terça-feira, 13 de outubro de 2009

Conheça melhor quem é a Cutrale. reprotagem da VEJA, em 2003. Note como eles são modestos..ao controlar 30% de toda laranja do mundo!! - Laerte Braga

A matéria da revista VEJA abaixo é de 2003 e revela como atua a empresa CUTRALE. A GLOBO acusou o MST de terrorismo, mas não falou do terror impostoaos trabalhadores escravos, da depredação do meio ambiente, da compra depolíticos corruptos e da grilagem de terras públicas. É que a GLOBO recebe deles e a VEJA é anterior a ter sido comprada pelo
grupo, nessa época operava a favor de outro grupo.

Edição 1 802 - 14 de maio de 2003
O campeão mundial do
suco de laranja

O brasileiro José Luís Cutrale
e sua família detêm 30% do
mercado global de suco de
laranja, quase a mesma
participação da Opep no
negócio de petróleo

É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.

Alexandre Secco e Felipe Patury
Luiz Antonio Ribeiro
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
O HERDEIRO NO COMANDO
O empresário José Luís Cutrale detesta ser fotografado. Nessa foto ele
foi flagrado na cerimônia de posse do Conselho de Desenvolvimento, em
Brasília

É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.

Apenas em dois momentos específicos da história, no ciclo do açúcar e
no do café, o Brasil controlou amplamente o comércio global de um
produto agrícola como acontece agora com o mercado mundial de laranja.
De acordo com os números mais recentes, 70% do suco consumido no mundo
é plantado ou industrializado por brasileiros. E esse mercado notável
tem um rei. É José Luís Cutrale, detentor de uma marca fabulosa.
Comandando um negócio que foi fundado por seu avô no começo do século
passado e ampliado várias vezes por seu pai, José Luís administra a
Sucocítrico Cutrale, empresa responsável pela venda de um de cada três
copos de suco de laranja comercializados no exterior. Os dados do
setor ignoram o volume da fruta vendida in natura, o chamado suco
natural, inexpressivo em termos globais. Analisados os ramos de
atividade com alguma expressão na pauta de exportações nacional, em
nenhum outro setor da economia se encontram empresários brasileiros
operando nesse patamar. Sua marca individual aproxima-se da
participação coletiva dos países da Opep no mercado de petróleo, que é
de 40%.

Cutrale vende suco concentrado para mais de vinte países, entre os
quais os Estados Unidos, todos os da Europa e a China. Seus clientes
são grandes companhias do padrão da Parmalat, da Nestlé e da
Coca-Cola, dona de uma das marcas de suco de laranja mais populares
nos Estados Unidos. O principal segredo do negócio consiste em
adquirir fruta a um preço baixo - preço de banana, brincam os
fornecedores -, esmagá-la pelo menor custo possível e vender o suco a
um valor elevado. Observado por seus números, o mercado global de
laranja pode não parecer tão impressionante. Movimenta "apenas" 9
bilhões de reais por ano, contra mais de 90 bilhões de reais da soja.
Acontece que o setor gera uma lucratividade elevada, no momento em
torno de 15% do faturamento para os melhores produtores. Para efeito
de comparação, o Grupo Pão de Açúcar apresentou um lucro líquido
equivalente a 2,5% do faturamento. Em anos anteriores, a taxa de
retorno da Sucocítrico Cutrale já ultrapassou a casa dos 70%. A
informação foi confirmada a VEJA por três pessoas: um ex-executivo do
grupo Cutrale com acesso aos balanços e dois diretores de empresas
concorrentes que também se beneficiaram dessa boa fase. O auge da
lucratividade ocorreu nos anos 80. Naquele tempo, a Cutrale podia
lucrar até 800 milhões de dólares, ou 2,4 bilhões de reais -
equivalente ao lucro do Banco Itaú no ano passado.

Cutrale recusa-se a falar sobre a lucratividade da companhia. Há dois
anos, a Receita Federal se interessou pela questão e teve dificuldade
em analisar as contas do grupo. Fiscais de Brasília e São Paulo
procuraram entender como a Cutrale ganha tanto dinheiro. Não
localizaram nenhuma irregularidade. Uma autoridade da Receita relatou
a VEJA que a estratégia para elevar a lucratividade do grupo passa por
contabilizar uma parte dos resultados por intermédio de uma empresa
sediada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Com isso, informa a
autoridade da Receita, a Cutrale conseguiria pagar menos imposto no
Brasil. Trata-se de um mecanismo legal. Foi o que a Receita descobriu
ao escarafunchar as contas da organização da família Cutrale.


Claudio Rossi
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
CONDOMÍNIO EM FORMA DE CORAÇÃO
Alguns diretores da Cutrale vivem neste condomínio em forma de
coração, em um terreno cercado de laranjais em Araraquara, no interior
de São Paulo


Avesso a badalações e ausente das colunas sociais, José Luís Cutrale é
um rosto pouco conhecido fora do mundo dos negócios. A fotografia
exibida nesta reportagem foi tirada numa rara aparição. Ela ocorreu no
Palácio do Planalto durante reunião do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, criado pelo presidente Lula e do qual Cutrale faz
parte. No meio empresarial, no entanto, o nome de Cutrale é muito
comentado. Primeiro pela riqueza que a família amealhou. Alguns
empresários o classificam como o homem mais rico do campo brasileiro.
Ou talvez o brasileiro mais rico de todos os campos. O banqueiro Pedro
Conde, em conversas com empresários amigos, que relataram o que
ouviram a VEJA, referiu-se várias vezes a Cutrale como o homem mais
rico do Brasil. Disse a um interlocutor certa vez que sua fortuna
acumulada equivalia a 5 bilhões de dólares - ou 15 bilhões de reais
pelo câmbio do momento.

A credibilidade da estimativa feita por Pedro Conde advém do fato de o
banqueiro ser amigo do rei da laranja, além de ter sido dono do BCN,
comprado há alguns anos pelo Bradesco, no qual Cutrale concentrava o
grosso de suas operações financeiras. Era o maior cliente do banco.
Procurado por VEJA para falar sobre suas estimativas, Pedro Conde não
deu retorno à reportagem. Outro grande empresário, dono de uma fortuna
de 3 bilhões de reais, diz o seguinte a respeito de Cutrale: "Eu sei o
que é ser rico e não me ocorre nenhum brasileiro que seja mais rico
que ele". Perguntado por VEJA a respeito de sua fortuna e apresentado
ao debate que se dá em torno do tema, José Luís Cutrale diz apenas:
"Sobre esse assunto eu não falo".

Outra razão pela qual o nome de Cutrale freqüenta rodinhas de
empresários é a atuação agressiva da empresa, principalmente em
relação aos fornecedores. Os plantadores de laranja no Brasil têm
poucas opções para escoar a produção. Há apenas cinco grandes
compradores da fruta e Cutrale é o maior deles. Por essa razão, acabam
mantendo com o rei da laranja uma relação que mistura temor e
dependência. Por um lado, precisam que ele compre a produção. Por
outro, assustam-se com alguns métodos adotados por Cutrale para
convencê-los a negociar as laranjas por um preço mais baixo.
Produtores ouvidos por VEJA afirmam que a família Cutrale costuma
fazer enorme pressão para conseguir preços melhores na fruta ou mesmo
adquirir fazendas. "Empregados deles nos visitavam e queriam que a
gente vendesse nossa propriedade. Do contrário diziam que seríamos
prejudicados na safra seguinte", afirmou um produtor que passou pela
experiência de negociar com os Cutrale. Outro fazendeiro relata
história semelhante, pois também foi procurado para vender sua fazenda
de laranja. "Antes de eu ser abordado, minha fazenda foi sobrevoada
algumas vezes por um helicóptero da companhia", diz.

Outra reclamação comum feita a VEJA por produtores diz respeito aos
termos de alguns contratos de compra de laranja. Há três anos, 200
produtores acionaram em bloco a Cutrale. Acusavam-na na Justiça de
descumprir um contrato pelo qual a empresa se comprometia a receber 5
milhões de caixas de laranjas. Segundo os produtores, nos dias em que
eles tentaram fazer a entrega, os portões estavam fechados e a laranja
começou a estragar. Os produtores quiseram ser ressarcidos pelo
prejuízo, mas a Cutrale alegava que não lhes devia nada, já que não
havia recebido a fruta. Os produtores receberam uma liminar para
entregar o produto. Só depois disso a Cutrale aceitou a encomenda. "É
difícil conseguir bons preços tratando com alguém que pode dizer não
até sua laranja apodrecer", conta um produtor que por razões óbvias
prefere não se identificar.

É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem. Divulgação
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
O JATO INTERCONTINENTAL
Uma vez por mês, o empresário José Luís Cutrale dá um giro por Estados
Unidos, Europa e Ásia para monitorar seus negócios. Ele viaja em seu
próprio jato, um Falcon avaliado em quase 100 milhões de reais (à
esq.). Apenas para efeito ilustrativo, a foto mostra uma opção de
decoração sugerida pelo fabricante


Essa linha dura já rendeu à Cutrale discussões legais por formação de
cartel. De 1994 para cá, Cutrale já foi alvo de cinco processos no
Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, a autarquia
encarregada de preservar a concorrência. Ele não estava sozinho no
caso. Foi investigado juntamente com outras grandes indústrias do
setor. Jamais sofreu uma punição. Num desses processos, duas
associações de produtores de laranja denunciaram ao Cade que Cutrale e
outras indústrias estavam se reunindo para combinar preços, o que
prejudicava os plantadores. O desfecho do caso foi amigável. As
empresas assinaram um "termo de compromisso de cessação das
irregularidades" com os fazendeiros, comprometendo-se a não se reunir
para organizar preços. O Cade decidiu que as empresas de suco de
laranja não poderiam se organizar dessa forma.

Em vários aspectos, a indústria de suco de laranja lembra as
empreiteiras. Além de ser um mercado concentrado nas mãos de poucos
gigantes, os dois setores mantêm uma longa história de dependência em
relação ao governo. Nos anos 70, Brasília criou uma linha de crédito
especial para incentivar a exportação de produtos
semi-industrializados. A idéia era usar dinheiro público para
estimular a venda de manteiga de cacau, café solúvel e suco de laranja
em vez de cacau, café e laranja, que são muito mais baratos e dão
menos lucro. Acreditava-se que o comércio exterior brasileiro poderia
dar um salto se o plano desse certo. O governo financiava a produção e
as vendas para o exterior, estabelecia cotas para os exportadores e
definia os preços de exportação. A operação era comandada pela Cacex,
a carteira de comércio exterior do Banco do Brasil. O projeto
fracassou para o cacau e para o café, mas deu certo para a laranja. Um
ex-diretor do Banco do Brasil lembra que José Cutrale chegava a
visitar a Cacex pelo menos uma vez por mês nos anos 70. Um dos mais
poderosos diretores da Cacex, Carlos Viacava, manteve um
relacionamento tão bom com a empresa que acabou contratado pela
Cutrale como diretor quando saiu do governo.

Um ex-diretor do Banco do Brasil conta a VEJA que José Cutrale
costumava levar a mulher, Amélia, para as reuniões de negócios em
Brasília. Com Amélia ao lado, Cutrale conversava com os diretores do
bancão oficial como se falasse com gerentes de agência do interior.
Choramingava tanto enquanto pedia ajuda oficial que, freqüentemente,
ficava com os olhos marejados, segundo relato do ex-diretor. Os
pedidos mais comuns: uma cota maior na Cacex e um preço menor para
exportar suco de laranja.

Há ainda uma terceira razão pela qual Cutrale desperta curiosidade no
meio empresarial. Trata-se de uma certa pitada de excentricidade que a
família demonstra na vida particular. Nas outras empresas, os altos
executivos moram cada qual em sua casa e se reúnem no horário
comercial. Na Cutrale é diferente. A companhia mandou construir um
condomínio fechado em forma de coração ao lado de sua sede, no
interior de São Paulo. Ali vivem alguns executivos da organização. São
dez casas, no total, cercadas por um imenso laranjal. A maior é de
José Cutrale, pai de José Luís, atualmente com 77 anos. O imóvel tem
844 metros quadrados e uma piscina coberta de 250 metros quadrados. As
outras nove casas são de 500 metros quadrados cada uma. São ocupadas
pelos empregados mais estimados por José Cutrale. Quem vive no
condomínio não precisa sequer atravessar o portão para ir ao trabalho.
De uns anos para cá, José Cutrale passou a morar mais tempo num
apartamento na Park Avenue, endereço chique de Nova York.

O primeiro Cutrale a negociar laranja no Brasil foi Giuseppe Cutrale,
que deixou os laranjais da família na Sicília no início do século
passado para tentar a sorte em São Paulo. Começou comprando frutas no
subúrbio do Rio de Janeiro - então a mais importante região produtora
de laranja do país - e as revendia no Mercado Municipal de São Paulo.
Valendo-se de contatos que mantinha com a comunidade italiana em
outros países, passou a exportar fruta para o Canadá, a Alemanha e a
Holanda. Foi a fase meramente comercial do grupo, na qual a família
alcançou um padrão de vida de classe média e comprou uma casa num
bairro operário de São Paulo. O começo da II Guerra Mundial obrigou
Giuseppe a suspender as exportações, e os Cutrale pareciam ter chegado
ao fim. Em 1955, o caçula dos onze filhos de Giuseppe, José Cutrale,
recomeçou do zero o negócio do pai e conduziu a família para o clube
dos bilionários. Na década de 60, com o lucro obtido no negócio,
adquiriu laranjais e uma primeira fábrica de suco concentrado em
parceria com Pedro Conde, do BCN. Fez trinta anos atrás aquilo que os
especialistas pregam nas palestras sobre o futuro da agroindústria:
agregou valor.
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
O PATRIARCA DO IMPÉRIO
A família Cutrale negocia laranjas há mais de 100 anos. José Cutrale
(acima), hoje com 77 anos, herdou do pai um empreendimento quebrado e
em quarenta anos transformou a empresa em um império bilionário


José Cutrale ainda tem poder para interferir nos negócios, mas as
operações do dia-a-dia estão a cargo de seu único filho, José Luís.
Aos 56 anos, José Luís Cutrale atua no ramo há 42, desde que deixou o
colégio, aos 14 anos de idade. "Foi uma das decisões mais acertadas de
minha vida", diz. "Na escola, só tinha meninas de nariz empinado",
conta. Sua primeira missão empresarial foi, sob a supervisão do pai,
tomar conta do caixa da banca de laranja que a família mantinha no
Mercado Municipal, em São Paulo. E suas tarefas foram se tornando mais
complexas, conforme o grupo crescia. José Luís aprendeu inglês,
francês e italiano e, buscando aprimorar-se nos contatos com a
clientela, decidiu matricular-se em cursos de oratória. Atualmente,
para acompanhar os negócios de perto, ele cumpre um périplo mensal que
passa por São Paulo, Flórida, Nova York e Amsterdã. Freqüentemente,
viaja para a Ásia. Para se locomover, ele usa o próprio jato, um
Falcon 900, avaliado em 100 milhões de reais. Os dois filhos, José
Luís Júnior e José Henrique, já trabalham com o pai. Nenhum deles
terminou a faculdade.


Gentil no trato pessoal, José Luís Cutrale recebeu VEJA em três
ocasiões, num total de dezesseis horas de conversa. Nas entrevistas,
chamou a atenção dos jornalistas a elegância do entrevistado. Usava
ternos da grife italiana Ermenegildo Zegna (4.000 reais cada um),
camisas francesas Façonnable (600 reais) e sapatos ingleses Church (a
partir de 1 500 reais o par). Também não passaram despercebidos alguns
comentários estranhos. No segundo e no terceiro encontros, José Luís
contou aos jornalistas da revista que mantinha em seu poder gravações
das entrevistas feitas pelos repórteres com amigos seus e
concorrentes. E que seu diretor jurídico o havia aconselhado a
processar VEJA antes da publicação da matéria. Perguntado sobre a
razão do processo, não deu esclarecimentos.

O mercado de laranja é dos mais concentrados do mundo, tanto do ponto
de vista geográfico quanto do ponto de vista econômico. Cerca de 90%
dos laranjais se situam em apenas dois lugares: o Estado da Flórida,
nos Estados Unidos, e o Estado de São Paulo, no Brasil. Essas regiões
concentram milhares de plantadores que vendem a produção a apenas
quinze empresas que fazem o concentrado para distribuição em escala
mundial. Delas, nove são companhias nos Estados Unidos e seis no
Brasil. Entre as estrangeiras, atuam no setor a Cargill, uma das
maiores empresas de alimentos do planeta, e a gigante francesa
Dreyfus. Entre os competidores nacionais, destaca-se a Votorantim, um
dos maiores grupos empresariais do país. Até a década de 80, as
fábricas americanas mantinham-se na liderança do mercado de suco, mas
uma geada que arrasou os laranjais da Flórida mudou o cenário e o
Brasil assumiu a frente. O grande diferencial entre São Paulo e
Flórida se dá no preço. O custo de colheita e do transporte por caixa
na Flórida é quase quatro vezes mais alto do que em São Paulo. A
diferença se deve principalmente ao peso da mão-de-obra no preço
final, que no Brasil é muito mais baixo. Os Estados Unidos compensam a
desvantagem comparativa com tarifas alfandegárias elevadas. No fim dos
anos 90, Cutrale conseguiu colocar seu pé em solo americano ao comprar
da Coca-Cola duas fábricas de suco localizadas na Flórida. Com isso,
ocupou uma posição estratégica. Ele produz e lucra no Brasil da
mão-de-obra barata e nos Estados Unidos da alíquota alfandegária
elevada.

A laranja é a segunda principal fonte de riquezas da Flórida e o sexto
produto mais importante da pauta de exportações agrícolas do Brasil.
Esse choque de interesses coloca fazendeiros americanos e brasileiros
num permanente estado de guerra, que envolve disputas diplomáticas e
um pesado jogo de acusações. O deputado republicano pelo Estado da
Flórida, Mark Foley, tem como plataforma combater os produtores
brasileiros de suco. Ele defende que o governo americano use satélites
militares para espionar os laranjais no Brasil. Num artigo recente,
Andy LaVigne, diretor da associação dos produtores de suco de laranja
da Flórida, escreveu que os brasileiros "só são competitivos porque se
beneficiaram de vantagens trazidas de um passado de subsídios e
dumping, ausência de proteção ambiental, legislação ineficiente contra
trabalho infantil, desvalorizações cambiais freqüentes, oligopólio e
manipulação dos preços futuros de concentrado".

A compra da fábrica da Coca-Cola por Cutrale tornou o ambiente ainda
mais tenso. Há três anos, um funcionário da Cutrale na Flórida morreu
em um acidente elétrico. O sindicato alegou falhas na segurança e
organizou uma greve que durou seis semanas. Um ano depois, a demissão
de um funcionário com mais de trinta anos de casa gerou nova onda de
protestos. No terceiro episódio da disputa entre os empregados e a
Cutrale, o sindicato denunciou a dispensa de 140 dos 200 funcionários
em represália aos protestos. Há alguns anos, a empresa tentou comprar
uma fazenda para plantar laranja na Flórida. O departamento de meio
ambiente do Estado barrou o projeto alegando que na área vive um
pássaro raro. O negócio foi desfeito e meses depois a fazenda foi
vendida a um rancheiro texano. Cutrale conta que para contornar mais
dissabores desse tipo ele tenta manter uma boa relação com poderosos
locais, como o governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do presidente
George W. Bush. Jeb Bush já o visitou no Brasil e escreveu uma carta
de boas-vindas para José Luís quando a Cutrale comprou suas fábricas
na Flórida. No texto, Jeb Bush agradece a Cutrale por criar empregos
em seu Estado. A carta acabou emoldurada e, agora, decora seu
escritório.

Manter a proximidade do poder é um traço da família Cutrale. Segundo
conta José Luís, ele e seu pai foram recebidos por quase todos os
presidentes da República nos últimos trinta anos. O único que não lhes
deu atenção foi Fernando Henrique Cardoso. José Luís Cutrale
recorda-se de uma cena constrangedora que protagonizou em Brasília,
quando foi encontrar-se com FHC, então ministro das Relações
Exteriores de Itamar Franco. Depois de tomarem um chá-de-cadeira,
Fernando Henrique recebeu ele e seu pai, mas interrompeu a reunião
para ir ao Palácio do Planalto e não apareceu mais. "Ele falou que ia
voltar, mas sumiu", disse José Luís a VEJA. Os Cutrale foram
apresentados ao poder em 1972, quando a empresa foi escolhida a
exportadora do ano. José Luís Cutrale acompanhou o pai na solenidade
de premiação. Coube ao presidente Emílio Médici entregar o prêmio, em
cerimônia realizada no Palácio da Guanabara, no Rio. "Eu e meu pai
estávamos tremendo. Foi a primeira vez que entramos num palácio."
Médici convidou os Cutrale para conversar depois da solenidade. No
meio da conversa, pediu um cigarro a José Luís. Ele lembra que sentiu
um calafrio. Tinha um maço de Minister guardado no bolso da calça, já
meio amassado. Entregou um cigarro torto ao presidente da República,
"igual a cigarro de bêbado". "O presidente fumou aquele cigarro torto,
virado para baixo, e depois pediu outro. Era uma moça" (de
delicadeza).


Fotos Claudio Rossi
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
O REI DO AÇÚCAR

Nome: Rubens Ometto, o maior exportador individual de açúcar de cana do
mundo

Empresa: Grupo Cosan

Faturamento: 2,1 bilhões
de reais por ano

Patrimônio do grupo:
3,3 bilhões de reais

Cutrale soube cultivar um bom relacionamento no Palácio do Planalto.
Gostava muito de José Sarney, mas admirava mesmo Fernando Collor, cuja
campanha financiou. Ainda hoje o considera o político mais preparado
para dirigir o país, "se não fossem aqueles problemas". O encantamento
por Collor o ajudou a enfrentar a crise mais difícil que a família já
atravessou. Em 1990, um tio de José Luís foi seqüestrado e os bandidos
pediam 5 milhões de dólares para libertá-lo. O empresário ligou para o
banqueiro Pedro Conde e pediu o dinheiro. Conde explicou que o Banco
Central proibira os bancos de manter uma quantia expressiva em dólares
no caixa. O governo havia decretado o confisco do dinheiro depositado
nos bancos. Cutrale telefonou para o presidente Collor e explicou a
situação. No dia seguinte, contou José Luís a VEJA, dois carros-fortes
pararam em frente da casa de seu pai, em São Paulo, com o dinheiro do
resgate. "Era tanto dinheiro que foram necessárias duas malas de
viagem Samsonite para acomodar tudo", conta o empresário. Incumbido de
negociar com os seqüestradores, Cutrale acabou libertando o tio em
troca de 1,2 milhão de dólares.

No governo Lula, Cutrale conta que mantém boas relações com o
presidente. Elas se tornaram amistosas depois que, durante a campanha,
Lula o tranqüilizou a respeito do que faria com a economia em caso de
vitória. "Ele me disse que não ia mexer com quem estava produzindo e
que o que ia fazer era colocar o governo para ajudar os pobres.
Acreditei." Num dos encontros com a reportagem de VEJA, José Luís
sacou da pasta um punhado de charutos cubanos da marca Cohiba e
Montecristo para dizer em seguida: "Esses eu estou levando para o
Lula".

A grande preocupação profissional da Cutrale é a Citrosuco, fundada
pelo empresário alemão Carl Fischer, já falecido. A Citrosuco é quase
do tamanho da Cutrale e foi responsável por alguns dos grandes lances
no mercado mundial de laranja. Ela foi pioneira na assinatura de
contratos com fábricas de concentrado de laranja nos Estados Unidos e
também a primeira companhia a operar terminais portuários e navios
especiais para o transporte de suco de laranja. Entrou no mercado seis
anos antes da Cutrale, tinha capital e empregava os melhores técnicos
do mundo. Por vinte anos a Cutrale sempre esteve atrás da Citrosuco. A
virada se deu depois que Carl Fischer morreu, em 1988. Nos últimos
anos a Cutrale fez algumas jogadas de grande ousadia. Enquanto o
concorrente lutava para abrir mercados no exterior, a Cutrale apostou
que poderia ganhar o jogo intensificando a compra de laranjais.
Segundo os especialistas, foi uma estratégia correta. O custo da caixa
produzida em pomar próprio equivale a um terço do preço de mercado.
Cerca de 40% do suco que a Cutrale produz é feito com laranja de seus
pomares. A Citrosuco fabrica perto de 25% de suco com fruta dos
próprios pomares, o que afeta seu lucro. Há dez anos, a empresa
assumiu a liderança do mercado pela primeira vez e teme perdê-la. A
diferença é muito pequena.


É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.
O REI DA SOJA

Nome: Blairo Maggi, o maior produtor individual do grão no mundo

Empresa: Grupo André Maggi

Faturamento: 1,3 bilhão de reais por ano

Patrimônio do grupo: 4,5 bilhões de reais

Em 2000, a Citrosuco fez uma investida pesada para retomar a
liderança. Ricardo Ermírio de Moraes casou-se com uma das herdeiras da
Citrosuco e passou a dirigir a empresa. Ele já havia trabalhado no
negócio de laranja na Votorantim, empresa de sua família. À frente da
Citrosuco, Ricardo moveu uma guerra de preços contra a Cutrale. A base
de seu plano era conquistar plantadores de laranja que mantinham
contrato com a Cutrale pagando a eles preços melhores pelas caixas
colhidas. Frederico Oscar Hotz, presidente de uma cooperativa de
produtores de laranja, confirma o abalo no mercado com a entrada de
Ricardo Ermírio na Citrosuco. "Pela primeira vez existiu disputa de
preço entre os fabricantes de suco", diz Hotz. A ação da Citrosuco
durou cerca de dois anos, mas não funcionou. Os custos subiram, a
lucratividade caiu e a liderança da Cutrale não foi abalada. O ataque
parou depois que a Citrosuco perdeu 1,5 bilhão de reais com o
confronto. O valor do prejuízo foi passado a VEJA por analistas de
mercado que tiveram acesso aos números. Ricardo foi afastado. Seu
sucessor, Norberto Farina, recebeu orientação da família Fischer para
fazer as pazes com o concorrente.

O Brasil rural possui uma presença significativa no comércio
internacional. É o segundo maior exportador mundial de soja, segundo
na produção de carne e o primeiro nas culturas de cana-de-açúcar e
café. Considerados em bloco, os produtos de origem agropecuária
representam 27% das exportações e vão gerar neste ano um superávit
comercial superior a 20 bilhões de dólares. Quando observados em
separado, o Brasil também se destaca em diversas culturas. Além do rei
da laranja, o rei da soja é um brasileiro. Chama-se Blairo Maggi, é
paranaense e se elegeu governador pelo Estado de Mato Grosso no ano
passado. Colhendo o equivalente a 1,3 bilhão de reais em soja por ano,
com produtividade até 30% superior à média americana, detém o posto de
maior plantador individual do grão. É também brasileiro o rei do
açúcar, Rubens Ometto, de tradicional família usineira paulista, cujo
negócio movimenta mais de 2 bilhões de reais por ano. Seu grupo possui
o título de maior produtor individual de açúcar do mundo. São dois
entre muitos casos de sucesso que o campo tem produzido (e continua a
produzir) no processo de retomada de crescimento econômico registrado
dos últimos anos. Se a agricultura continuar a progredir, novos reis
certamente surgirão.

Cutrale e o poder
Roberto Castro/AE
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem. . COLLOR
O caso das malas de dinheiro

Luis Humberto
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem. . MÉDICI
O caso do "cigarro de bêbado"

. JEB BUSH
O caso da carta do governador americano

Antonio Milena
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem. . LULA
O caso dos "charutos do presidente"

Com reportagem de Camila Antunes

Nenhum comentário:

Postar um comentário