Arnaldo Jabor
Tudo bem, sejam corruptos; mas, com
elegância... Há vários anos, assistimos ao show de grampos, flagrantes, juras de
inocência, provas cabais, evidências solares, júris comprados e sabemos que a
Polícia Federal prende, mas que o labirinto da lei é tão intrincado que, do
outro lado, todos sairão livres, leves e soltos.
Até hoje, houve 800 casos de
corrupção comprovada, julgada e condenada. Mas ninguém está preso. Tudo bem,
enquanto a Lei continuar paralítica, teremos de assistir a esta "féerie", esta
apoteose de ladrões, velhacos, ratoneiros, chupistas e assassinos em geral. Mas
é uma pena que tudo isso aconteça sem um toque de "savoir faire", sem "glamour",
sem "wit"; só nos exibem desculpas vagabundas, sem respeito por nossa
inteligência. E o pior é que, além dos bons e velhos ladrões políticos de
sempre, há uma profusão de novos corruptos. Agora temos o espetáculo dos pelegos
em ascensão, com bigodeiras tétricas, boçais, famintos, querendo comer os bens
dos burgueses que antes condenavam.
Acho que nossa endêmica corrupção
está precisando de um banho de loja, de aulas de etiqueta, de "finesse". Ah, que
saudades dos bons e velhos corruptos d’antanho... Foram semeados na Colônia,
amanhados no Império, desabrochados na República. Eram tradição cultural. Eles
tinham um traço fundamental: a pose. O importante não era ser honesto; era
parecer honesto. A coisa mais grave que aconteceu no Brasil foi a desmoralização
da política. O fim da pose. Nem falo do desrespeito pela verdade, pois a verdade
ninguém sabe o que é, mas a desmoralização da mentira. Essa raça não tem
respeito nem pela mentira. Eles não têm a mínima noção da "poética da
corrupção", não têm postura, não têm oratória, não se cuidam, vestem-se mal, nos
chocam com suas carantonhas.
Falta a esses neo-corruptos a
capacidade de ocultar suas perversões, se atiram aos roubos com uma fome
desabusada, sem dissimulações. São cheques falsos, assinaturas mal forjadas,
desculpas esfarrapadas. Roubar é também uma arte. Só nos resta imaginar um
manual de boas maneiras para nossos corruptos.
Aqui vão algumas regras: Mintam
melhor. Não digam: "Ah... não me lembro do empréstimo de US$30 milhões sem
avalista que consegui - assinei sem ler..." Ou então: "Esta mulher loura de
coxas douradas? Não me lembro se foi minha secretaria ou não..." Mintam bem, de
fronte erguida, dedo espetado, sobrancelha alta, semblante calmo na base do
Lexotan, olhos úmidos para emocionar o espectador, talvez uma breve lágrima, mas
as mãos sem tremores, e sorrisos humildes, porém dignos. Mintam, mas jamais
tenham o mau gosto de usar as lembranças da família, como "filhos queridos" ou "
minha amada esposa"; aliás, ocultem-na, para não ficar visível sua pálida
solidão sem amor. Ocultem também os filhinhos com traços psicopatas ou
paranóicos. Tentem imitar os gestos seculares da rapinagem clássica: vocação de
estátua, perfil de medalha, sorrisos conciliatórios, autoritarismo egoísta
disfarçado de tolerância democrática.
Melhorem a língua que usam em
telefonemas sempre gravados. Não é mais possível essa enxurrada de palavrões e
erros de português. Parem de dizer ao telefone: "E aí... E aí, galego? Já mandou
a grana pr’aquele filho da *? Tu tem qui botar o tutu aqui na minha mão! Tu tá
cum tutu?" Parem com esse baixo linguajar. Esse tom escrachado tisna a dignidade
do roubo porque o deboche desqualifica a beleza do delito. E quando comprarem
bens com o dinheiro roubado da Saúde ou da Educação , não comprem apenas os
óbvios objetos do desejo cafajeste: lanchas, carrões, vinhos, Miami, ilhas e
amantes cachorras.
Comprem coisas belas, Renoirs,
livros raros, vasos chineses de porcelana "craquelée", sei lá... No afã de
encobrir significados, usem termos mais sutis, em vez de "bufunfa" ou "tu já
entregou pro Mané?" ou "esse cara é do * ... Quero 20%; 10% é pra garçon!..."
Vocês devem usar códigos mais cultos: "Já recebeu o ovo de Fabergé?" ou "O
Proust já te entregou os originais?...."; ou ainda: "Custou quanto comprar
aquele Volpi?" Importantes são as desculpas, os argumentos de defesa.
Numa CPI, depoimento para a PF ou
entrevista para jornais nunca diga lugares-comuns como "São infâmias contra
mim... ilibado... despautério... aleivosias da oposição..." Outro dia, o Jáder
Barbalho deu um belo exemplo. Acusado de supostos delitos, ele declarou: "Isto é
um processo kafkiano contra mim..." Não é bonito? Boa literatura. Os álibis têm
de ser bem tramados. Não digam que "os R$ 2 milhões eram para comprar uma
bezerra premiada", ou que "eu carregava US$ 100 mil na cueca para comprar
mantimentos" (o cara disse). Inventem desculpas emocionantes: "No leito de morte
de minha mãe, veio a PF me procurar..." ou "estava eu rezando, com outros bispos
de minha Igreja, quando caíram por milagre a meu lado duas malas com 6
milhões..."
No capítulo importantíssimo do
"lay-out" da corrupção, não usem gravatas muitos berrantes que apontam para
barrigas imensas... Emagreçam, pois o visual gorducho evoca pança cheia,
comilanças... Fiquem magros. Muito cuidado também com o dramático, o súbito
momento da prisão, quando a polícia chega. A maioria dos corruptos presos em
casa está sempre de bermudas e chinelo... Evitem esse traje vergonhoso. Quando
algemados, saiam com uma bela "allure"; não escondam a cabeça na camisa, que
parece confissão de culpa. Ostentem um sorriso superior, irônico, como que
dizendo: "Sei que serei solto, não adianta prender..."
Cuidado com os bigodes - eles
significam muito. Há os incriminadores, os cínicos, os suspeitosos. Penteiem-se
melhor, evitem beicinhos vorazes e úmidos, não paguem amantes com dinheiro de
propina, não gargalhem com a cara gorda imensa, com a boca escancarada,
salivando de gozo, como um hipopótamo ladrão. E, por fim, quando matarem freiras
ou índios, não façam o "V" da vitória quando absolvidos; apenas, um rosto gélido
de quem é o rei da floresta, que compra jurados e "laranjas" para irem em cana
em seu lugar.
Autor: Arnaldo
Jabor
Colunista do Jornal "O Globo" |
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