se os dois a ter uma relação aberta; pois o casal tinha experiências amorosas com terceiros; e fecunda, que lhes permitiu compatibilizar suas liberdades individuais com sua vida em conjunto. Dedicaram-se integralmente à literatura e à filosofia, abdicando de terem um lar e filhos. Tornaram-se para sempre devotos da palavra escrita, ao sacerdócio das letras e do pensamento.
Sentados num banco de pedra no Jardim do Carroussel, praça diante da entrada principal do Louvre onde hoje se erguem as polêmicas pirâmides de vidro, Jean-Paul-Charles-Aymard Sartre e Simone-Ernestine-Lucie-Marie Bertrand de Beauvoir decidiram firmar, em 1929, um contrato de dois anos. "Entre nós, trata-se de um amor necessário: convém que conheçamos também amores contingentes." Se esta cena chega até hoje com tamanha riqueza de detalhes é porque seus protagonistas assim o desejaram. E, mais do que isso, deliberadamente fizeram de suas vidas uma daquelas narrativas fundadoras: Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, sinônimos de intelectual, existencialismo, engajamento, liberdade e liberação.
Nesta história, hoje é impossível — e sobretudo inútil — separar obra de vida, mito de verdade, existência de aparência. Sartre & Simone são quase uma entidade e, por isso mesmo, só podem ser medidos pelas escalas da paixão, da adoração ao ódio com paradas obrigatórias na herança de suas obras, esta concreta, para a filosofia contemporânea, a militância socialista e o feminismo. O "amor necessário" que uniu por 50 anos Sartre e Simone era, na verdade um ménage-à-trois. Não pelos incontáveis amantes que de comum acordo freqüentaram as vidas de um e de outro até o fim. O terceiro e permanente vértice do triângulo foi, sem força de retórica, Paris. E um perímetro bem definido da cidade que mais concentra fantasmas literários em todo o mundo: seus domínios abrangiam um jardim (o Luxemburgo) e algumas dezenas de ruas em tomo dele, dos bairros de Saint-Germain-des-Prés a Montparnasse. "Se considero a linha geral de minha vida, ela me impressiona por sua continuidade", escreve Simone no último volume de suas memórias, Balanço Final (Tout compte fait). "Eu nasci, eu vivi em Paris: mesmo nos anos passados em Marselha, em Rouen, continuei ancorada lá." Partindo destas e de outras anotações — principalmente das memórias da autora de O Segundo Sexo, mais generosa em confissões - Jean-Luc Moreau montou os itinerários visuais de Le Paris de Jean-Paul Sartre et Simone de Beauvoir.
O casal sempre morou em apartamentos separados. Simone, inicialmente, vivia num studio na Rue de la Bûcherie, rua onde funciona hoje a livraria Shakespeare & Company (ponto intelectual da Paris de Hemingway e James Joyce), com generosa vista para a Notre Dame, o que impressionou muito seu "marido" americano, o Nelson Algren de O Homem do Braço de Ouro. Em seus últimos anos, ela voltou para Montparnasse onde nascera, ocupando um studio duplex com vista para o belo cemitério onde seria enterrada no mesmo túmulo de Sartre. O filósofo, por sua vez, depois de ter o apartamento atingido por duas bombas, também transferiu-se em 1962 para as imediações do cemitério.
Cada vez mais ligada ao feminismo, Simone funda, juntamente com outras feministas, a Liga dos Direitos da Mulher, da qual se torna presidente. Prepara um número especial da Les Temps Modernes, para a qual redige um artigo abordando o problema da linguagem, texto que divide as feministas. Algumas acreditam que a linguagem criada pelo homem representa uma de suas formas de opressão, e reivindicam uma literatura que reflita a especificidade feminina. Beauvoir observa na linguagem uma forma de comunicação, um instrumento universal, e assinala o perigo de um gueto feminino da linguagem.
Em 1977, com a saúde cada vez mais debilitada, Sartre é motivo de grande preocupação para Simone, que, junto com outras amigas e amantes dele, se revezam a fim de impedi-lo de continuar bebendo. Senil e cada vez mais manipulado por Benny Lévy, Sartre assina artigos que Simone considera uma dupla traição: a ele mesmo e a ela. A relação entre ambos torna-se tensa, e Simone sofre terrivelmente com a decrepitude de Sartre. Em meados de março de 1980, Sartre é internado no hospital. Jean-Paul Sartre morre no dia 15 de abril. Beauvoir cai numa profunda depressão, e desenvolve uma nova pneumonia, da qual jamais se recuperará totalmente.
Depois da morte de Sartre, a saúde física e mental de Simone havia começado a se deteriorar, sobretudo por causa de sua dependência do álcool e de anfetaminas. Beauvoir dá entrada no hospital Cochin, em março de 1986, com dores de estômago supostamente devidas a uma apendicite. Um edema pulmonar é diagnosticado. A cirurgia revela que seu fígado estava debilitado. Depois da operação, Simone contrai pneumonia e permanece num serviço de reanimação. Beauvoir precisa voltar à reanimação, onde seu estado se agrava subitamente. Ela morre na tarde de 14 de abril de 1986, aos 78 anos. Curiosamente, as causas de sua morte são praticamente as mesmas da de Sartre, falecido 6 anos antes, em 15 de abril de 1980.
Em 19 de abril Simone é sepultada no cemitério de Montparnasse, após uma cerimônia que reuniu cinco mil pessoas — que seguiram a pé o cortejo fúnebre até o túmulo de Sartre. Conforme havia desejado, ela é enterrada com o anel (de “noivado”) de Algren em seu dedo. O caixão desce à tumba que Simone partilhará com Sartre. Lanzmann lê um texto de Beauvoir. Um rumor de frustração se eleva da multidão, na maioria composta por feministas, muitas vindas do exterior, um rumor feito de cólera porque é um homem que lê suas últimas palavras, e de frustração porque a maior parte delas havia ficado do lado de fora do cemitério. Ordens haviam sido dadas para que se fechassem os portões cedo demais (talvez em razão dos esbarrões dos fotógrafos de jornal, que haviam quebrado túmulos e empurrado Beauvoir numa cova por ocasião do sepultamento de Sartre). Jacques Chirac, então prefeito de Paris, lê um curto texto dizendo que a morte de Beauvoir assinalava o fim de uma época em que a literatura engajada havia marcado a sociedade. A despeito destas palavras, é evidente que ainda hoje, no século XXI, Simone de Beauvoir continua a inspirar inúmeras pessoas. Basta visitar o cemitério de Montparnasse para se convencer disso: seu túmulo está sempre ornamentado com flores frescas e bilhetes de agradecimento que chegam todo dia dos quatro cantos do mundo.
Uma figura sardenta, esquisita e cuja vesguice se postava atrás de um pesado par de óculos. Assim poderia ser descrita a aparência de uma das mentes mais brilhantes e mais populares do século vinte. Jean-Paul Sartre, nasceu em berço burguês, a 21 de junho de 1905, na cidade de Paris, um ano antes da morte de seu pai, um jovem oficial da marinha, que morreu vitimado por uma febre. Segundo o próprio Sartre, fora esse o maior acontecimento de sua vida " Se tivesse vivido, meu pai teria desmoronado sobre mim e me esmagado". O filósofo afirmava que graças à ausência da figura paterna, crescera sem superego, portanto livre de agressividade ou desejo de dominação.
Simone conheceu Jean-Paul Sartre na Sorbonne, não tardou a ligar-se a ele, três anos mais velho do que ela, tido como uma das maiores promessas da filosofia francesa, com quem fez um pacto, ao redor do ano de 1929. Comprometeram-se os dois a ter uma relação aberta; pois o casal tinha experiências amorosas com terceiros; e fecunda, que lhes permitiu compatibilizar suas liberdades individuais com sua vida em conjunto. Dedicaram-se integralmente à literatura e à filosofia, abdicando de terem um lar e filhos. Tornaram-se para sempre devotos da palavra escrita, ao sacerdócio das letras e do pensamento.
Sentados num banco de pedra no Jardim do Carroussel, praça diante da entrada principal do Louvre onde hoje se erguem as polêmicas pirâmides de vidro, Jean-Paul-Charles-Aymard Sartre e Simone-Ernestine-Lucie-Marie Bertrand de Beauvoir decidiram firmar, em 1929, um contrato de dois anos. "Entre nós, trata-se de um amor necessário: convém que conheçamos também amores contingentes." Se esta cena chega até hoje com tamanha riqueza de detalhes é porque seus protagonistas assim o desejaram. E, mais do que isso, deliberadamente fizeram de suas vidas uma daquelas narrativas fundadoras: Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, sinônimos de intelectual, existencialismo, engajamento, liberdade e liberação.
Nesta história, hoje é impossível — e sobretudo inútil — separar obra de vida, mito de verdade, existência de aparência. Sartre & Simone são quase uma entidade e, por isso mesmo, só podem ser medidos pelas escalas da paixão, da adoração ao ódio com paradas obrigatórias na herança de suas obras, esta concreta, para a filosofia contemporânea, a militância socialista e o feminismo. O "amor necessário" que uniu por 50 anos Sartre e Simone era, na verdade um ménage-à-trois. Não pelos incontáveis amantes que de comum acordo freqüentaram as vidas de um e de outro até o fim. O terceiro e permanente vértice do triângulo foi, sem força de retórica, Paris. E um perímetro bem definido da cidade que mais concentra fantasmas literários em todo o mundo: seus domínios abrangiam um jardim (o Luxemburgo) e algumas dezenas de ruas em tomo dele, dos bairros de Saint-Germain-des-Prés a Montparnasse. "Se considero a linha geral de minha vida, ela me impressiona por sua continuidade", escreve Simone no último volume de suas memórias, Balanço Final (Tout compte fait). "Eu nasci, eu vivi em Paris: mesmo nos anos passados em Marselha, em Rouen, continuei ancorada lá." Partindo destas e de outras anotações — principalmente das memórias da autora de O Segundo Sexo, mais generosa em confissões - Jean-Luc Moreau montou os itinerários visuais de Le Paris de Jean-Paul Sartre et Simone de Beauvoir.
O casal sempre morou em apartamentos separados. Simone, inicialmente, vivia num studio na Rue de la Bûcherie, rua onde funciona hoje a livraria Shakespeare & Company (ponto intelectual da Paris de Hemingway e James Joyce), com generosa vista para a Notre Dame, o que impressionou muito seu "marido" americano, o Nelson Algren de O Homem do Braço de Ouro. Em seus últimos anos, ela voltou para Montparnasse onde nascera, ocupando um studio duplex com vista para o belo cemitério onde seria enterrada no mesmo túmulo de Sartre. O filósofo, por sua vez, depois de ter o apartamento atingido por duas bombas, também transferiu-se em 1962 para as imediações do cemitério.
Cada vez mais ligada ao feminismo, Simone funda, juntamente com outras feministas, a Liga dos Direitos da Mulher, da qual se torna presidente. Prepara um número especial da Les Temps Modernes, para a qual redige um artigo abordando o problema da linguagem, texto que divide as feministas. Algumas acreditam que a linguagem criada pelo homem representa uma de suas formas de opressão, e reivindicam uma literatura que reflita a especificidade feminina. Beauvoir observa na linguagem uma forma de comunicação, um instrumento universal, e assinala o perigo de um gueto feminino da linguagem.
Em 1977, com a saúde cada vez mais debilitada, Sartre é motivo de grande preocupação para Simone, que, junto com outras amigas e amantes dele, se revezam a fim de impedi-lo de continuar bebendo. Senil e cada vez mais manipulado por Benny Lévy, Sartre assina artigos que Simone considera uma dupla traição: a ele mesmo e a ela. A relação entre ambos torna-se tensa, e Simone sofre terrivelmente com a decrepitude de Sartre. Em meados de março de 1980, Sartre é internado no hospital. Jean-Paul Sartre morre no dia 15 de abril. Beauvoir cai numa profunda depressão, e desenvolve uma nova pneumonia, da qual jamais se recuperará totalmente.
Depois da morte de Sartre, a saúde física e mental de Simone havia começado a se deteriorar, sobretudo por causa de sua dependência do álcool e de anfetaminas. Beauvoir dá entrada no hospital Cochin, em março de 1986, com dores de estômago supostamente devidas a uma apendicite. Um edema pulmonar é diagnosticado. A cirurgia revela que seu fígado estava debilitado. Depois da operação, Simone contrai pneumonia e permanece num serviço de reanimação. Beauvoir precisa voltar à reanimação, onde seu estado se agrava subitamente. Ela morre na tarde de 14 de abril de 1986, aos 78 anos. Curiosamente, as causas de sua morte são praticamente as mesmas da de Sartre, falecido 6 anos antes, em 15 de abril de 1980.
Em 19 de abril Simone é sepultada no cemitério de Montparnasse, após uma cerimônia que reuniu cinco mil pessoas — que seguiram a pé o cortejo fúnebre até o túmulo de Sartre. Conforme havia desejado, ela é enterrada com o anel (de “noivado”) de Algren em seu dedo. O caixão desce à tumba que Simone partilhará com Sartre. Lanzmann lê um texto de Beauvoir. Um rumor de frustração se eleva da multidão, na maioria composta por feministas, muitas vindas do exterior, um rumor feito de cólera porque é um homem que lê suas últimas palavras, e de frustração porque a maior parte delas havia ficado do lado de fora do cemitério. Ordens haviam sido dadas para que se fechassem os portões cedo demais (talvez em razão dos esbarrões dos fotógrafos de jornal, que haviam quebrado túmulos e empurrado Beauvoir numa cova por ocasião do sepultamento de Sartre). Jacques Chirac, então prefeito de Paris, lê um curto texto dizendo que a morte de Beauvoir assinalava o fim de uma época em que a literatura engajada havia marcado a sociedade. A despeito destas palavras, é evidente que ainda hoje, no século XXI, Simone de Beauvoir continua a inspirar inúmeras pessoas. Basta visitar o cemitério de Montparnasse para se convencer disso: seu túmulo está sempre ornamentado com flores frescas e bilhetes de agradecimento que chegam todo dia dos quatro cantos do mundo.
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