sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
[Carta O BERRO] "A prisão infernal de Bradley Manning" / e Torturar Manning, para pegar Assange - Vanderley - Revista
Bradley Manning, que supostamente vazou centenas de milhares de documentos secretos do governo para Julian Assange, do WikiLeaks, completa 23 anos de idade nesta sexta-feira, na prisão. Denver Nicks, de The Daily Beast, fez entrevista exclusiva com o advogado de Manning, que fala de seu confinamento solitário, do que ele lê (de George W. Bush a Howard Zinn) e da estratégia jurídica que pretende seguir.
Da última vez em que Bradley Manning viu o mundo do lado de fora de uma prisão, a maioria dos americanos nunca tinha ouvido falar do WikiLeaks. Nesta sexta-feira, Manning, o homem que alegadamente vazou documentos sigilosos, colocando no mapa o site e seu polêmico líder, Julian Assange, completa 23 anos de idade atrás das grades. Desde sua prisão, em maio, Manning passou a maior parte desses mais de 200 dias em confinamento solitário. Fora receber um cartão e alguns livros da família, seu aniversário não será diferente. O advogado David Coombs revela detalhes importantes sobre Manning, a prisão e os gestos delicados de sua família que lhe trazem um pouco de conforto nessas duras condições carcerárias.
"Eles escrevem que pensam nele e em seu aniversário, que o amam e apoiam", disse Coombs sobre a família Manning. A tia, em nome dos pais e da irmã, enviou cartão na quarta-feira pelo advogado, e Manning respondeu que também a ama e gostaria de estar com ela no aniversário. "Mas as visitas são permitidas apenas aos sábados e domingos; um deles vai vê-lo no sábado". Manning pediu uma lista de livros que sua família comprou e entregará nas próximas semanas, para coincidir com o aniversário e o Natal. Na lista?
Decision Points, de George W. Bush; Crítica da Razão Prática e Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant,Propaganda, de Edward Bernayse, O gene egoísta, de Richard Dawkins, A People’s History of the United States, de Howard Zinn, A arte da guerra, de Sun Tzu, The Good Soldiers, de David Finkel, Da guerra, de Carl von Clausewitz.
Manning está preso na base dos Fuzileiros Navais em Quântico, na Virgínia. Passa 23 horas por dia sozinho numa cela de tamanho padrão, com pia, vaso sanitário e cama. Não lhe são permitidos lençóis ou travesseiro, embora o primeiro-tenente Brian Villiard, oficial em Quântico, elogie o material "não-rasgável" permitido. "Eu segurei, senti, é macio, eu dormiria com ele", disse a The Daily Beast.
Ele não está autorizado a fazer exercícios (funcionários de Quântico desmentem isso), mas começou a praticar ioga e alongamento. Durante uma hora por dia, uma TV sobre rodas é colocada em frente a sua cela e ele pode assistir a telejornais, geralmente locais, disse Coombs. Tem permissão para ler notícias também. Numa cortesia de Coombs, Manning tem agora assinatura de sua revista favorita, a Scientific American. A edição de novembro, "Hidden Worlds of Dark Matter", foi a primeira que recebeu.
As condições em que Bradley Manning está sendo mantido poderiam traumatizar qualquer um (ver artigo de Glenn Greenwald na Salon - traduzido - para um resumo das questões jurídicas e psicológicas associadas ao confinamento solitário prolongado). Ele vive sozinho numa cela pequena, sem contato humano. É forçado a usar algemas quando está fora da cela e quando encontra as poucas pessoas autorizadas a visitá-lo uma divisória de vidro o separa delas. A não ser os funcionários da prisão e uma psicóloga, a única pessoa que fala com Manning cara a cara é seu advogado, que diz que o isolamento prolongado está pesando sobre a psique do cliente.
Ao ser preso, Manning foi colocado sob "vigilância de suicídio", mas essa condição foi rapidamente alterada para "Vigilância de Prevenção de Lesões", sendo forçado a essa vida de tédio entorpecente. O tratamento é duro, punitivo e cobra seu preço, diz Coombs. Não há indício de que ele represente ameaça para si mesmo, e não deveria estar detido em condições tão severas a pretexto de sua própria proteção. "O comando baseia esse tratamento apenas na natureza das acusações pendentes e num incidente em que um funcionário da base cometeu suicídio", disse Coombs, referindo-se a um capitão de Quântico que se matou em fevereiro. Coombs disse acreditar que os funcionários mantêm Manning sob vigilância estreita por excesso de cautela. Ambos, Coombs e o psicólogo que atende Manning, têm certeza de que ele é mentalmente saudável.
Manning, de Potomac, Maryland, enfrentará corte marcial pelas acusações de vazamento de informações secretas ao WikiLeaks, em violação do Código Uniforme de Justiça Militar.
Ele planeja se declarar inocente no julgamento.
Seu futuro é incerto. John Conyers, representante democrata de Michigan, em sessão do Congresso na quinta-feira (16/12) sobre o WikiLeaks, pediu calma e resposta equilibrada aos novos desafios que o site representa para o futuro da governança. "Quando todos nesta cidade se unem pedindo a cabeça de alguém é sinal de que precisamos desacelerar e olhar melhor". Ted Poe, republicano do Texas, pediu punição. "Não tenho simpatia alguma pelo suposto ladrão nessa situação", disse, insistindo em que a origem do vazamento seja responsabilizada. "Ele não é melhor do que o dono de loja de penhores do Texas que recebe mercadoria roubada e vende a quem pagar mais".
O destino de Manning será determinado nos próximos meses. O que está claro hoje é que ele está preso sob extraordinariamente duras condições, mais duras do que as de Bryan Minkyu Martin, o especialista em inteligência naval que, alegadamente, tentou vender segredos militares a um agente disfarçado do FBI: ele está preso aguardando julgamento, mas não em confinamento solitário. Manning, que não foi julgado, passou a maior parte do ano incomunicável, como um condenado por crime hediondo. Coombs contesta a legalidade do que chama de “punição preventiva” e trabalha para suspender as restrições.
Denver Nicks é editor-assistente em The Daily Beast
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----- Original Message -----
From: Vila Vudu
Torturar Manning, para pegar Assange
16/12/2010, Glenn Greenwald, Salon
http://www.salon.com/news/opinion/glenn_greenwald/2010/12/16/wikileaks
No The New York Times de hoje, Charlie Savage explica o projeto do Departamento de Defesa para conseguir processar criminalmente WikiLeaks e Julian Assange. Os investigadores federais “estão à procura de provas de que WikiLeaks e Bradley Manning conspiraram e planejaram os vazamentos – tentando descobrir se Assange estimulou ou ajudou o soldado a vazar os documentos. – Em seguida, poderão acusar Assange por conspiração. Assange deixará de ser visto como mero destinatário dos documentos vazados. Para conseguir isso, é indispensável persuadir o soldado Manning a depor contra Assange.”
Há pelo menos dois comentários a fazer sobre tudo isso.
Primeiro, o governo Obama enfrenta um grave dilema: “está sob intensa pressão para que use Assange como exemplo, para deter uma torrente de vazamentos presentes e futuros”, como escreveu Savage. De outro lado, a evidência de que nem Assange nem WikiLeaks cometeram qualquer crime.
Como vários professores da Columbia Journalism School explicam, opondo-se a qualquer tipo de condenação, é impossível inventar teorias que condenem Assange e Manning, sem, ao mesmo tempo, condenar todo o bom jornalismo investigativo. Pretender que WikiLeaks não recebeu e publicou material secreto, mas procurou o material secreto e ajudou os vazadores, é o modo que o Departamento de Justiça tenta inventar para distinguir o trabalho de Assange e WikiLeaks, e o jornalismo “tradicional”
[1].
Como Savage explica, essa teoria implicará que “o governo evitará questões sobre por que não processa e condena, além de Assange e WikiLeaks, também todas as organizações tradicionais de mídia e todos os jornalistas investigativos que também publicam notícias que os governos decidam que não devam ser publicadas – inclusive, claro, o New York Times."
Toda essa argumentação é fictícia, porque essa distinção é totalmente ilusória. Só muito raramente acontece de jornalistas investigativos limitarem-se a esperar que lhes sejam enviadas informações secretas; todos eles trabalham muito para obter seus materiais; não é verdade que só se publiquem informações consideradas secretas quando acontece de haver vazamentos, e tudo amanhecer, de repente, na caixa de e-mails de jornalista perfeitamente passivo e inativo. Praticamente todos os jornalistas vivem em ativa procura de material secreto. Por isso, quando podem, estimulam vazadores potenciais para que entreguem os documentos que tenham, para que seja possível confirmar um ou outro boato, uma ou outra história; jornalistas também trabalham muito para obter que vazadores em potencial concordem com a publicação do material secreto que tenham em seu poder. Consultam outras fontes, para confirmar uma ou outra informação vazada, buscam fontes alternativas de vazamentos, que sirvam, uns, como comprovação de outros.
Jim Risen e Eric Lichtblau contam como asseguraram absoluto anonimato a “quase uma dúzia de militares, da ativa e da reserva”, para conseguir que revelassem o que sabiam sobre os programas de escuta clandestina da Agência Nacional de Segurança de Bush
[2].
Dana Priest diz que falou com vários “militares norte-americanos e estrangeiros”, para conseguir saber o que era o programa “black site” da CIA
[3].
Esses dois trabalhos renderam a esses jornalistas Prêmios Pulitzer – e serviram como poderoso estímulo para que mais fontes procurassem mais jornalistas, todos desejosos de revelar, para que fossem publicados, os segredos aos quais tinham acesso.
Em resumo, é trabalho rotineiro de jornalistas investigativos – de fato, é a definição do trabalho dos jornalistas investigativos – fazer exatamente o que o Departamento de Estado do governo Obama decidiu provar que WikiLeaks fez ou faz.
Para conseguir acusar alguém do crime de “conspiração”, porque vazou documentos secretos ou estimulou que alguém lhe entregasse documentos secretos, o Departamento de Estado prepara-se para criminalizar todo o jornalismo investigativo. Depois, então, o Departamento de Estado do governo Obama tratará de acusar o mesmo jornalismo investigativo também pelo crime de “espionagem”, em todos os casos em que algum jornal publicou informação considerada secreta.
Segundo, a história de Savage parece lançar substancial luz sobre o assunto de minha coluna de ontem, sobre as condições em que Manning continua detido
[4]. A necessidade de forçar Manning a fazer declarações que incriminem Assange – obrigá-lo a dizer que Assange, ativamente, antes dos vazamentos, ajudou Manning a ter acesso e a vazar aqueles documentos – seria motivo óbvio para submeter Manning àquelas condições desumanas: se você quiser melhor tratamento, basta incriminar Assange.
No Huffington Post ontem, Marcus Baram citou Jeff Paterson, que administra um fundo que financia o pagamento dos advogados que defendem Manning, e que teriam dito que Manning está extremamente abatido pelas condições em que está detido, mas que nada ainda se tornara público, para não prejudicar o trabalho dos advogados que tentam negociar melhores condições e tratamento ao preso.
Seja verdade ou não, o Departamento de Justiça parece estar decidido a pressionar Manning para que incrimine Assange. É bizarro, de fato, que o Estado norte-americano considere fazer um acordo com funcionário do próprio Estado para tentar incriminar alguém que nada tem a ver com o Estado, e que publicou informação secreta que qualquer jornalista publicaria. Mas isso explica, pelo menos em parte (embora nem de longe justifique) o motivo pelo qual o governo mantém Manning em condições de tão violenta repressão: para ‘amolecê-lo’, para ‘induzi-lo’ a dizer o que o mandem dizer e que pareça necessário para poder acusar formalmente WikiLeaks e Assange (...).
Bob Woodward, por exemplo, não faz outra coisa na vida além de tentar seduzir, pressionar e até manipular funcionários do governo para que lhe entreguem informação secreta, material do qual produz seus livros. Bob Woodward será também “conspirador” criminoso? Pela teoria do Departamento de Justiça dos EUA, sim.
Tudo isso reforça uma evidência inescapável: não há meio legal pelo qual seja possível processar Assange e WikiLeaks sem, simultaneamente, criminalizar todo o jornalismo, porque o trabalho de WikiLeaks é absoluto e puro trabalho jornalístico, feito de atos jornalísticos: descobrir e divulgar o comportamento secreto das facções mais poderosas do mundo. É essa conduta – não algum suposto crime – que explica por que o Departamento de Justiça tanto precisa, tão urgentemente, processar alguém.
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