O filósofo argentino e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Rubén Dri, em artigo para o jornal Página/12, 06-07-2009, critica o posicionamento da Igreja católica diante do golpe em Honduras. "A hierarquia eclesiástica é coerente. Está sempre contra os movimentos populares e os governos que os expressam quando estes propõem determinadas reformas às quais as grandes corporações se opõem", afirma. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Igreja católica hondurenha, por meio de seu órgão superior, a Conferência Episcopal, deu seu pleno apoio ao golpe militar que destituiu a autoridade constitucional e militarizou o país, em ações que muito conhecemos. No comunicado em que dá a sua aprovação ao golpe, ela cita a ordem de captura da Suprema Corte na qual se acusa o governo constitucional de "traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de funções em prejuízo da Administração Pública e do Estado de Honduras". Isso quer dizer que, em Honduras, tudo foi feito de acordo com as normas constitucionais.
Depois dessa clara aprovação do golpe, a máxima hierarquia eclesiástica reproduz, em linguagem melosa e hipócrita, os convites ao "diálogo, ao consenso e à reconciliação", que tornariam a paz possível de acordo com a recomendação de Jesus, segundo a citação do evangelho de João com a qual termina o documento eclesiástico: "Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. A paz que eu vos dou não é como a que o mundo vos dá. Que não haja entre vós angústia nem medo".
Pois bem, qual é a paz que o mundo dá? O que se entende aqui por "mundo"? "Meu reino não provém deste mundo", diz Jesus, traduzido normalmente por "meu reino não é deste mundo". "Este mundo" é o que está nas mãos de Satanás, ou seja, do império romano. Dele, de seus valores, de seus princípios, não provém o reino de Jesus. Provém de outros princípios, com outro conceito de poder, o poder que é serviço, que foi simbolizado na cena do lava-pés que Jesus realizou com seus discípulos.
Esse novo mundo, o de Jesus, dá a verdadeira paz, não como o mundo a dá. Claro e contundente é o enfrentamento entre essas duas concepções da paz. A que dá o mundo, isto é, o império, a paz do cemitério, a que a Hierarquia eclesiástica hondurenha propõe; e a que Jesus propõe, a paz que é construída entre irmãos, enfrentando o império. Ante a pax romana, baseada na aniquilação dos que não se submetem, a paz que é construída entre povos irmãos.
A tergiversação da paz que Jesus propõe, interpretando-a como a paz que o poder de dominação propõe, tem a mesma longa história dos poderes dominadores. Já no século IV, Eusébio de Cesareia sintetizava a visão teológica da Igreja em três princípios: um só Deus, uma só Igreja, um só Império, que deu base à afirmação de Paulo Orósio, segundo a qual "a paz de Cristo é a paz do império", a célebre "pax romana".
A hierarquia eclesiástica é coerente. Está sempre contra os movimentos populares e os governos que os expressam quando estes propõem determinadas reformas às quais as grandes corporações se opõem. Assim acontece na Venezuela, na Bolívia e no Equador, para citar dois casos mais significativos. Assim também é no nosso país.
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