domingo, 5 de dezembro de 2010

[Carta O BERRO] Dia 7 de dezembro, às 19 horas, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, Eduardo Leite, o Bacuri, receberá, in memoriam, o título de Cidadão Paulistano - Vanderley - Revista

Reproduzo matéria publicada no blog "Limpinho e cheiroso":
(leia também, ao final, "Cem dias no Inferno")
Na próxima terça-feira, dia 7 de dezembro, às 19 horas, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, Eduardo Leite, o Bacuri, receberá, in memoriam, o título de Cidadão Paulistano por iniciativa dos vereadores Juliana Cardoso e Ítalo Cardoso.
Para quem não o conheceu, trata-se de mais um dos casos de absoluta crueldade da repressão. Na madrugada da véspera de ser retirado do Dops para ser assassinado, a repressão lhe entregou – na cela onde estava sozinho – um exemplar da Folha da Tarde que noticiava sua “fuga”.
Para que jamais esqueçamos a história, a Folha da Tarde era aquele pasquim que o senhor Otávio Frias – pai do senhor Otávio Frias Filho – cedeu graciosamente ao esquadrão da morte durante os dois anos finais dos 1960 e que assim continuou até o final dos anos de 1970.
Bacuri tem uma das histórias mais bonitas de nossa resistência. Quando foi preso, sua companheira – a camarada Denize – estava grávida. Meses depois, nasceu a Maria Eduarda.
Quem não puder comparecer ao evento, envie uma mensagem dirigida a essas duas mulheres para o endereço da Denize Crispim Perez: zdenize@gmail.com
Leia a seguir, o texto sobre Bacuri que está no sítio Tortura Nunca Mais:
Cumplicidade entre a mídia e a repressão
O relato abaixo serve para demonstrar a ação combinada e orgânica entre a repressão da ditadura militar de 64 e os órgãos da mídia oligárquica no Brasil.
O assassinato de Eduardo Collen Leite, o “Bacuri”, é um dos mais terríveis dos que se tem notícia, já que as torturas a ele infligidas duraram 109 dias consecutivos, deixando-o completamente mutilado. Quando o corpo foi entregue aos familiares estava sem orelhas, com olhos vazados e com mutilações e cortes profundos em toda a sua extensão.

Foi preso no dia 21 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro, pelo delegado Sérgio Fleury e sua equipe, quando chegava em sua casa. Passou pelo Cenimar/RJ e DOI-Codi/RJ, onde foi visto pela ex-presa política Cecília Coimbra, já quase sem poder se locomover.
Do local da prisão, Eduardo foi levado a uma residência particular onde foi torturado. Seus gritos e de seus torturadores chamaram a atenção dos vizinhos, que avisaram a polícia. Ao constatar de que se tratava da equipe do delegado Fleury, pediram apenas para que mudassem o local das torturas.
Após ser torturado na sede do Cenimar, no Rio de Janeiro, Eduardo foi transferido para o 41° Distrito Policial, São Paulo, cujo delegado titular era o próprio Fleury.
Novamente transferido para o Cenimar/RJ, Eduardo permaneceu sendo torturado até meados de setembro, quando voltou novamente para São Paulo, sendo levado para a sede do DOI-Codi. Em outubro, foi removido para o Dops paulista, sendo encarcerado na cela 4 do chamado “fundão” (celas totalmente isoladas).
Em 25 de outubro, todos os jornais do País divulgaram a nota oficial do Dops/SP relatando a morte de Joaquim Câmara Ferreira (comandante da ALN), ocorrida em 23 de outubro. Nesta nota, foi inserida a informação de que Bacuri havia conseguido fugir, sendo ignorado seu destino. Foi encontrado nos arquivos do Dops a transcrição de uma mensagem recebida do Dops/SP pela 2ª seção do IV Exército, assinada pelo coronel Erar de Campos Vasconcelos, chefe da 2ª Seção do II Exército, dizendo “que foi dado a conhecer a repórteres da imprensa falada e escrita o seguinte roteiro para ser explorado dentro do esquema montado”.
O tal roteiro falava da morte súbita de Câmara Ferreira após ferir a dentadas e pontapés vários investigadores. E mais adiante diz “Eduardo Leite, o Bacuri, cuja prisão vinha sendo mantida em sigilo pelas autoridades, havia sido levado ao local para apontar Joaquim Câmara Ferreira (...) Aproveitando-se da confusão, Bacuri (...) logrou fugir (...)”. Estava evidenciado o plano para assassinar Eduardo Collen Leite
O testemunho de cerca de 50 presos políticos recolhidos às celas do Dops paulista (entre eles, o gaúcho Ubiratan de Souza, da VPR) neste período prova que Eduardo jamais saíra de sua cela naqueles dias, a não ser quando era carregado para as sessões diárias de tortura. Eduardo era carregado porque não tinha mais condições de manter-se em pé, muito menos de caminhar ou fugir, após dois meses de torturas diárias.
O comandante da tropa de choque do Dops/SP, tenente Chiari da PM paulista, mostrou a Eduardo e a inúmeros outros presos políticos, no dia 25, os jornais que noticiavam sua fuga.
Para facilitar a retirada de Eduardo de sua cela, sem que os demais prisioneiros do Dops percebessem, o delegado Luiz Gonzaga dos Santos Barbosa, responsável pela carceragem do Dops àquela época, exigiu o remanejamento total dos presos, e a remoção de Eduardo para a cela n° 1, que ficava defronte à carceragem e longe da observação dos demais presos. Seu nome foi retirado da relação de presos, as dobradiças e fechaduras de sua cela foram lubrificadas de forma a evitar ruídos que chamassem a atenção.
Os prisioneiros políticos, na tentativa de salvar a vida de seu companheiro, montaram um sistema de vigília permanente. Aos 50 minutos do dia 27 de outubro de 1970, Eduardo foi retirado de sua cela, arrastado pelos braços, pela falta total de condições de pôr-se em pé, com o corpo repleto de hematomas, cortes e queimaduras, sob os protestos desesperados de seus companheiros.
Segundo testemunho de Ubiratan, todos os presos chegaram junto às grades e estendiam braços e mãos para cumprimentar ou simplesmente tocar em Bacuri, ao mesmo tempo que vibravam talheres e copos metálicos no ferro das grades numa demonstração de protesto pela iminente morte de um companheiro. Todos sabiam que Bacuri seria executado.
Eduardo não foi mais visto. Os carcereiros do Dops, frequentemente questionados sobre o destino de Bacuri, só respondiam que ele havia sido levado para interrogatórios em um andar superior. Os policiais da equipe do delegado Fleury respondiam apenas que não sabiam; apenas o policial conhecido pelo nome de Carlinhos Metralha é que afirmou que Eduardo estava no sítio particular do delegado Fleury. Tal sítio era usado pelo delegado e sua equipe para torturar os presos considerados especiais ou os que seriam certamente assassinados e, por isso, deveriam permanecer escondidos.
Em 8 de dezembro, 109 dias após sua prisão, e 42 dias após seu sequestro do Dops, os grandes jornais do País publicavam nota oficial informando a morte de Eduardo em “um tiroteio nas imediações da cidade de São Sebastião”, no litoral paulista. Era evidente o conluio entre a repressão e a mídia, nesta farsa montada para eliminar Eduardo Leite.
A notícia oficial da morte de Eduardo teve um objetivo claro: tirar as condições da inclusão de seu nome na lista das pessoas a serem trocadas pela vida do embaixador da Suíça no Brasil, que havia sido sequestrado em 7 de dezembro. Seu nome seria incluído nessa lista e seria impossível soltar o preso Eduardo que, oficialmente, estava foragido e, além do mais, completamente desfigurado e mutilado pela tortura.

As informações são do grupo Tortura Nunca Mais e de Ubiratan de Souza.
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109 Dias no Inferno
" nenhum tormento conseguiu arrancar qualquer informação do BACURI " Jacob Gorender
por Ciro Campelo Oliveira -
É difícil para mim falar de Eduardo Collen Leite. Devido a vários fatores, mesmo sendo muito difícil, é extremamente necessário falar desse homem.
Eduardo nasceu em Minas Gerais no ano de 1945, era técnico em telefonia, começou a militar muito cedo no POLOP ( Política Operária ) e no ano de 1967 serviu as forças armadas na 7ª Companhia de Guarda e depois no Hospital do Exército no bairro do Cambuci. Em 1968 Eduardo entra para a VPR ( Vanguarda Popular Revolucionária ), onde milita até o ano de 1969 e no mês de abril desse ano se desliga da VPR para fundar a REDE ( Resistência Democrática ) e posteriormente ele e alguns militantes da REDE vão para a ALN (Ação Libertadora Nacional ).
A vida de Eduardo é marcada pelas ações armadas que ele participa. A sua coragem, inteligência e disciplina são características na vida desse guerrilheiro, que os companheiros dele fizeram questão de frisar. Para o ex-guerrilheiro Carlos Eugenio Paz, Eduardo era um homem de uma inteligência acima da média. Já a ex-guerrilheira Rosa Paz afirma que Eduardo passava muita segurança e confiança aos seus parceiros. O também ex-guerrilheiro Alfredo Sirkis o chama de "herói" no livro de sua autoria livro chamado Os Carbonários.
Por mais elogios que possam ser feitos a Eduardo é fácil falar de suas ações na luta contra a ditadura. Podemos começar falando de dezenas de expropriações a bancos e carros fortes na cidade de São Paulo, juntamente com Devanir José de Carvalho e o MRT ( Movimento Revolucionário Tiradentes ) Eduardo e seus companheiros faziam várias dessas expropriações a fim de levantar dinheiro para as organizações estarem lutando contra a ditadura.
Porém as ações que mais "pesaram" em seu vasto repertório foram o seqüestro do cônsul do Japão em março de 1970 e o seqüestro do embaixador Alemão em julho do mesmo ano.
O seqüestro do cônsul foi comandado por Ladislas Dowbor, e juntaram-se a ele vários guerrilheiros dentre os quais Eduardo, que participou ativamente deste seqüestro que resultou na libertação de 5 presos políticos. Já no seqüestro do embaixador Alemão a coisa foi diferente, porque esse seqüestro foi comandado pelo próprio Eduardo, que numa ação incrível conseguiu realizar o seqüestro com a ajuda de outros valentes revolucionários. E o resultado dessa ação não foi diferente.
Em uma ação quase perfeita a VPR e a ALN libertam de uma só vez 40 presos políticos que sofriam barbaridades nos porões da ditadura. Dentre esses 40 presos que foram libertados estão hoje o deputado federal Fernando Gabeira, o jornalista Cid Benjamin e o ex-deputado estadual do PT do Rio de Janeiro Liszt Benjamin.
A vida de Eduardo era como a de qualquer outro guerrilheiro urbano brasileiro daquela época, eles viviam sobre uma pressão enorme, podendo ser capturado a qualquer momento e a captura significava uma execução sumária ou a tortura.
E devido as prisões estarem lotadas de militantes uma frente formada pela VRP, ALN, Mr8 ( Movimento Revolucionário 8 de Outubro ) e PCBR ( Partido Comunista Brasileiro Revolucionário ) estavam armando um triplo seqüestro que teria grande repercussão e soltaria de uma só vez 200 militantes das prisões e dos porões da ditadura.
Eduardo foi ao Rio de Janeiro fazer o levantamento da vida do embaixador inglês ( que seria um dos seqüestrados ), e lá ele foi preso pela equipe do delegado Fleury. Eduardo era um homem esperto e inteligente, só poderia ter sido capturado mesmo pela traição, e foi o que realmente aconteceu. Eduardo Collen Leite, codinome BACURI, temido por muitos militares e admirado por seus companheiros foi capturado porque o seu parceiro o "aconselhou" a fazer o levantamento da vida do embaixador desarmado, pois poderia "chamar a atenção", e assim ele foi capturado por Sérgio Paranhos Fleury e sua equipe.
Começa ai meus amigos, os 109 dias infernais vividos por Eduardo Collen Leite.
A sua prisão se deu no dia 21 de agosto de 1970 no Rio de Janeiro. Depois de dominado por Fleury e seus homens ele foi levado para o CENIMAR/RJ, após ser torturado no CENIMAR/RJ, Eduardo é levado para o 41º Distrito policial em São Paulo, onde o delegado titular é o próprio Fleury. Passados alguns dias Eduardo volta para o CENIMAR/RJ, onde é torturado até meados de setembro. Depois ele volta novamente para São Paulo, agora indo para a sede do DOI-CODI, depois ele foi transferido para o DEOPS paulista, onde foi encarcerado na cela 4 chamada de fundão ( celas totalmente isoladas ).
No dia 20 de outubro Joaquim Câmara Ferreira é preso, e no dia 23 ele é morto, pois já de idade avançada sobrevive apenas há 3 dias com as torturas que lhe são impostas. No dia 25 de outubro a imprensa divulga a nota oficial do DEOPS/SP divulgando a morte de Joaquim e dizendo que Eduardo estava preso e que a policia manteve a sua prisão em segredo. Eles disseram que Eduardo foi junto na diligencia para prender Joaquim Câmara Ferreira mais acabou fugindo. Como o que o publicaram era a mais deslavada mentira, estava praticamente assinada a sentença de morte de Eduardo, que se encontrava ainda nas mãos da repressão.
O comandante do DEOPS/SP onde Eduardo se encontrava nessa data, mostra pra ele os jornais divulgando a sua fuga. Mais de 50 presos testemunharam que Eduardo jamais saiu de sua cela enquanto esteve no DEOPS/SP, há não ser quando era carregado para as seções diárias de tortura, que eram feitas pelos militares ( aqueles mesmo que juraram proteger e servir).
Os presos que se encontravam no DEOPS/SP aquela época tentaram salvar a vida de Eduardo, montando um sistema de vigilância 24 horas. Não deu certo. A presa política Cecília Coimbra viu Eduardo que não podia nem andar, mais ela afirma que ele estava com plena consciência do que fazia e falava. E aos 50 minutos do dia 27 de outubro de 1970 Eduardo é levado pelos torturadores e nunca mais volta para o DEOPS/SP, na verdade ele nunca mais foi visto por ninguém, exceto pelos seus torturadores.
O policial de codinome Carlinhos Metralha afirma que Eduardo ficou no sitio particular de Fleury, onde ficou vivo até o dia 07 de dezembro de 1970. Mesmo dia em que Carlos Lamarca e a VPR seqüestraram o embaixador suíço. A VPR sabendo que Eduardo estava preso, colocou seu nome em primeiro lugar na lista de militantes a serem libertados em troca do embaixador.
O seqüestro foi o motivo maior para ser consumada a morte de Eduardo, que acreditem vocês ou não queridos leitores, ficou 109 dias num inferno, sendo levado de lá para cá, sem ver seus entes queridos e sendo torturado todo santo dia. E saibam vocês que Eduardo não delatou ninguém, não falou nada sobre os esquemas que sabia e nenhuma queda ocorreu pela boca de Eduardo.
A sua morte foi sem sombra de duvidas uma das mais cruéis já registradas nos anais da história. O corpo de Eduardo foi entregue para sua família num caixão lacrado. A família ao abrir o caixão comprovou na hora a crueldade que fizeram com Eduardo, pois ele estava com dezenas de queimaduras pelo corpo, orelhas decepadas, dentes arrancados, escoriações, hematomas e cortes por todo o corpo.
Assim termina a história, meus caros leitores, desse jovem mineiro de 25 anos. Eu gostaria muito de estar escrevendo outra coisa agora, eu gostaria de estar lhes dizendo que Eduardo lutou o bom combate, que venceu seus inimigos, ou que os mesmos tiveram misericórdia dele. Mais infelizmente não estamos aqui falando de um filme ou uma novela, nós estamos falando de ditadura militar, um sistema político em que pessoas e famílias foram destroçadas aqui em nosso país.
Pensem bem meus amigos o sofrimento enfrentado por esse rapaz. A angustia, a dor, a humilhação que ele sofreu. Agora eu deixo aqui uma pergunta: Alguém estudou sobre Eduardo Collen Leite na 5ª ou na 6ª série? Aposto que não, pois eles preferem falar de Duque de Caxias.
Fica aqui meus amigos esse texto para nossa reflexão dos que o conhecem e o admiram e para o conhecimento daqueles que ainda não ouviram falar de Eduardo Collen Leite, ou simplesmente BACURI.
Ciro Campelo Oliveira - 24 anos
Contato: ciro_campelo@hotmail.com
Vitória - ES

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