O OVO DA SERPENTE - Vanderley Caixe
Por Frei Betto - Escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de Conversa sobre fé e ciência |(Agir), entre outros livros
Desde
o início do milênio eram evidentes os sintomas de que a próxima geração não
desfrutará do bem-estar europeu dos últimos 20 anos.
Não
é preciso ser economista para perceber a grave turbulência que afeta a economia
globalizada. Se a locomotiva freia, todos os vagões se chocam, contidos em seu
avanço. E o Brasil, apesar do PIB de US$ 2,5 trilhões, ainda é vagão. Todo ano,
desde 1980, cumpro a maratona de uma semana de palestras na Itália. Desde o
início deste milênio eram evidentes os sintomas de que a próxima geração não
desfrutará do mesmo nível de bem-estar dos últimos 20 anos. Nenhuma economia
podia suportar tamanho consumismo e a monopolização crescente da riqueza. Agora,
a realidade o comprova. A carruagem da Cinderela virou abóbora. A União Europeia
patina no pântano.
Muitas
são as causas da atual crise econômica. Apontá-las com precisão é tarefa dos
economistas que não cultivam a religião da idolatria do mercado. Como leigo no
assunto, arrisco o meu palpite. Desde os anos 80, a especulação se descolou da
produção. O mundo virou um cassino global. Sem passaporte e sem vistos, bilhões
de dólares trafegam livremente, dia e noite, em busca de investimentos
rentáveis. Enquanto o PIB do planeta é de US$ 62 trilhões, o cacife do cassino é
de US$ 600 trilhões. A famosa bolha! Haja papel sem lastro!
A
lógica do lucro supera a da qualidade de vida. A estabilidade dos mercados é,
para os governos centrais, mais importante que a dos povos. Salvar moedas, e não
vida humanas. Todos sabemos como a prosperidade da Europa ocidental foi
alcançada. Para se evitar o risco do comunismo, implantou-se o Estado de
bem-estar social. Combinaram-se Estado provedor e direitos sociais. Reduziu-se a
desigualdade social, e as famílias de trabalhadores passaram a ter acesso à
escolaridade, assistência de saúde,
carro e casa própria.
Em contrapartida, para não afetar a robustez do capital, desregularam-se as relações de trabalho, desativou-se a luta sindical, sepultou-se a esquerda. Tudo indicava que a prosperidade, que batia à porta, viera para ficar. Não se deu a devida importância a um pequeno detalhe aritmético: se há duas galinhas para duas pessoas, e uma se apropria das duas, a outra fica a ver navios... E quando a fome bate, quem nada tem invade o espaço de quem muito acumulou.
Em contrapartida, para não afetar a robustez do capital, desregularam-se as relações de trabalho, desativou-se a luta sindical, sepultou-se a esquerda. Tudo indicava que a prosperidade, que batia à porta, viera para ficar. Não se deu a devida importância a um pequeno detalhe aritmético: se há duas galinhas para duas pessoas, e uma se apropria das duas, a outra fica a ver navios... E quando a fome bate, quem nada tem invade o espaço de quem muito acumulou.
Assim,
os pobres do mundo, atraídos pelo novo Eldorado europeu, foram em busca de um
lugar ao sol. Ótimo, a Europa, como os EUA, necessitava de quem, a baixo
custo, limpasse privadas, cuidasse do jardim, lavasse carros. A onda
migratória viu-se reforçada pela queda do muro de Berlim. A democracia política
chegou ao Leste europeu desacompanhada da democracia econômica. Enquanto
milhares tomaram o rumo de uma vida melhor no Ocidente, seus governos
acreditaram que para chegar ao paraíso era preciso ingressar na Zona do
Euro.
A
Europa
entrou em colapso. A culpa é de quem? Ora, crime de colarinho branco não tem
culpado. Quem foi punido pela crise americana em 2008? Os desmatadores do Brasil
não estão sendo anistiados pelo novo Código Florestal? Culpados existem. Todos,
agora, se escondem sob a barra da saia do FMI. E nós, brasileiros, sabemos bem
como esse grande inquisidor da economia pune quem comete heresias financeiras:
redução do investimento público, arrocho fiscal, desemprego, aumento de
impostos, corte de direitos sociais, punição a países com déficit público etc. O
descaramento é tanto que o pacote do FMI inclui menos democracia e mais
intervencionismo. Quando Papandreu, primeiro-ministro da Grécia, propôs um
plebiscito para ouvir a voz do povo, o FMI vetou a proposta, depôs o homem e
nomeou Papademos, um tecnocrata, para o seu lugar. Também o governo da Itália
foi ocupado por um tecnocrata. Como se o fim da crise dependesse de uma solução
contábil.
A história recente da Europa ensina que a crise social é o ovo da serpente – chocado pelo fascismo. Sobretudo quando a crise não é de um país, é de um continente. Não adianta mobilizações em um país, é preciso que elas se expandam por toda a Europa. Mas como, se não existem sindicalismo combativo nem partidos progressistas? As mobilizações tipo Ocupe Wall Street servem para denunciar, não para propor, se não houver um projeto político. Quem se queixa do presente e teme o futuro corre o risco de se refugiar no passado – onde se abrigam os fantasmas de Hitler e Mussolini.
A história recente da Europa ensina que a crise social é o ovo da serpente – chocado pelo fascismo. Sobretudo quando a crise não é de um país, é de um continente. Não adianta mobilizações em um país, é preciso que elas se expandam por toda a Europa. Mas como, se não existem sindicalismo combativo nem partidos progressistas? As mobilizações tipo Ocupe Wall Street servem para denunciar, não para propor, se não houver um projeto político. Quem se queixa do presente e teme o futuro corre o risco de se refugiar no passado – onde se abrigam os fantasmas de Hitler e Mussolini.
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