“Onde estão os gestos de paz do governo colombiano?" - Vanderley Caixe
Entrevista
com Carlos Lozano
Carlos Lozano é advogado
e periodista, diretor do jornal comunista VOZ, membro do Comitê Central do
Partido Comunista Colombiano e da organização Colombianos e Colombianas pela
Paz. Ele fez parte de uma equipe de conselheiros no tema de paz, nos diálogos do
“Caguan”, entre a guerrilha das FARC-EP e o governo da Colômbia, nos anos de
1998-2002. Lozano é um dos colombianos que mais tem estudado sobre processos de
paz, tem escrito numerosos livros e artigos sobre a temática e conta com uma
vasta experiência como facilitador de processos de paz na
Colômbia.
Nos últimos dias de
março a Agenda Colômbia-Brasil encontrou-se com Lozano, na cidade de Rio de
Janeiro, na qual este estava participando de um evento internacional. Nesse
momento da entrevista a conjuntura colombiana apontava para a liberação de forma
unilateral, dos 10 prisioneiros de guerra que ainda estavam em poder FARC-EP,
realizada em dia 2 de abril e muitas organizações sociais e de direitos humanos
realizavam exigências ao governo de Juan Manuel Santos para verificar a situação
nas cadeias onde estão os presos políticos.
Carlos Lozano acredita
nas possibilidades da construção da paz na Colômbia e nos mostra a urgência
dessa construção.
Agenda
Colômbia-Brasil: Como
você vê as possibilidades de um processo de paz na Colômbia?
Carlos Lozano: Bom, o que fica claro é que na Colômbia
para resolver o conflito social e armado, que existe há mais de cinco décadas,
só é possível fazê-lo pela via política, pela via do diálogo, sobre a base de
soluções democráticas, de uma abertura social, progressista, que erradiquem as
causas do conflito, as causas históricas e as causas mais recentes que afetam os
tecidos sociais e a precariedade da democracia em Colômbia. Historicamente
têm-se feito muitos esforços a partir da guerrilha e a partir da esquerda a fim
de abrir um caminho para o diálogo, para a solução política democrática do
conflito. Mas, sempre se há tropeçado com as resistências da classe dominante em
aceitar as mudanças de fundo. O que eles querem é uma paz de graça, querem a
desmobilização da guerrilha, mas sem produzir as mudanças que são necessárias
para fortalecer a democracia e a justiça social.
A.C: A oligarquia colombiana mantém resistência
quanto a um diálogo que implique uma paz com justiça social?
C. L: Desde esse ponto de vista as coisas não
mudaram muito na Colômbia, estamos quase como se a historia tivesse sido detida.
A oligarquia colombiana mantém essa resistência de um diálogo que implique uma
paz construtiva, uma paz com democracia e com justiça social. Mas não tenho a
menor dúvida que em médio prazo vai impor-se uma saída para o diálogo, um espaço
para o diálogo. Esse é o cenário previsível para os próximos meses, porque, sem
dúvida, depois de mais de meio século de conflito, de uma guerra degradada, não
fica mais alternativa tanto para o governo como para a insurgência, que a de
buscar essa possibilidade de acercamento, de superar as desconfianças recíprocas
para que com o acompanhamento da sociedade colombiana, e porque não, da
comunidade internacional, se possa abrir um diálogo sobre a base de uma agenda
política e social concreta em transformações.
A.C: À classe dominante lhe convém a paz…
C.L: À classe dominante
colombiana, à oligarquia colombiana, lhe convém a paz porque a maior quantidade
dos recursos públicos, dos recursos do Estado, além da suposta ajuda dos Estados
Unidos e dos outros países, estão sendo destinados para guerra. Tamanhos
recursos são quase mais de 8% do produto interno bruto, o equivalente do que
inverte o país de seu próprio orçamento, mais as ajudas para a guerra, está se
chegando a cifras de 8% do produto interno bruto, que poderia ser melhor
convertido na satisfação das necessidades sociais represadas, em um país que tem
o “recorde” de ser o terceiro país com maior desigualdade, um país no qual
existem os maiores índices de concentração da propriedade sobre a terra e onde
existem poucos grupos econômicos, cinco ou seis grupos que monopolizam toda a
produção industrial, que têm os melhores negócios nos setores financeiros. Esta
é uma situação insustentável.
Semelhantes situações, mesmo para estes
grupos dominantes, se convertem em uma espécie de entrave para o crescimento da
economia. Então, se requer a paz, mas a paz com democracia, com justiça social.
Não se pode pensar que a paz precisa existir para manter o status quo.
Eu acredito que estamos às portas de um
melhor ambiente. Enquanto exista o conflito estaremos levados a situações
trágicas, a confrontações, a situações que são lamentáveis nacional e
internacionalmente. Mas, de todas as maneiras, acredito que estamos em um novo
espaço, em um momento distinto da vida política nacional, em que o tema da paz e
da guerra vai ocupar a agenda do governo nacional, dos partidos políticos, das
organizações sociais e também da comunidade internacional que estiver atenta ao
processo colombiano.
A.C: Agora com a entrega unilateral dos
prisioneiros de guerra evidenciou-se também o tema de prisioneiros políticos e
presos de opinião. Como está esta situação?
C.L: É curioso que o governo colombiano
reconheceu a existência do conflito depois que o governo Uribe não a reconhecia,
então Santos deu um passo supostamente audaz de reconhecer que na Colômbia
existe um conflito. Mas, o reconhecimento do conflito tem as suas implicações:
há uns combatentes, há outros não combatentes; é necessário estabelecer o
princípio de distinção entre uns e outros. Há que aplicar o direito
internacional humanitário e é preciso reconhecer que a única via de resolução do
conflito é a via política do diálogo e não a da confrontação armada. Mas, o
governo, mesmo que reconheça o conflito, não dá esse passo. É aí que vemos que o
governo não reconhece a existência de presos políticos, de prisioneiros de
guerra. Que eles existem sabemos, pois há combatentes, há presos políticos que
são de consciência, presos de opinião, companheiros e companheiras que foram
detidos em suas atividades sindicais, sociais; integrantes de partidos da
esquerda que são levados aos estrados judiciais, sindicados como amigos e
colaboradores da guerrilha. Processam-lhes por rebelião que é um delito
tipicamente político, quando não lhe estendem a outro tipo de delitos,
acomodados para sustentar com mais força estes processos judiciais arranjados.
Assim, este é um tema que o governo tem que aceitar e, sobretudo neste momento
que a guerrilha tem feito mais gestos humanitários.
A.C: Os gestos de paz da guerrilha das
FARC…
C.L: A guerrilha das FARC derrogou a lei 002,
que era a que estabelecia as retenções por razões econômicas. Está entregando 10
membros da força pública que são os últimos que estavam em seus poder, que em
todos os últimos anos, ao largo de décadas, haviam mantido em qualidade de
prisioneiros de guerra. Então, são gestos de paz que ajudam a diminuir a
intensidade do conflito.
A.C: E os gestos de paz do
governo…
C.L: Onde estão os gestos de paz do
governo, quando nem sequer se reconhece a existência de presos políticos,
enquanto se mantém a política neoliberal de liquidação das conquistas dos
trabalhadores, do povo e do agravamento das más condições de vida. Enquanto
seguem as privatizações, enquanto segue as ofensivas contra a esquerda, a
violação aos direitos humanos, as Nações Unidas pronunicaram que seguem as
execuções extrajudiciais, que não são outra coisa do que chamamos “falsos
positivos”. Então: onde estão os gestos de paz do governo? Aí é onde enfocamos
(planteamos).
Por isso, desde Colombianos e Colombianas
pela Paz temos dito ao governo que o mínimo que pode fazer, uma vez se produzam
as liberações, é permitir as visitas da missão humanitária internacional às
prisões. Assim, poderão verificar em lócus qual é a situação dos presos
políticos e dos prisioneiros de guerra na Colômbia. Isto é muito importante que
o país e a comunidade internacional conheçam, não somente como problema de
agitação e de publicidade, se não para que o governo poda introduzir mudanças
nas prisões. É preciso que humanizem as cadeias colombianas, que lhe dêem
dignidade a quem está encarcerado, não somente por delitos políticos, mas também
por outro tipo de delitos. As prisões realmente são masmorras que se converteram
em espaços vulneráveis para os direitos humanos. Isto foi dito pelas Nações
Unidas e pela Defensoria do Povo, não é um discurso da esquerda somente. Assim,
é a hora de que o governo atenda isso e faça os gestos de paz. Santos diz que
tem em suas mãos as chaves da paz, mas elas não funcionam, nem sequer para fazer
gestos similares aos que está fazendo a guerrilha colombiana neste momento.
A.C: A respeito das relações de
solidariedade política internacional, que papel você acha que poderia fazer o
Brasil para contribuir à um processo de paz e para a situação que vive a
Colômbia?
C.L: Basicamente eu diria que são três de
ordem geral para a solidariedade internacional e um agregado, que são: O
respaldo às organizações sociais colombianas que estão propondo (planteando) a paz, não somente
“Colombianos e Colombianas pela paz” que é, talvez, a mais conhecida, mas há
outras, múltiples organizações que trabalham nesse sentido e é necessário
apoiá-las. A comunidade internacional deve respaldá-las e fazer chegar até elas
a suas vozes de alento, na exigência de que é preciso parar a guerra na Colômbia
e abrir um cenário de paz, de diálogo, de saída política da crise colombiana. Em
segundo lugar o tema dos direitos humanos, na Colômbia seguem sendo violando os
direitos humanos com os deslocados pela violência, o tema dos dirigentes da
esquerda, dirigentes sindicais ameaçados, que estão sofrendo atentados e
perseguições por parte de organismos de inteligência do estado. Terceiro, o tema
dos presos políticos na Colômbia. Há quase nove mil presos segundo dizem as
organizações de solidariedade e que estão esquecidos do mundo, porque quase
ninguém fala da situação deles, é como se não existissem, mas, realmente, estão
em situações precárias. Nestes dias estiveram em greve de fome, chamando a
atenção do país e do exterior, sobre a situação que padecem e exigindo as
visitas humanitárias.
A.C: E o
agregado?
C.L: O agregado é para o caso concreto do
Brasil. O Brasil tem se mostrado disposto a colaborar no tema de paz e no tema
humanitário, vêm aportando os helicópteros e a logística. Desde esse ponto de
vista merece o nosso reconhecimento, nosso agradecimento porque é um gesto de
solidariedade para que estas missões humanitárias possam se realizar. Mas, ao
mesmo tempo está vendendo armas ao estado colombiano. Armas que estimulam a
guerra e a confrontação. Os aviões tucanos são dos que mais se utilizam nos
bombardeios de terra arrasada na Colômbia, não somente para destruir a
guerrilha, se não também para inundar de bombas, de toneladas de bombas o campo
colombiano, sem importar que aí existem camponeses, agricultores, que existem aí
propriedades de pequenos agricultores e que esta destruição não é somente da
vida das pessoas, mas também das suas vivendas, dos animais, contaminando todo o
ambiente na selva colombiana.
Assim, o Brasil não pode auspiciar isso.
Em lugar de vender armas ao estado colombiano para a guerra o que deve é
vincular-se às comissões de apoio, de verificação, de promoção do diálogo e da
saída política. Sendo assim, atores da paz na Colômbia, mais do que atores da
guerra.
Agenda Colômbia-Brasil
A Solidariedade é dos
Povos!!!
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