sábado, 18 de abril de 2009

A bebê ianomâmi deficiente, deve ser entregue aos pais?

A internação de uma índia da etnia ianomâmi em um hospital de Manaus está criando uma crise institucional no Amazonas. Os pais da criança querem retirá-la do hospital e levá-la para a aldeia. Nesta quinta-feira (16), porém, a Justiça Estadual concedeu uma ordem para que a menina, vítima de hidrocefalia (condição na qual há líquido cérebro-espinhal em excesso ao redor do cérebro e da medula espinhal), permaneça no hospital até ter alta. De outro lado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) ameaça recorrer da decisão para garantir os direitos dos pais da menina. E em meio a tudo isso está o Conselho Tutelar, que teme que a criança seja sacrificada pelos pais quando retornar à aldeia, como parte de um ritual da etnia.

A criança chegou ao hospital levada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da ONG Serviço e Cooperação com o povo Yanomami (Secoya), que faz serviço de atendimento em saúde para os índios desta etnia.

A crise em torno da menina começou no início desta semana. Na última terça-feira (14), os pais da pequena ianomâmi de um ano e meio de idade foram ao Hospital Infantil Drº Fajardo, em Manaus, para tentar retirá-la do local. Ela está internada desde março com hidrocefalia, pneumonia, tuberculose e desnutrição.


A direção do hospital acionou o Conselho Tutelar que, diante das suspeitas de que a criança seria sacrificada por ser portadora de deficiência física, acionou o Ministério Público Estadual (MPE) pedindo a permanência da criança no hospital. Nesta quinta-feira (16), a juíza Carla Reis, da 2º Vara da Infância e da Juventude, concedeu pedido de providências ordenando que a menina fique onde está até que seu quadro clínico seja considerado satisfatório.

A decisão causou indignação do administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Fernandes. "Ela (Justiça Estadual) não tem prerrogativa para julgar esse caso. Questões envolvendo índios têm de ser resolvidas na Justiça Federal. Vamos recorrer ao MPF (Ministério Público Federal) para interceder a favor da família", disse Edgar.

Para a diretora do hospital, Glória Chíxaro, o estado clínico da menina é estável, mas a interrupção de seu tratamento pode leva-la à morte. "O quadro dela, hoje, é estável, mas se for retirada do hospital, seu tratamento será seriamente comprometido e ela pode morrer na aldeia", disse completando que a menina será submetida a uma cirurgia para drenar o líquido de sua cabeça.

Edgar Fernandes discorda do entendimento da diretora e diz que o desejo dos pais da menina de levá-la para sua aldeia é legítimo e amparado pela Constituição Federal. "Os povos indígenas têm direito às suas próprias crenças. Os pais da menina não acreditam mais na medicina ocidental e querem que ela tenha os seus últimos dias na aldeia", explicou.

Para Fábio Menezes, conselheiro tutelar que acompanha o caso, retirar a menina do hospital é sentencia-la à morte. "Na cultura deles, quem tem deficiências deve ser sacrificado. Eles já disseram à Funai que irão fazer isso. A própria Funai já admitiu que isso pode acontecer", disse Menezes.

Ainda de acordo com o documento, para evitar o transtorno de ter um integrante deficiente na aldeia, quando a criança nasce, a mãe realiza um cuidadoso exame e se constatar que a mesma é portadora de deformidade, a mesma é 'descartada'.

Fábio Menezes diz que, apesar da decisão da Justiça Estadual, vai tentar impedir que ela seja levada de volta à aldeia. "Vou tentar uma reanálise do caso. Ela não pode voltar pra lá", disse.

Para o antropólogo Ademir Ramos, o caso mostra, de forma emblemática, o choque entre as culturas indígenas e a ocidental. "O não índio não está discutindo hoje a eutanásia? Essa é uma questão já resolvida para os ianomâmis. Eles precisam de gente saudável na aldeia. Uma criança com deficiência gera uma série de transtornos aos integrantes da tribo", disse o antropólogo.

A juíza Carla Reis defendeu sua decisão ordenando a manutenção da menina no hospital. "Eu estou analisando apenas o fato de ela se tratar de uma criança. Não entrei no mérito de ela ser indígena ou não. Pra mim, ela é apenas uma criança", disse.

A magistrada admite, porém, que a Funai tem argumentos para recorrer de sua decisão. "Se eles quiserem, podem argumentar que a Justiça Estadual não tem autoridade para decidir em casos envolvendo índios. Vai depender deles", disse.

Uma reunião entre Conselho Tutelar, Funai e o Ministério Público Federal (MPF) está sendo realizada na noite desta quinta-feira. O MPF ainda não se manifestou sobre o caso

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