sábado, 6 de novembro de 2010

[Carta O BERRO] "A Classe Operária" na clandestinidade (1966-1983) - Vanderley - Revista












Por Augusto C. Buonicore
A Carlos Danielli e Pedro Pomar
O Portal da Fundação Maurício Grabois, através do seu Centro de Documentação e Memória (CDM), está disponibilizando aos pesquisadores e militantes interessados na história do comunismo no Brasil um precioso acervo documental. Trata-se da coleção do jornal A Classe Operária que abarca o período que vai de 1967 até 1983, anos de ditadura militar. No total foram 155 edições que o público poderá ter acesso.
A Classe Operária, relançada em 1962, jogou um importante papel no processo de reorganização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Era, fundamentalmente, através dela que o partido expressava suas opiniões e buscava organizar sua militância dispersa em diversos estados.
Durante o governo Jango existia no país uma situação de relativa liberdade política. Por isso, ela podia ser vendida livremente nas bancas de jornais, livrarias e em “comandos” de militantes nas portas de fábricas, escolas e bairros populares. Existia certa aceitação do jornal pelos trabalhadores. O aumento constante de sua tiragem e periodicidade nos dão mostras disso. Suas sucursais funcionavam como sedes informais do PCdoB. Ali se realizavam reuniões e debates com sua militância.
A Classe Operária e a ditadura militar
Esta situação foi radicalmente alterada com o golpe militar de primeiro de abril de 1964. As suas sedes foram ocupadas e fechadas pela polícia, seus principais responsáveis – Maurício Grabois, Pedro Pomar e João Amazonas - tiveram que passar para clandestinidade. Começava, então, uma das mais difíceis fases de existência deste jornal.

No dia primeiro de maio de 1965 – em homenagem aos 40 anos de seu surgimento – voltou circular o jornal dos comunistas. No seu editorial, intitulado “Trincheira de Luta”, estava escrito: “pouco mais de um ano era arbitrariamente suspensa A Classe Operária, combativo e valoroso órgão do proletariado revolucionário”. Ela, continuava o artigo, “foi um dos primeiros alvos da reação militar-policial que varreu furiosamente o país. Sua redação foi invadida, depredada, e, até o presente, se encontra interditada”. A data escolhida não deixava de ser uma provocação aos novos donos do poder que achavam que tinham eliminado o pequeno e aguerrido PC do Brasil.
A responsabilidade de editar a nova “Classe” coube ao dirigente comunista Carlos Danielli, que também era responsável pela Comissão Nacional de Organização. Nestes anos de arbítrio, ela era elaborada e circulava na mais dura clandestinidade. Esses primeiros números, produzidos quase artesanalmente num mimeografo, saíram com o título Boletim d’A Classe Operária.
Aqueles que a produziam corriam riscos de serem assassinados. Uma pessoa que fosse apanhada com um simples exemplar do jornal poderia ser presa e torturada. Centenas de comunistas e simpatizantes passaram por esta dolorosa experiência.
Desde 1966, o militante César Telles era o responsável por rodar A Classe. Recebia os textos, geralmente em stencil, e os mimeografava. A “gráfica” ficava na sua própria casa, que funcionava como aparelho do Partido. Era localizada em Nova Iguaçu na baixada fluminense. Depois de imprimir os boletins entregava, numa sacola de feira, ao Carlos Danielli que distribuía para os comitês estaduais.
No segundo semestre de 1968, a “gráfica” clandestina mudou-se para São Paulo. Nesta mesma ocasião, a direção do Partido decidiu que deveria ser melhorada a apresentação visual do seu órgão oficial e, por isso, comprou uma máquina impressora mais moderna, uma off-set. Uma “Classe”, com nova cara, sairia no início de 1969. Sua tiragem era de, aproximadamente, 400 exemplares e circulava de mão em mão.
No início dos anos 1970, devido ao aumento da repressão política, foi definido que o jornal passaria ser impresso, da maneira que fosse possível, nos próprios estados. Isso fez com que aumentasse a variedade de suas formas – eram feitas em papel carbono, mimeografada ou mesmo reproduzida em xerox. Um documento de 1975 afirmava: “sua feição gráfica aparece bastante diversificada, uma vez que é impressa em vários estados de acordo com as condições locais”. Isto pode ser constatado nos exemplares que se encontram na pagina da Fundação Grabois/ CDM.
Em dezembro de 1972 as forças de repressão invadiram a gráfica do Partido, onde era impressa parte d’A Classe Operária e outros documentos sob a responsabilidade do Comitê Central. Seu maquinário foi confiscado e os responsáveis presos e barbaramente torturados. Nesta mesma ocasião foi assassinado Carlos Danielli,. Mesmo assim, o jornal continuou sendo produzido.
Desde o inicio da Guerrilha do Araguaia havia aumentado a repressão em cima do Partido. Vários importantes dirigentes nacionais haviam sido mortos. Além de Danielli, foram presos e assassinados Lincoln Oest, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Eles eram do núcleo da Comissão Nacional de Organização.
A responsabilidade pela Comissão de Organização e pela edição d’A Classe Operária passou para Pedro Pomar. Neste período, possivelmente, o jornal tenha deixado, definitivamente, de ser publicada de maneira centralizada. Os textos eram enviados aos estados, muitas vezes sob a forma de estencil, e, depois, mimeografados e distribuídos para os militantes da maneira mais segura possível.
Alguns anos mais tarde, outra tragédia se abateria sobre os comunistas brasileiros. Em dezembro de 1976, os órgãos de segurança descobriram onde e quando se realizaria uma reunião do Comitê Central. No ataque, promovido pelo II Exército, três dirigentes foram assassinados, entre eles Pedro Pomar.
Isto representou um novo e terrível golpe contra a organização do Partido Comunista do Brasil Mas, para surpresa geral, no mês seguinte, já circulava um novo número d’A Classe Operária, denunciando a Chacina da Lapa. O Partido Comunista e seu jornal pareciam indestrutíveis. Como a Fênix teimavam em renascer das cinzas.
Com parte de sua direção presa e outra parte dispersa pelo país, a principal responsabilidade passou para as mãos dos camaradas que se encontravam no exterior: João Amazonas, Renato Rabelo, Diógenes Arruda e Dyneas Aguiar. Eles estavam em missão na China quando ocorreu a tragédia.
João Amazonas assumiu a direção do jornal e foi responsável pela elaboração das principais matérias, que chegavam ao país de duas maneiras. A primeira era através das emissões feitas pela rádio Tirana, localizada na Albânia socialista. Os locutores brasileiros daquela rádio liam as matérias e seus camaradas no Brasil as reproduziam em boletins. O segundo meio era através de finas folhas de papel de arroz que eram trazidas clandestinamente para dentro do país. Esta situação durou até a anistia em 1979.
Entre 1979 e 1983 entramos na fase de semi-clandestinidade. A luta popular havia ampliado os espaços democráticos. A Classe Operária, novamente, teria um grande papel no processo de reorganização que o Partido começaria viver. Com a volta dos exilados, especialmente de João Amazonas, ela passou ser escrita, editada e rodada no próprio país. Embora ainda fossem mantidos certos métodos clandestinos. Afinal, o regime militar ainda dominava e o Partido Comunista do Brasil continuava vivendo na ilegalidade.
A Classe Operária não é apenas um jornal de uma organização clandestina. Ela é um patrimônio dos brasileiros. Ao preservá-la e divulgá-la ao público em geral, a Fundação Maurício Grabóis e o seu Centro de Documentação e Memória (CDM) estão dando uma importante contribuição para resgatar uma pequena parte da história de luta do nosso povo contra a ditadura militar e pela conquistas da democracia, da soberania nacional e do socialismo no Brasil.
http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/cdm/revistas.capa.php?id_sessao=51
Como vocês poderão notar, faltam ainda alguns números, especialmente anteriores a 1968. O projeto do CDM é, até o ano que vem, através de parcerias com outros centros de documentação, disponibilizar todos os números publicados durante a ditadura militar. Neste esforço, os antigos militantes partidário também poderão contribuir, avisando se possuem os números que faltam e documentos do período da clandestinidade, especialmente de antes de 1979.

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