segunda-feira, 20 de julho de 2009

Síndrome de Simão Bacamarte - Barbet


Em “O Alienista”, temos o Doutor Simão Bacamarte, cientista, que se muda para Itaguaí, onde instala um hospício, a Casa Verde, com o intuito de desenvolver importantes estudos científicos. Pretende encontrar os liames, ou mesmo as fronteiras entre o reino da loucura e o reino do perfeito juízo, mas a confusão proveniente da interação entre ambas acaba aborrecendo o Doutor, que, para levar a efeito a seleção dos loucos, tem que responder cientificamente o que é ser normal.

Assim, qualquer pessoa, independentemente de seu posto ou posição na cidade que ele julgasse que fosse fora do normal, era internado na ‘‘Casa Verde’’.

Com sua chegada à cidade e a implantação do projeto, o Dr. Simão Bacamarte até era bem recebido pela população de Itaguaí, mas a mesma começa se revoltar à medida que as pessoas que não se aparentavam loucas eram encarceradas no interior da Casa Verde.

A ponto de o barbeiro Porfírio liderar uma rebelião “Os Canjicas” contra as ações do Doutor Bacamarte. Contudo, para espanto geral dos habitantes de ltaguaí, Simão Bacamarte, num belo dia, solta todos os recolhidos no hospício, declarando-os curados, e, reconhecendo-se como o único louco irremediável, o médico tranca-se na Casa Verde.

Mas, talvez alguns devam estar se perguntando por que ler sobre Machado de Assis num espaço destinado a falar sobre futebol. Porém, também creio que existam outros que nem precisam mais continuar a ler o texto, devido ao fato de já tirar o dever saber onde quero chegar.

A analogia é óbvia. Somos como Simão Bacamarte, alienistas que, com endereço fixo em futebolândia (nossa Itaguaí), tentam levar a ciência para esse universo.

Olhar o futebol a partir de pontos de vistas diferentes de seus moradores natos, ou mesmo que se dizem pertencentes ao citoplasma do meio, significa, de forma recorrente, chamá-los de loucos, desequilibrados, doentes...

No século XXI, já é grande o número de Bacamartes no meio. Não em número suficiente para provocar mudanças profícuas e respaldas por grupos detentores do poder e dos direitos econômicos.

Ainda os problemas óbvios, dependentes de pouca racionalidade, como as questões relativas às torcidas organizadas, à fiscalização para banir os gatos juntos com os contraventores do mundo do futebol, a metodologia tecnicista, a visão positivista de mundo, o lucro a qualquer preço (independentemente do que seja preciso fazer às pessoas ou mesmo às instituições), a corrupção e cooptação de menores, a universidade que não assume sua responsabilidade na formação de técnicos e demais gestores do esporte... além da ignorância insana de continuar a propagar aos quatros ventos o adágio popular que marca de modo indelével nossa sociedade: “Futebol, política e religião não se discute”.

Todo esse pequeno contexto (ponta de um imenso iceberg) que explicitei dá suporte, sustentação e força a uma síndrome que me assola.

Síndrome segundo o Houaiss é: conjunto de sinais e sintomas observáveis em vários processos patológicos diferentes e sem causa específica; conjunto de sinais ou características que, em associação a condição crítica, são passíveis de despertar insegurança e medo.

A síndrome de Simão Bacamarte me persegue, temo pelo final. Receio terminar essa crônica pedagógica citando as últimas linhas machadianas de “O Alienista”.

“Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato continuo, recolheu-se à Casa Verde. Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que ficasse, que estava perfeitamente são e equilibrado: nem rogos nem sugestões nem lágrimas o detiveram um só instante.

—A questão é científica, dizia ele; trata-se de uma doutrina nova, cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática.

—Simão! Simão! meu amor! dizia-lhe a esposa com o rosto lavado em
lágrimas.

Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nunca houve outro louco além dele em Itaguaí mas esta opinião fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não tem outra prova senão o boato; e boato duvidoso, pois é atribuído ao Padre Lopes, que com tanto fogo realçara as qualidades do grande homem. Seja como for, efetuou-se o enterro com muita pompa e rara solenidade.”

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