Popularidade de um governante ou personagem político é o sentimento popular frente a uma determinada pessoa. Populismo é o conjunto de políticas orientadas segundo critérios de agradar ao povo. Muitas vezes é sintoma de que o governante ou o articulador destas políticas não goza de popularidade, mas procura conquistá-la. Fascismo é o nome de tentativas históricas de governar o povo manipulando-o com o objetivo de justificar um exercício ditatorial do poder. O mais recente é o nazismo/fascismo – nazifascismo - alemão e italiano, que se desenvolveu primeiro na Alemanha, com Adolph Hitler e logo na Itália, cujo líder Benito Mussolini se identificou com o governante alemão e adotou suas estratégias e concepções. O alemão se intitulou Führer, e o italiano Duce, palavras que significam guia. A palavra Nazismo foi criada a partir da expressão alemão Nationalsozialismus – socialismo nacional. A palavra “fascismo” deriva de fascio, nome de um grupo político que surgiu na Itália no fim do século XIX e começo do século XX, e evocava as movimentações de povo no antigo Império de Roma. Os termos são apropriadamente usados para designar toda forma de pensamento ou política de extrema direita.
No Brasil, a partir dos primeiros passos da campanha eleitoral de 2010 existe a tentativa de identificar o crescimento da popularidade de Lula com ideal histórico dos fascismos europeus. Os argumentos mais usados são o crescimento vertiginoso da popularidade de Lula e alguns aspectos, como o número grande de manifestações populares espetaculares ou pessoais, como cartas de pessoas do povo, especialmente crianças, dirigidas ao guia da nação. A popularidade crescente de Lula seria fruto de campanha intensa e da articulação de políticas populistas, como instrumentos de manipulação de dados e de pensamento, captação de consenso e ocultação de comportamentos corruptos.
A tentativa de comparar o processo brasileiro atual com o desastre Europeu do século passado não leva em consideração tres aspectos da ascensão nazista que se concentrou numa pessoa dotada de características patológicas únicas. Esta desconsideração brota ou de ignorância ou de estratégia ideológica. Esta ignorância, ou este ignorar estratégico e perverso, revela repugnância pelo povo enquanto conjunto de pessoas simples, empobrecidas, envolvidas numa cultura que nossa civilização despreza, oprime e explora.
O grande inimigo a manter vencido é o povo pobre, especialmente em todas suas tentativas de elevar sua qualidade humana de vida. Neste ponto central esta ignorância ou aleivosia se identifica com o objetivo histórico do nazismo como de todas formas de discriminação. Fica estabelecido que é absolutamente necessário apontar e construir um inimigo e fazer dele o culpado de tudo o que merece ser combatido. Desconsidera-se ou se ignora o que é realmente a ideologia nazista expressa no antisemitismo alemão, ignora-se o momento histórico geopolítico entre as duas guerras mundiais do século passado, e, finalmente, não se considera o caos político e econômico que teve seu auge no início da década de 30. As três formas de ignorância e desprezo recaem sobre pelo menos três gerações de alemães, das quais a última atinge hoje o auge da maturidade. A geração que completa hoje seus sessenta, são filhos e netos das crianças dos anos 30.
A cultura antisemita de que temos notícia superficial através do que conhecemos das primeiras décadas do século passado é um processo histórico de quase dois mil anos, e tenta se justificar pelo fato de que “os judeus mataram o Cristo”. Nele temos uma culpa religiosa e civilizatória que a Igreja Católica só muito recentemente, após reformas litúrgicas, começou a admitir e procurou corrigir ao tirar das preces de sexta-feira Santa a expressão “oremus et pro perfidis judaeis” – rezemos também pelos judeus pérfidos. A carreira de A. Hitler, como arquiteto frustrado e orador frenético e histrionicamente envolvente, começou com discursos pronunciados na cervejaria Hofbräuhaus, em München, a respeito dos pesados processos que atormentavam o povo alemão.
A guerra de 1914 tinha gerado no povo alemão uma frustração e humilhação dolorosamente insuportáveis, frente à liderança e intervenção dos outros países, em todos os níveis da vida do país. O primeiro e mais forte desejo do povo era poder levantar a cabeça da população humilhada. Nisto todos, todos se sentiam envolvidos, mesmo, num primeiro tempo, aqueles que foram apontados estrategicamente como inimigos da pátria. Esta humilhação acabrunhava os trabalhadores que ansiavam por desabafar a raiva, e era sublinhada por outro processo pesado.
A situação econômica era desastrosa. Nós ouvimos, em 2008, falar da crise econômica (que, queiram ou não queiram, acabou sendo pouco mais que uma marolinha nos países que souberam reagir a ela), que só poderia ser comparada à de 1932. Naqueles anjos a inflação subia a milhares por cento. O preço de pão e um ovo (o que dizemos “a preço de banana”, os alemães dizem que é “a preço de ovos”) para o café da manhã, eram pacotes de notas carregadas em carrinhos de mão, ou caixas de papelão. O desemprego crescia dia a dia, e a miséria se tornava insuportável.
Ignorar a crise geopolítica humilhante e a crise econômica sangrenta que então se desenvolveu é, hoje, uma falta de respeito monstruosa, mas ignorar os dois mil anos de anti-semitismo é atitude perversa, se se faz instrumento para examinar a história atual do Brasil, um país que tem pouco mais de quinhentos anos de existência ocidental, um amalgamado heterogêneo de culturas que a pouco mais de duzentos anos consegue vínculos de relativa unidade.
O sentimento que acabrunha a cultura alemã é indescritível. Vivi na Alemanha sete anos e voltei lá ao menos dez vezes nos últimos anos. Só recentemente, em 2008, é que se abriu, na cidade em que estudei, Münster na Westfália, nos porões da atual Estação Ferroviária, que serviram de Bunker – luxioso e enorme quartel subterrâneo -, um Museu do anti-semitismo alemão. Na mesma cidade, visitamos também o Museu da “Vila Ten Hompel”, em que o regime nazista tinha instalado a central de organização das viagens de deportação de judeus para os campos de concentração. Era um antigo casarão de propriedade da avó de um colega meu.
Visitamos ambos os Museus em companhia de um casal de sociólogos amigos, que já hospedamos uma vez em nosso apartamento. Nesta como em outras ocasiões, pude ter alguma visão da profundidade dolorosa que significa, para quatro gerações de alemães, a lembrança responsável do que foi produto de quinze séculos de efervescência cultural. Desprezar esta dor é pisar, com garras de crueldade, a sensibilidade de um povo, especialmente quando se usa, para este intento o arquivo de milhares de cartas infantis. É ato de uma brutalidade imensa frente àquelas crianças e aos adultos que elas se tornaram. Um desrespeito absurdo frente ao alívio da fome saciada e de trabalho para os pais. Um conjunto de manifestações que nada tem a ver com a manipulação ideológica que se tenta fazer delas, oitenta anos depois, em outro pais, outra cultura, outro momento geopolítico.
Para levantar a cabeça, era necessário estatuir e pintar inimigos. É o que o núcleo ideológico das FFAA brasileiras também fizeram, ao construir a figura do subversivo. Foi a estratégia do “orador popular” – Volksredner – Adolf Hitler. A história de traumas pessoais, familiares e sociais, vividos por esta personalidade, tornam inteligível e mais radicalmente condenável o vigor do apelo imediato de sua campanha, e a ideologia que seu aparelho criou em torno deste esforço.
Sua perversidade só é comparável ao que apresentam hoje certas novelas em que se endeusam todas as espécies de perversidades possíveis, fora a espetacularização de notícias criadoras de violência. Ambas estratégias se escondem atrás da desculpa de que ‘a realidade é assim’ – o way of life... estadunidense. Os “americanos” matam milhões e milhões, e, desde aquela época pintam seus antigos inimigos com as piores cores que sua imaginação doentia consegue criar. O anti-semitismo de antanho se erige hoje como luta contra o “eixo do mal” pintado por Bush – os povos Islamitas. Aproximar esta lembrança distorcida da crescente popularidade que vivemos hoje, é transformá-la em farsa. Isto só faz sentido como estratégia elitista, que vê em tudo o que é ‘povo’ um espectro de ditadura. O número e a qualidade das guerras promovidas por Bush não tem comparação, mas a idolatria bajuladora engole o que eles desejam e impõem com o doce gosto de arte e tecnologia refinada.
Ignora-se que todo povo tem direito e desejo de levantar a cabeça. Ignora-se a profundidade da humilhação que alimentava a fome e o desespero. Ignora-se a efervescência multisecular de um ódio presente ainda hoje. Transformam-se as manifestações afetivas em rala tinta ideológica. Faz-se crer que a persistência multissecular de um ódio em que nosso cristianismo ocidental tem sua culpa, fosse fruto e questão de desejo estratégico de alguma pessoa ou algum setor social nascido anteontem. Como estratégia ideológica, a mentira perversa repetida vira verdade absoluta. A ascensão popular que vivemos hoje tem sua raiz na luta anti-ditadura de 50 anos atrás, com a formação do novo sindicalismo, o surgimento de centrais sindicais e partidos indesejados pela burguesia. Nem foi o cataclisma europeu da chamada primeira guerra mundial, nem muito menos a efervescência cultural emotiva alimentada por centenas de séculos.
A aproximação entre as manifestações populares do nazismo e nosso presente histórico pisa com garras sanguinolentas a dor de um povo consciente. Despreza este povo em suas manifestações infantis como em suas reações maduras. Ignora sarcasticamente o esforço dos setores populares em busca de expressão histórica. Discutir os aspectos éticos, políticos ou econômicos é outro assunto, totalmente diferente e desejável. Não é estatuir uma caricatura e “jogar bosta na Geni”, como se pretende – jogar em outrem o que se está acostumado a carregar nas mãos.
Esta atitude despreza uma dor profunda, elaborada com instrumentos refinados da filosofia – por exemplo da Escola de Frankfurt – da teologia e da história cultural. Ela despreza o comportamento histórico das gerações que, em questão de meses viram surgirem ocasiões salvadoras de emprego e controle da inflação, além da suspirada calma e ordem político-social.
Pior, tenta sugerir que o povo que reconhece agora os benefícios de que se torna sujeito, é mero boneco agitado por propaganda vazia e mentirosa. É uma atitude que exprime o medo de que o povo vença a fome, crie emprego, trabalho e cultura, se erga como sujeito da História.
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