Origens da
corrupção
Sigilo não pode servir de blindagem para
infratores
por Rodrigo Haidar e Lilian
Matsuura
Antes do Iluminismo, da Revolução Francesa e de todas as idéias que construíram o Direito Penal, o sigilo era regra. Depois, adotou-se o princípio da publicidade e o sigilo virou exceção. As prerrogativas dos advogados devem ser respeitadas, mas o sigilo não pode servir de blindagem para trazer impunidade e imunizar infratores. Essa foi a reposta do promotor de Justiça Roberto Livianu, quando questionado sobre a tendência de relativizar o sigilo entre cliente e advogado.
O promotor defende que todas as pessoas
sejam revistadas ao entrar em um presídio. Se existe uma regra, ela deve ser
respeitada tanto pelo presidente da República quanto pelo faxineiro, passando
pelo advogado ou pelo promotor, acredita.
Em entrevista à Consultor
Jurídico, Livianu defendeu a reforma no Código de Processo Penal. Isso
porque o promotor é obrigado a propor ação penal, mesmo quando não quer. “Ele
funciona como uma máquina que é obrigada a produzir as acusações”, afirma. E
ressalta que se deixar de propor a ação está praticando crime de
prevaricação.
Na conversa, o promotor falou
essencialmente sobre corrupção e das formas de punição daqueles a praticam. Para
ele, a corrupção é decorrente do individualismo e da falta de interesse do
brasileiro pelos temas de interesse público. “Não cuida das praças públicas, das
bibliotecas públicas, nem da rua onde mora. O público não é de ninguém”, diz.
Para ele, o combate à corrupção começa com uma nova cultura, em que o interesse
coletivo esteja acima do particular.
Para punir os corruptos, o promotor
recomenda a Lei de Improbidade Administrativa, ironicamente aprovada durante a
presidência de Fernando Collor. Na prática, o Direito Penal não é um bom
instrumento para combater a corrupção porque permite atalhos e subterfúgios para
que os infratores escapem. Além do que, segundo Livianu, a Lei de Improbidade
inverte o ônus da prova e faz com que o acusado tenha que comprovar a licitude
de todo o patrimônio que possui.
Roberto Livianu é promotor de Justiça de
São Paulo. Ele se formou em Direito pela Universidade de São Paulo e, orientado
por Miguel Reale Jr., se fez doutor defendendo tese sobre Corrupção e o Direito
Penal — que virou seu mais novo livro.
É integrante do movimento do Ministério
Público Democrático. A entidade nasceu em 1991, seguindo uma tendência européia,
em que juízes e promotores se juntaram para lutar por uma Justiça mais dinâmica
e próxima da comunidade. O MPD tem um programa na TV Justiça e na TV Comunitária
que trata de questões de Direito com uma linguagem acessível. Fechou parceria
com a Secretaria de Justiça do estado para dar cursos de noções de Direito na
periferia. A maior preocupação do MPD é lutar por maior acesso à Justiça e para
que esse acesso seja democrático.
Leia a
entrevista
ConJur — Ao oferecer
caixinha para o guarda de trânsito não multá-lo ou comprar produtos piratas, a
impressão que se tem é a de que o brasileiro convive bem com a corrupção. O
brasileiro é um fora da lei?
Roberto Livianu —
Não. Esse
relacionamento com a corrupção tem uma explicação mais profunda e complexa, que
é a falta de uma nítida linha divisória entre o público e o privado. O mundo
vive um momento de excessivo individualismo. As questões públicas não fazem
parte da agenda do brasileiro. Ele só se preocupa com os interesses individuais.
Não cuida das praças públicas, das bibliotecas públicas, nem da rua onde mora. O
que é público não é de ninguém. Um exemplo simples disso é a dificuldade de
mobilizar os moradores para as reuniões de condomínio, em que se discutem
interesses coletivos. Em países europeus, as pessoas se engajam, denunciam e se
preocupam com as questões da comunidade. Há uma democracia participativa num
sentido profundo, verdadeiro e pleno.
ConJur — Isso
explica o problema da corrupção?
Roberto Livianu —
Não apenas.
Outra faceta do problema é a questão dos privilégios. A Constituição prevê o
princípio da igualdade como direito fundamental. Se perguntarmos a opinião da
população sobre o princípio da igualdade, a maioria vai dizer que é um princípio
fundamental, nobre e importante. Se reformularmos a pergunta para saber o que
acham de receber privilégios, a opinião já não será a mesma. As pessoas gostam
de privilégios. As empresas fundamentam as suas campanhas de marketing nos
privilégios que o produto ou o serviço pode oferecer. O problema é que
privilégios vão contra as conquistas democráticas. Em uma sociedade fundada no
privilégio e que não se preocupa com o coletivo, é difícil imaginar que o
combate à corrupção será um item prioritário.
ConJur —
Principalmente na política.
Roberto Livianu —
Dois meses
depois da eleição, as pessoas não lembram mais em quem votaram. Os mandatos
parlamentares perderam o caráter público. Deputados e senadores negociam as
questões nacionais como se fossem bens de mercado. Muitos focos de corrupção vêm
dessa perda de identidade e do aspecto público do mandato parlamentar. A
história do mensalão vem daí: falta de transparência em relação à origem dos
recursos, falta de fiscalização e do esfacelamento dos partidos políticos. No
Brasil, a fidelidade partidária é uma utopia. Não há como ter uma democracia
sólida sem partidos sólidos. E aí fica difícil ter um quadro de corrupção
diferente desse.
ConJur — Por onde
começa o combate à corrupção?
Roberto Livianu —
Começa com uma
nova cultura, em que o interesse da coletividade seja preponderante. Isso também
vai se projetar no Congresso Nacional. Os parlamentares têm de ter vínculo com
uma ideologia partidária e não ficar migrando de uma legenda para outra. Lembro
de uma nota publicada na Folha de S. Paulo em que se usava a expressão “deputado
pré-pago”, numa alusão aos contratos de telefonia celular. Essa visão
mercadológica é incompatível com uma perspectiva diferente em relação à
corrupção.
ConJur — A
quantidade de cargos de confiança no serviço público tem relação com a
corrupção?
Roberto Livianu —
O inchaço da
máquina com cargos de confiança tem relação indireta com a corrupção, sim.
Quando se tem poder para nomear alguém sem critério e sem compromisso com a
eficiência no serviço, cria-se um ambiente propício para a corrupção. Lembro de
uma reportagem em que o prefeito de uma cidade no interior de São Paulo era
acusado de nepotismo. Vários membros da família eram empregados em seu gabinete.
Quando a repórter perguntou o que ele tinha a dizer sobre o fato, com uma
impressionante tranqüilidade, ele evocou trecho do evangelho de Mateus da
Bíblia, que diz: “Primeiro os Teus”. O ingresso na administração pública
mediante concurso não é imune e pode sofrer desvios, mas é um instrumento de
controle que coíbe desmandos e esquemas ilícitos.
ConJur — O que é
preciso para desenvolver essa responsabilidade em relação ao que é
público?
Roberto Livianu —
Ameaça de
prisão não adianta. Não é por lei que o problema será resolvido. Não há medida
de curto prazo para mudar isso. Há de se plantar uma nova cultura para as novas
gerações. Hoje, ao invés de criar bons cidadãos, as escolas criam bons
consumidores. Precisamos educar para a cidadania. Ensinar o que e quais são os
Direitos Humanos. Na época da ditadura militar, tinha-se Educação Moral e Cívica
e Organização Social e Política do Brasil. Essas disciplinas eram transmitidas
com o objetivo de ter massa de manobra. Os estudantes aprendiam os valores que
os militares queriam. Seria bom que os valores da cidadania voltassem à grade
curricular, mas o conteúdo precisa ser outro e integrado às outras disciplinas,
de maneira transversal. Quando se ensina biologia, os exemplos devem estar
atentos à ética ambiental.
ConJur — Falando em
ética, o país vive uma crise ética?
Roberto Livianu —
Sim.
Infelizmente as pessoas não compreendem que o direito de um termina quando
começa o do outro. Passeiam com seu cachorrinho e não recolhem as fezes dele. O
interesse individual está em primeiro lugar e isso traz conseqüências em todos
os planos. Na questão da criminalidade é a mesma coisa. As pessoas só se
apavoram quando a vítima é de classe média ou alta. Ficam preocupadas em
reverter esse quadro, porque a violência pode estar próxima. Colocam grades nas
janelas, blindam o carro e desprezam o indivíduo que pratica o crime. Querem
distância.
ConJur — E o Estado,
não tem sua parcela de culpa sobre esse fato?
Roberto Livianu —
Há omissões
públicas que geram essa situação, mas a sociedade não quer saber de assumir a
sua parcela de responsabilidade em um crime e muito menos da preservação do
patrimônio público. Quando aquele casal de adolescentes foi assassinado em
Embu-Guaçu, o Champinha foi satanizado. A Hebe Camargo, em rede nacional, disse
que queria cortar pedacinho por pedacinho dele. Isso só aumenta o ódio da
população. Não estou entrando no mérito, para dizer se Champinha é bom ou mau. O
fato é que ele era um menino pobre, que não teve dinheiro para pagar escola
particular e que tinha desvio de comportamento. O Estado que deveria cuidar da
sua saúde, e não cuidou.
ConJur — O
sentimento de impunidade funciona como um fermento para a
corrupção?
Roberto Livianu —
Esse é um dos
maiores problemas. A população acha que não se pune a corrupção no Brasil.
Existem vários processos e várias pessoas condenadas. O Ministério público de
São Paulo conseguiu repatriar US$1,3 milhão desviados pelo Celso Pitta
[ex-prefeito de São Paulo]. A notícia de um escândalo de corrupção tem muito
espaço na mídia. O repatriamento do dinheiro desviado ou a punição não encontram
o mesmo espaço. A desproporção de espaço é brutal. Quem lê o jornal conclui que
a impunidade é a regra. Se houvesse igualdade na publicação, tanto dos
escândalos, quanto da punição, o sentimento da população seria diferente. A
mídia tem responsabilidade nisso. Vivemos a Era do Espetáculo. Guy Debord
[cineasta, cientista político e intelectual francês] falou muito bem da
espetacularização. Tudo que é espetáculo tem apelo midiático. O que não é
espetáculo, não tem espaço na mídia. Promover a responsabilidade, aplicar
punição pela prática de corrupção não é espetáculo, não tem espaço na
mídia.
ConJur — Certamente,
muitas vezes a imprensa força a tinta na acusação. Mas não é um pouco
impulsionada pelo Ministério Público, que também exagera nas suas
acusações?
Roberto Livianu —
Em matéria de
persecução penal, o Código de Processo Penal estipula como regra o princípio da
obrigatoriedade da ação penal. Diante desse princípio, o promotor não tem opção.
Ele funciona como uma máquina que é obrigada a produzir as acusações. Não pode
pensar como um gerenciador de conflitos sociais, que separa o joio do trigo e só
promove as responsabilidades pelas coisas mais graves. Quando ele não produz,
está praticando crime de prevaricação. Se quisermos melhores resultados e menos
exageros, precisamos rever as regras. Nos Estados Unidos existe o instituto da
bargaining. Por exemplo, se o Ministério Público está investigando um
mega-esquema de crime organizado, não consegue chegar ao topo da pirâmide. Fez
uma investigação com base nas pessoas que formam a base do esquema e percebe que
elas podem contribuir para chegar ao topo. Mas o MP não pode abrir mão do
direito de acusar quem está na base em troca de informação para chegar aos
mentores. Essa barganha processual é proibida pela legislação
brasileira.
ConJur — Seria o
caso de reformar o Código de Processo Penal?
Roberto Livianu —
Claro. Ele é
de 1940. É uma vergonha. Em 1998, instituímos a responsabilidade penal da pessoa
jurídica e o Código não foi revisto. Só depois pensaram: como posso
responsabilizar uma pessoa jurídica por um crime com regras de processo penal
que são inerentes à responsabilização de seres humanos? Tivemos que fazer
emendas para que a lei fosse aplicada. Seria mais fácil escrever um novo Código,
adequado aos novos tempos. Acontece que, no Brasil, refazer um código é uma
experiência épica. O Código Civil levou 20 anos para ser reescrito e já nasceu
defasado. Isso é decorrente da falta de compromisso com a
comunidade.
ConJur — Essa
barganha processual permitida nos Estados Unidos não é parecida com a delação
premiada, que recentemente ganhou força no Brasil?
Roberto Livianu —
É diferente. A
delação premiada pode ser concedida ou não pelo juiz na hora de julgar. O
Ministério Público pode apenas sugerir que ele acolha o pedido e reduza a pena
de quem colaborou para desvendar o esquema.
ConJur — O
Ministério Público deve investigar criminalmente?
Roberto Livianu —
Claro. Como é
que se combate a corrupção na Polícia? Não adianta colocar a Corregedoria da
própria organização para investigar. Essa é uma situação que mostra o quanto é
óbvia a necessidade de atuação do MP. O Tribunal Penal Internacional foi criado
para garantir uma Justiça que seja imparcial. A globalização sucateou os
direitos sociais em todo o mundo. O Tribunal Internacional tem a missão de não
permitir que crimes contra a humanidade fiquem impunes. O sistema de Justiça dos
países pode falhar. Além disso, o Brasil é subscritor do Estatuto de Roma, que
cria o Direito Penal em plano internacional. Os países signatários são
favoráveis ao Ministério Público investigar. Não podemos assumir uma posição
perante a comunidade internacional e internamente entender que o MP não pode
investigar. Advogados e policiais argumentam que o promotor é parte do processo,
porque a prova é dirigida a ele. Se ele é o destinatário da prova, por que não
pode colher a prova? No inquérito civil, o MP atua colhendo provas. Na área
criminal deve ser assim também. Todo poder concentrado é nocivo ao interesse do
cidadão. Não há porque concentrar esse poder nas mãos da Polícia
Civil.
ConJur — O que o
senhor acha dessa tendência, que parece ser mundial, de relativizar o sigilo
entre cliente e advogado?
Roberto Livianu —
É importante
dizer que depois das reformas introduzidas pelas idéias iluministas, o sigilo,
que antes era regra, se tornou exceção. Antes do Iluminismo, da Revolução
Francesa e de todas as idéias que construíram o verdadeiro Direito Penal, era o
rei quem decidia. Ele não ia com a cara do indivíduo e mandava enforcar. Sem
processo, sem debate. A partir daí, adotou-se o princípio da publicidade. O
mundo vive o tempo da transparência. Não é a toa que a principal organização não
governamental que cuida do combate à corrupção é a Transparência Internacional.
A palavra chave no combate à corrupção é transparência. Ou seja, o sigilo
precisa ser absolutamente excepcional. Essa é a ótica que deve prevalecer. É
claro que existem situações em que as prerrogativas inerentes à advocacia devem
ser respeitadas. Não é porque maus advogados usam a carteira funcional para
praticar crimes como cúmplice do PCC [organização criminosa radicada em São
Paulo ] que eu vou dizer que todos os advogados são bandidos. Isto é um
absurdo. No entanto, aqueles que se desviam do exercício regular da profissão e
se utilizam das prerrogativas para contribuir com o crime organizado precisam
ser responsabilizados. Trocando em miúdos, o sigilo não pode ser blindagem que
traga impunidade e imunize essas pessoas diante da lei. Isso é
inadmissível.
ConJur — O senhor
acha que os advogados devem passar por revista eletrônica quando entram em
presídios?
Roberto Livianu —
Todas as
pessoas que circulam dentro dos presídios precisam se submeter de maneira
isonômica aos controles inerentes a essa segurança. O advogado não é melhor nem
pior do que ninguém. Voltamos à questão dos privilégios. Precisamos acabar com
eles. Se existe uma regra para cuidar da segurança dos presídios, todo mundo tem
que se submeter a essa regra. Desde o presidente da República até o
faxineiro.
ConJur — E qual a
parcela de culpa do Judiciário pela corrupção?
Roberto Livianu —
Precisamos de
uma nova reforma do Judiciário. A reforma avançou com a Emenda Constitucional
45. Tivemos inovações importantes como o Conselho Nacional de Justiça, que
combateu o nepotismo. Apesar de eles falarem em aumentar absurdamente os seus
vencimentos, o saldo é positivo. A súmula vinculante surtirá efeito. Mas tem
muito mais itens que não puderam ser resolvidos com a EC 45. Não é possível que
o processo seja um instrumento de eternização das discussões e da impunidade.
Não é possível que o indivíduo conte com a burocracia do processo para sair
impune.
ConJur — Como esse
problema pode ser resolvido?
Roberto Livianu —
A estratégia
processual precisa ser revista. Diminuir algumas excrescências ou os prazos para
recurso. Na Justiça Eleitoral temos um trâmite mais rápido. Por que não termos
um procedimento célere também em relação ao julgamento de casos de corrupção? É
preciso mudar a cultura da operação do sistema de Justiça, principalmente da
magistratura. É muito difícil ver rigor punitivo em relação a quem pratica crime
do colarinho branco. Não só de corrupção, mas também sonegação fiscal, crimes
econômicos e crimes financeiros. O juiz deixa preso o indivíduo que assalta um
ônibus e leva R$ 10 em vales-transporte. Aquele que desviou R$ 200
milhões, e que há provas, não fica preso porque não houve violência. A mão da
Justiça é leve demais em relação aos crimes de colarinho
branco.
ConJur — Lugar de
corrupto é na cadeia?
Roberto Livianu —
Não defendo
que saiam prendendo todos os corruptos. É um grande erro dizer que lugar de
bandido é na cadeia. A privação de liberdade representa um mal necessário. E
deve ser reservado para situações em que não haja outra saída. O Maníaco do
Parque estuprou e matou mulheres. Não há outro instrumento de controle social
que possa ser eficaz para lidar com essa situação a não ser a prisão. Mas a
sociedade não pode viver em função da construção de presídios. Nos casos de
corrupção, defendo que o melhor caminho é trabalhar para recuperar o dinheiro e
confiscar o patrimônio. O indivíduo desviou cem, então temos que trabalhar para
trazer os cem de volta. Se ele tiver patrimônio incompatível com os seus ganhos
e existirem fundadas suspeitas da ilicitude, vamos confiscar esse patrimônio. O
Direito Penal não é o melhor instrumento para combater a
corrupção.
ConJur — Qual o
melhor instrumento para punir os casos de corrupção?
Roberto Livianu —
A Lei de
Improbidade Administrativa, de 1992. Por ironia do destino, promulgada por
Fernando Collor, que sofreu impeachment sob acusação de corrupção. Essa é a
melhor lei para combater a corrupção, porque não tem os mesmos rigores de provas
que tem o Direito Penal. Para condenar alguém com base no Código Penal, é
preciso comprovar o dolo e comprovar a conduta com todos os elementos do tipo
penal. Permite uma série de atalhos e subterfúgios por onde as pessoas escapam.
A Lei de Improbidade inverte o ônus da prova. Se um agente público é acusado
pela prática de desvios e tem patrimônio incompatível com a sua renda, não é o
promotor que precisa provar que o valor foi desviado. Ele é quem tem de provar
que licitamente acumulou aquele patrimônio. Em segundo lugar, o processo civil
flui de uma maneira diferente do processo penal. A construção de provas é muito
mais acelerada. Além do que, as punições são as melhores para os casos de
corrupção: perda do produto de desvio, confisco de patrimônio, suspensão de
direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder
Público.
ConJur — Então,
corrupto não deve ser preso?
Roberto Livianu —
Os grandes
corruptos, sim. Aqueles que detêm poder político e econômico, para mostrar que
eles não estão acima da lei. Mas o melhor caminho é investir na prevenção,
eliminar as oportunidades para a prática de corrupção. Na iniciativa privada,
guiada pela lógica do lucro, o indivíduo é demitido se não produz. Na esfera
pública, a lógica da eficiência não é colocada em prática. Se não há
plano de carreira, a remuneração é baixa e não há indicadores de eficiência,
como é que vamos eliminar a corrupção? O desmantelamento da esfera pública cria
um ambiente propício para a corrupção.
ConJur — Como a
internet pode ajudar a combater a corrupção?
Roberto Livianu —
É preciso
disponibilizar o maior número de informações possíveis em sites. Os
partidos têm que prestar contas à sociedade na internet. As licitações públicas
e os concursos públicos precisam ser colocados com transparência na internet.
Todos os instrumentos de controle precisam ser fortalecidos quando pensamos em
medidas para controlar a corrupção. A internet é fundamental, porque é
democrática e qualquer pessoa pode fazer esse controle. Mas há outro fator
extremamente importante, que é o fortalecimento dos instrumentos de cooperação
internacional. O desvio de dinheiro acontece no Brasil, mas é mandado para o
exterior. Por isso, os países têm que fortalecer os instrumentos de cooperação
permanentemente. Senão, o individuo é processado e condenado, mas o dinheiro
está lá fora e fica a sensação de impunidade. O que dá a sensação de Justiça
feita é o resgate do dinheiro e o patrimônio confiscado. A Europa já percorreu
etapas importantes em relação a isso. No passado, quando alguém cometia um crime
e saía do país, era necessário recorrer ao instituto da extradição. No bloco
europeu isso não existe mais. Quando um indivíduo comete um crime na França e
vai para a Itália, o juiz francês emite um mandado de prisão que é cumprido na
Itália sem qualquer intervenção do governo. A mesma coisa está sendo construída
na União Européia em relação à recuperação de dinheiro
desviado.
ConJur — Cada vez
mais o governo dos países, impotentes frente ao crime organizado, chamam o
cidadão para compartilhar responsabilidades. A obrigação de comunicar operações
suspeitas ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] é um exemplo
disso...
Roberto Livianu —
O Coaf é um
instrumento fundamental. A fiscalização das movimentações financeiras permite
rastrear a lavagem de dinheiro. Cada vez mais, os países colocam o combate à
corrupção nas suas agendas. Há dez anos, era diferente. O assunto preocupa os
governos e eles estão construindo instrumentos de cooperação para que esse
dinheiro possa ser recuperado.
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