quinta-feira, 16 de setembro de 2010

COMENTANDO : Rubem Alves:GANHEI CORAGEM - bismarck frota xerez

GANHEI CORAGEM
Rubem Alves
Colunista da Folha de São Paulo...

"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",
observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.

A BIBLIA, A HISTORIA, NÃO DEVEM SER LIDAS ISOLANDO FATOS, PASSAGENS, TUDO É PROCESSO, PROCESSO.
A teologia da libertação surge com pastor batista norteamericano na Nicaragua. Tomada emprestado e assumida pelos catolicos, após o Concilio VATICANO II, tomam a TL como arma CONTRA o centralismo romano.
SE NÃO LER A TL EM SUA GENESE: na Nicaragua catolica, + um missionario despertando um povo adormecido para assumir seu papel eclesial, + a America catolica pós concilio ecumenico vaticano, que desmontou a idade média na curia romana, etc.
SE NÃO ANALISAR TL NO CONTEXTO, A AFIRMAÇÃO FICA ABSTRATA.
NA REALIDADE AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NASCIDAS COM A TL, colocaram a biblia na mão dos catolicos, com isso, retirou o poder do padre.
Então o sentido de POVO na TL não é de massa, mas grupos de estudos biblicos que em consequencia da sua fé, assumem compromisso com a comunidade.
Os batizados saem da sacristia, saem debaixo das batina do padre.
O que R.A. escreveu é verdade, MAS ESTÁ FORA DO CONTEXTO.
O Povo foi elevado a categoria de protagonista, o que NÃO EXISTIA na Igreja pré-concilio Vaticano II. Rubens Alves sofre do VICIO ACADEMICO, TOMAR O DISCURSO COMO REALIDADE, LER TEORIAS E IMAGINAR QUE SÃO REALIDADES, PIOR, NÃO OLHAR A REALIDADE.
Ele omite o poder abusivo do clero, omite aquela igreja de beatos e beatas, sob cabresto.
TUDO TEM CONTEXTO, TUDO TEM INTENÇÃO
OS VOCABULOS NÃO SÃO UNÍVOCOS, SÃO POLÍ-VOCOS.
TEM VÁRIOS SENTIDOS DEPENDENDO DO CONTEXTO E DAS INTENÇÕES DE QUEM USA TAL VOCABULO, assim é o vocabulo povo.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Aqui lemos o texto biblico (segundo o ex-pastor evangélico Rubens Alves, "Moisés, líder, se distraísse'), Exodos 32,7: "então disse o Senhor a Moisés: vai, desce; porque o teu povo, que fiseste sair do Egito, se corrompeu, v. 8 e depressa se desviou do caminho que lhes havia eu ordenado: fizeram para si um bezerro fundido e o adoram, e lhe sacrificam, e dizem: são estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito".

O ex-pastor presbiteriano Rubens Alves não mentiu, só 0MITIU, que este texto foi escrito séculos depois, bão é texto histórico, conta e COMENTA os CONFLITOS VIVIDOS ENTÃO, desde ( SEMPRE) focando a saída do Egito.

Sabemos que o povo de Israel, como TODOS os povos, assume a cultura do lugar, o Exodo retrata os CONFLITOS DE LIDERANÇA, retrata além da disputa de liderança, entre os que apoiavam Moisés e os que desejavam a liderança de Moisés. CONFLITO eterno em TODOS os grupos. RETRATA também um momento de transição povo de Israel, recém saido do Egito, onde se contaminou com as crenças dos egipios, seu politeismo.

Esta informação ESTÁ CLARA na continuação do texto do Exodo, pois só na ocasião da travessia do Jordão é que o povo de Israel, antes de entrar na Terra da Promessa, deixará seus ídolos. É comum interpretarmos os 40 anos, que significa um tempo e meio, como o tempo de morrer a geração corrompida que nasceu no Egito, para que ao entrarem na Terra da Promessa entrasem com nova mentalidade.

v.10 "agora, pois, deixa-me; para que se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma grande nação." DESTAQUE-SE o modo de escrever é humanizando Deus, Deus não é humano, não reage como nós, mas não sabemos descrevê-lo senão conforme nossa experiencia de humanos. DESTAQUE-SE que o texto quer RESSALTAR que Deus é o Senhor, pode desfazer a ALIANÇA e refaze-la com outro, no caso com Moisés, "e de ti farei uma grande nação", promessa feita a Abraão, Isaac e Jaco, como relembra Moisés no v. 13 "Lembra-te de Abraão, de Isaque, e de Israel, teus servos, aos quais por ti mesmo tens jurado, e lhes disseste: multiplicarei a vossa descendencia como as estrela do céu, e toda esta terra de que tenho falado, da-la-ei à vossa descendencia , para que a possuam por herança eternamente.

Moisés intercede pelo povo.

É nítido que o texto foi escrito para glorificar Moisés.

a explicação é encontrada na critica ao texto, (época que foi escrito, quem (grupo: sacerdotes? monarquia ? suas INTENÇÕES AO ESCREVER O TEXTO DO EXODO.....

O texto não é historico, quem escreveu o escreveu com uma determinada intenção, usar qualquer texto biblico ABSTRAINDO contexto e intenção, É FRAUDAR.

Moisés é FIGURA de Jesus, toda a biblia NÃO É LIVRO DE HISTORIA é livro que testemunha a fé que aponta para Jesus Cristo.

Esta interpretação a temos abundantemente nas cartas de Paulo.

Note-se que Paulo era judeu, de formação rabinica, descendente de rabinos.

Paulo dirá que Jesus Cristo é o nosso intercessor.

Constatar nossa tendencia à oscilação, NA BIBLIA, que NÃO SENDO LIVRO DE FILOSOFIA e sim ESCRITO como TESTEMUNHO de como a fé vivida no povo PARA UMA MISSSÃO. A biblia não esconde nossa fraqueza. O FAZ PARA RESSSALTAR A CAUSA EFICAZ DA NOSSA CAMINHADA: A GRAÇA DE DEUS.

O APOSTOLO PAULO NA PRIMEIRA CARTA A TIMÓTEO 1,12-17 RESSALTARÁ A GRAÇA COMO CAUSA EFICAZ. FÉ como adessão NÃO AO CATECISMO, mas á PESSOA de Cristo.

Não se trata de sacralizar o povo, mas de afirmar que, apesar de nossa inconstancia, DEUS É FIEL. FIEL A QUE??: Á PROMESSA DE NOS CONDUZIR ATÉ ELE, APESAR DE NOSSAS INFIDELIDADES, INCONSTANCIAS, APESAR DE NOSSOS PECADOS, POIS QUEM É EFICAZ NÃO SOMOS NÓS, MAS "A PALAVRA DE DEUS que NAO VOLTA SEM PRODUZIR FRUTOS".

Toda a biblia, Paulo diz as nossa tendencia nas suas cartas, deixa-nos nus como nos salmos.O salmo 51,5 diz " eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe."
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras ideias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.

Não sei se é velhice, se o ex-pastor ao abandonar o ministério de pastor, junto deixou a adesão a Cristo, ou outras razões, o certo é que como exegeta assumiu o oposto do cristianismo, que ESPERA, APESAR de: como Paulo diz de si, "não fazer o bem que quer, fazer o mal que não quer', APESAR dos nossos fracassos pessoais e eclesiais, cremos que a GRAÇA nos basta, lemos a biblia é vemos tantos Jeremias, e outros profetas e seus seguidores, que desmentem esta visão pessimista, derrotista do ex-pastor. Em nenhum lugar na biblia o povo é sacralizado, muito pelo contrário, porem o que anima aos que creem, é uma expressão biblica: "o resto de Israel', um punhado de gente com quem sempre Deus está RECOMENÇANDO a Aliança, Não importando que o ciclo venha a se repetir.

Pelo contrário, os evangelistas contam deles mesmos, com interesseiros,covardes, conta com quem Jesus comia, bebia, convivia. Aos olhos dos moralista de plantão, com !"pecadores". Com esta gente e para esta gente, Jesus fundou o seu MOVIMENTO.

Não se preocupou se eram inconstantes.

Academicos sofrem de outro mal, teóricos, não metem a mão na massa, vivem no mundo das idéias, ficam arrogantes com a plebe.

Volto a imagem daquelas mulheres

do povo parisiense indo a Versalhes buscar o rei Luiz XVI e Ma Antonieta,

Ah!
temos a nossa democracia ou o fim do poder absoluto graças a aquelas mulheres de Paris.
Luiz XVI e Ma.Antonieta não fugiram graças àquelas mulheres do povo.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.

O ex-pastor evangélico sabe muito bem como o Movimento Cristão virou PODER. Qualquer evangélico explica esta encruzilhada da História. OMITE para defender sua tese academica. Novamente OMITE o CONTEXTO HISTORICO, E A INTENÇÃO de quem deu tal PODER.

O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Supondo que a observação seja verdadeira, E DAÍ??

não existimos individualmente, nascemos num grupo, e assumimos a moral do grupo. E não só, nenhum grupo existe fora de uma Sociedade, e HOJE num mundo globalizado, eletronicamente trocando intensamente, pessoas, grupos e sociedades assumem conjunto denominado MORAL alhures.As antigas IDENTIDADES são repaginadas, reconfiguradas. O que sobra para pessoas interligadas no JOGO???

Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Novamente uma abstração. DESISTORIZA o tais"individuos" como se eles ANTES fossem bons, Ah! Rousseau ! como se não tivessem aprendidos valores na Sociedade que os criou. Como se a KKK dos evangélicos americanos não fosse fruto de uma teologia, de um racismo alimentado todos os domingos, quando separavam negros e brancos em templos diferentes. Como se a prática cristã dos evangélicos americanos não praticasse diariamene o racismo! O linchamento. Como se não fossem em grupo a reprodução da Historia da Sociedade.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.

ACADEMICOS são fogo, imaginam um mundo racional. como se meu gerente não tivesse me dito um dia :

"nem tudo que é lógico é psicológico".

"Verdade" qual "verdade"???

"interesses da coletiviade" !! quais são? O que interessa a um grupo é o oposto do interesse de outro. Se o R.A. recordasse como se analisa a biblia, lembraria dos CONFLITOS, dos textos contraditórios porque escritos por grupos com interesses opostos. O maravilhoso é que tudo foi para o texto biblico por respeito à "Palavra de Deus" mesmo que em contradição.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.

Isto é HOJE nesta Sociedade VIRTUAL, não só em Poltica, em tudo,da bunda de silicone a sobrancelha, ou à peruca. É A CULTURA, é o VALOR atual.

Um professor universitario americano dá entrevista com microfone adequado à voz dele, sabendo que será editado, masterizado, etc. Especialista em comunicação, diz dos politicos e atores que fazem o mesmo. NÃO HÁ NADA ERRADO. somos HOJE esta Sociedade VIRTUAL, MEDIÁTICA, DA IMAGEM.

Quem soube usar dela foi João Paulo II .

Nem sempre foi assim, afinal tais recursos são recentissimos. O primeiro a se beneficiar foi John Kenndey.

Somos filhos da HISTÓRIA. E não da MORAL , nem das idéias.

Somos filhos da TECNOLOGIA.

Em todas as épocas.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.

ARROGANCIA DE INTELECTUAL, ENQUANTO ELE ESCUTA BACH, NÃO OUVE O POVO, PESSOAS, NAS MESAS DOS BARES TROCANDO IDÉIAS.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.

NOVA OMISSÃO ! Hitler é produto do Tratado de Versalhes 1919, onde o Ocidente, contrário à opinão do Presidente dos EEUU humilhou a Alemanha, lhe retirando quaisquer perspectivas de futuro. O povo desesperado, embora culto, etc, desesperado, agiu como todo grupo que buscar um "bode expiatório". Mas não esqueçamos que os cristãos evangélicos e catolicos fazia séculos cultivavam o antisemitismo. Foi fácil projetar suas frustrações nos judeus, como fazem hoje franceses com ciganos, e outros grupos. A crise não é do povo, mas da TRAGÉDIA ANUNCIA de um sistema que se alimenta da manipulação. Esta é OUTRA OMISSÃO DO ACADEMICO.
Conveniente para "provar"! sua tese elitista.

Sem fundamento na Historia, na Vida, na REALIDADE.

O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.

MEDO INFANTIL, IRRACIONAL, SEM BASE NO NOSSO PROCESSO HISTORICO. É UM ERRO METODOLOGICO TRANSPOR EVENTOS HISTORICOS DE OUTROS CONTEXTOS. AS SOCIEDADES NÃO FUNCIONAM ASSIM.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves


GANHEI CORAGEM
Rubem Alves
Colunista da Folha de São Paulo...

"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",
observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras ideias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.
Rubem Alves

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