segunda-feira, 22 de junho de 2009

Autoritarismo e alienação - Debate Aberto - Luís Carlos Lopes - Vanderley Caixe


O que assusta no episódio da USP é que isto possa prenunciar o que poderá vir depois das próximas eleições presidenciais. A lógica do porrete aproxima-se velozmente do cenário nacional. Estão de parabéns os estudantes, funcionários e professores que se solidarizaram.
O que ocorreu nos últimos dias na Universidade de São Paulo demonstra, mais uma vez, a permanência do entulho autoritário na vida política e social brasileira. Estudantes, professores e funcionários públicos continuam sendo considerados inimigos do Estado e da ordem. Não podem discordar. Devem aceitar os ditames do poder. Não podem se manifestar, nem mesmo dentro da instituição de que são parte legítima e inquestionável. Se insistem, a polícia substitui a política, a violência fica no lugar do diálogo e da intercompreensão.



Nestes episódios, como em muitos outros, fica patente que ainda não encerramos completamente o velho ciclo da ditadura militar. Ela continua aí, pronta para atacar, logo que chamada a agir. Seus esbirros, mantidos pelo Estado, já não podem metralhar com balas de aço e chumbo, mas podem usar da borracha, do gás e de outras formas de intimidar. Não podem mais torturar - como gostariam - mas continuam a impor a "ordem", dentro da Universidade, bem como nas comunidades pobres, por meio da força militar. Ainda têm a coragem de reclamar de meia dúzia de pedras arremessadas pelo ódio que plantam e colhem.

O que assusta é que isto possa prenunciar o que poderá vir depois das próximas eleições presidenciais. A lógica do porrete aproxima-se velozmente do cenário nacional. Estão de parabéns os estudantes, funcionários e professores que se solidarizaram. São fascistas ou covardes os que se calaram ou tiveram a coragem de dizer que o movimento não tinha legitimidade. Dentre outras barbaridades, chegou-se a dizer que os alunos da USP eram privilegiados frente aos das escolas privadas. Aliás, onde estes estão? Será que não dá tempo de pensar, tendo que pagar grandes mensalidades para obter um diploma e um título formal, isto é, daqueles que são para agradar a família e fazer de conta que se aprendeu algo?

Não se sabe o que se passa na cabeça de tanta gente. O que é estranho é que hoje, diferentemente, dos anos sessenta e oitenta, é impressionante o grau de apatia, de consumismo e de anestesia mental dos jovens e de muitos adultos. Nada mais importa do que o último modelo de celular, a roupa de grife e o faz-de-conta da vida. Afinal, eles também estão na "fauculdade", mesmo que não saibam escrever nada e irão ser, certamente, ‘"deplomados". Se alguém duvidar, basta consultar bobagens similares na Internet, um canal de comunicação também fortemente usado na barbárie do tempo presente.

O problema não é somente que se assassine a língua. O mais grave é o desinteresse por tudo que é realmente importante na vida deles. Imagina-se, no que se refere à vida dos outros. Está-se longe da época onde o "coração de estudante" era também o dos operários e camponeses. Bater ou matar um bastava para atingir a todos. A rebeldia vinha em um átimo, logo que a notícia corria.

Hoje, ao contrário, grande parte dos estudantes foi anestesiada ao nascer. Poucos se importam ou mesmo pensam que são parte da mesma comunidade. Para manter a imunidade de acesso ao "deserto do real", basta que vejam TV, ou que usem de modo pouco inteligente as demais mídias etc. A sociedade em que estes jovens vivem é igualmente anestesiada, dar-lhe-á todo o apoio de que precisam. Nas mídias convencionais e em parte das alternativas encontrarão o mesmo conforto.

Por causa disto tudo, se têm que saudar os que sobraram. Os que não se dobram e continuam a insistir na pureza do "coração de estudante", aqueles que nunca esqueceram independentemente da idade que hoje tenham. Os que acreditam no sonho e na poesia da vida e não a pensam como algo insosso e difícil de engolir. Que venham bombas, balas de borracha, discursos mentirosos, autoridades sem respeito. Que venham todos. Eles não poderão jamais nos destruir.

Luís Carlos Lopes é professor, sempre estudou na escola pública e fez seu doutorado na Universidade de São Paulo, no mesmo prédio bombardeado pela polícia nos recentes acontecimentos.



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