O ex-presidente João Belchior Marques Goulart estaria completando hoje 94 anos de idade. Moniz Bandeira escreveu um livro sob o título O GOVERNO JOÃO GOULART, onde narra todo o processo adverso enfrentado por Jango à época que assumiu o governo, em setembro de 1961, logo após a renúncia do tresloucado Jânio Quadros e até o golpe de 1964. Jânio foi uma das primeiras formas humanas tomadas por figuras que mais tarde se reproduziriam na vida política nacional. José Serra, por exemplo.
FHC não. O ex-presidente é amoral, como todo amoral é cínico, lembra mais uma cascavel em eterno bote, só que agora sem o veneno letal de anos atrás. Serra carrega em si o código genético do janismo, mas esqueceu-se que “maldita pinga” é fundamental nessa história. O resultado é que, abstêmio, torna-se um Jânio sorumbático, perverso – a perversidade do original estava na loucura atenuada pelos porres, ou agravada, sei lá.
Tenho para mim que esse tipo de gente só é possível em São Paulo. Efeito da poluição. Minas, por exemplo, produz figuras tragi/cômicas como Aécio Neves. Aquele tipo de sujeito que numa porta giratória se enrola, gira em torno de si mesmo e sai fora na hora do teste do bafômetro. Se Andréa Neves não estiver por perto para socorrer dá um passo e cai estatelado. Ou então grita por um táxi. “Meu reino por um táxi”.
João Goulart começou a enfrentar desafios com o Manifesto dos Coronéis no mandato de Vargas (1951/54), quando aumentou o salário mínimo em cem por cento. Um dos coronéis signatários era Golbery do Couto e Silva, mais tarde um dos ideólogos do golpe militar de 1964. Não foi um fato isolado, era parte do complô contra Vargas.
Vice-presidente de JK e depois na chapa do marechal Lott (em 1960, Jânio foi o vencedor, mas Jango foi eleito vice, as eleições eram distintas). A renúncia de Jânio levou-o a presidência da República. Num primeiro momento num arranjo que criou um “parlamentarismo híbrido” – definição de Tancredo Neves – consequência da reação de setores militares, mais tarde algozes do presidente e do Brasil no golpe militar.
Brizola foi peça fundamental para que Jango assumisse e a ordem constitucional prevalecesse.
Se formos pesquisar a história dos ministérios presidenciais brasileiros desde a proclamação da República poucos terão tido figuras de tamanho porte como os de Jango.
Evandro Lins e Silva, Hermes Lima, Tancredo Neves, Hélio de Almeida, brigadeiro Rui Moreira Lima, almirante Pedro Paulo de Araújo Susano (talvez o primeiro almirante negro da Marinha do Brasil), Ulisses Guimarães, San Thiago Dantas, Roberto Lyra, Celso Furtado, colaboradores como Josué de Castro, Darcy Ribeiro, ou lideranças sindicais expressivas como a de Clodesmith Riani (deputado estadual em Minas e o principal dentre os fundadores do COMANDO GERAL DOS TRABALHADORES, a primeira tentativa de uma central sindical em nosso País).
Foi no governo de Jango, ainda com Tancredo primeiro-ministro, que se aprovou a lei do décimo terceiro mês de salário.
Ao contrário do diziam os militares brasileiros contrários a Jango e comandados pelo general Vernon Walthers, ex-diretor da CIA, Jango nem era comunista e nem era um político corrupto. Pelo contrário, sua integridade pessoal e no trato da coisa pública eram exemplares. Jango era um homem de classe média rural, mas com um nível de consciência política apurado.
O episódio envolvendo o bloqueio naval a Cuba por conta de mísseis soviéticos instalados na ilha teve uma proposta exemplar do brasileiro. Os soviéticos retirariam os mísseis e os EUA se comprometeriam a não invadir a ilha. Foi feita numa carta ao ex-presidente John Kennedy. Foi uma época que o Brasil era protagonista, voltou a ser com Celso Amorim e hoje retorna ao estágio de colônia com Anthony Patriot e a política externa de Dilma Rousseff.
A intervenção descarada dos Estados Unidos no Brasil começou com um programa de “ajuda humanitária” – prática cínica e despudorada que usam até hoje para subjugar povos inteiros – chamado Aliança para o Progresso. Uma das metas ocultas era esterilizar em massa mulheres no Nordeste. Outra, a de abrir caminho para pastores norte-americanos num processo de formação de pastores brasileiros (já atuavam no Chile), visando reduzir a influência da Igreja Católica, então sob os ventos lúcidos da Teologia da Libertação (anos mais tarde, com a morte de João Paulo I, os norte-americanos perceberam que era mais fácil comprar a maioria dos cardeais de Roma e eleger um papa simpático à “causa”, caso de João Paulo II e agora de Bento XVI, o retorno da Inquisição à Igreja). Comprar o Vaticano, foi o que fizeram.
Ao Brasil, no curso do tempo, legaram Edir Macedo, Crivela, Marcelo Rossi, o cardeal Scherer, etc, etc.
As eleições parlamentares e para alguns governos estaduais e assembléias legislativas de 1962 foram marcadas pela presença do IBAD – INSTITUTO BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA. Organização de extrema-direita, financiada por recursos do programa USAID, uma agência do governo dos EUA voltada para intervenções em outros países.
O IBAD financiou parlamentares de todos os partidos de direita, principalmente a extinta UDN.
O programa que Jango chamou de “reformas de base” – a expressão foi cunhada por Celso Furtado – surgiu no primeiro plano político/econômico de um governo brasileiro. O Plano Trienal, com metas objetivas de crescimento que, entre outras coisas, previa a construção da Hidrelétrica de Itaipu. À época Assis Chateaubriand, versão ainda imperfeita de Roberto Marinho, chegou a saudar os projetos do governo.
As eleições de 1962, ao contrário do que imaginavam os líderes golpistas – civis e militares e o governo dos EUA – marcaram uma expressiva vitória do governo João Goulart. Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco. Leonel Brizola infligiu derrota total ao governador da antiga Guanabara Carlos Lacerda (Brizola, candidato a deputado federal obteve 23% dos votos naquele ano) e lideranças expressivas de forças populares foram eleitas para o Parlamento. Max da Costa Santos, J.G. de Araújo Jorge, Modesto da Silveira, Aurélio Viana e outros tantos.
A bancada do PTB que, até então, era a terceira na Câmara, virou a majoritária.
O líder era Doutel de Andrade, jornalista e um dos mais notáveis políticos brasileiros de sua geração.
No governo Jango surgiram as Ligas Camponesas e foi pelas mãos de Miguel Arraes que Paulo Freire começou a desenvolver, em Pernambuco, a sua Pedagogia do Oprimido (isso assustou aos coronéis fardados e não fardados da extrema-direita, o trabalhador lendo e sobretudo pensando).
Reforma agrária, reforma tributária, reforma urbana (projeto de outro extraordinário homem público, o deputado carioca Sérgio Magalhães), que transformava o aluguel pago a especuladores imobiliários em prestações de compra do imóvel depois de um determinado tempo. Só na cidade do Rio de Janeiro alguns especuladores dispunham de mil apartamentos para alugar.
A efervescência política foi a conseqüência natural de um governo progressista e que se propunha a mexer em estruturas feudais ainda existentes no País (continuam a existir). A reação era óbvia. E dos ventos de liberdade soprados pela revolução cubana.
As forças de direita comandadas de fora para dentro começaram a montar o golpe (tentado em 1954 quando do suicídio de Vargas) e a envolver setores da população sensíveis a uma religiosidade cega e extremada. Foi quando trouxeram ao Brasil o padre norte-americano (ligado a CIA) Patrick Payton para promover a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade.
Aquela história estúpida que o governo estava implantado o comunismo através da República Sindicalista e que comunistas comiam crianças e matavam velhos. Hoje, em Cuba, o índice de desnutrição infantil é zero, a saúde é plena e de excelência e idosos vivem em absoluta dignidade sem ser preciso enfrentar filas homéricas em bancos para receber míseras aposentadorias e pensões e a Rússia que emergiu da União Soviética é um paraíso de máfias e corrupção, pobreza, alcoolismo, tráfico de drogas, toda a sorte de mazelas do capitalismo.
Foi quando nasceu também a REDE GLOBO DE TELEVISÃO, já destinada – financiada pelo grupo TIME/LIFE à época – a cumprir o papel que cumpre. Mentir, distorcer, vender aqui a alienação e o medo como instrumentos para dominar as pessoas.
O comício de 13 de março na Central do Brasil, Rio de Janeiro, marcou uma guinada no governo Goulart. Assinou o decreto que desapropriava terras às margens de rodovias, ferrovias, açudes, rios e lagos, numa extensão de oito quilômetros, todas destinadas a camponeses sem terra e com projetos de financiamento do governo federal. O governador de São Paulo, Ademar de Barros, corrupto e de extrema-direita, tinha o hábito de construir estradas em seu estado, mas antes comprar as terras ao redor das mesmas. Ou grilá-las pura e simplesmente. Ele e o ex-governador do Paraná Moisés Lupion, pai de um dos principais integrantes da chamada bancada ruralista.
Jango estendeu ali o monopólio estatal do petróleo. Desde a prospecção até a distribuição. Nacionalizava companhias que exploravam energia elétrica (as que deixam bueiros explodir e são privadas hoje), foi implementada a ELETROBRAS, enfim, uma sacudida nas estruturas atrasadas do capitalismo brasileiro, inteiramente submisso aos EUA.
Divididas, as forças armadas acabaram sendo controladas pelos golpistas, os mesmos do Manifesto dos Coronéis e o golpe foi desfechado em 1º de abril de 1964. Um expurgo nos quartéis afastou cerca de dois mil e quinhentos oficiais legalistas e ligados a forças populares.
O regime de terror instaurou-se com o propósito de eliminar qualquer risco futuro. Permanecem impunes até hoje os torturadores, os assassinos fardados que das catacumbas do nazi/fascismo que imperou no País hoje se voltam contra o ministro Celso Amorim e a presidente (que não é de esquerda e nem ligada a forças populares) Dilma Roussef para manter a impunidade.
Jango não quis o derramamento de sangue em 1964. Tinha condições de resistir por algum tempo, principalmente a partir do sul, onde Brizola e o general legalista Ladário Teles estavam prontos para isso. Percebeu que fracionaria o Brasil e os norte-americanos entrariam aqui e era esse como continua sendo o objetivo de Washington (hoje entram pelo tal mercado financeiro, pelo controle de estatais privatizadas, por políticas de intimidação, no mesmo viés golpista de sempre, basta olhar o que ocorre e o que fazem contra o governo Chávez na Venezuela).
Os principais porta-vozes na mídia de mercado desse terror nazi/fascista estão “orando” diariamente pela morte de Chávez, por eliminar crianças de rua, etc.
A IV Frota da Marinha dos EUA estava estacionada em águas territoriais brasileiras pronta para ações que se fizessem necessárias. A revelação foi feita pelo jornalista Marcos Corrêa, quando editor do JORNAL DO BRASIL, com base em documentos secretos do governo dos EUA tornados públicos.
Foi demonstrada a descarada intervenção do embaixador da época, Lincoln Gordon e o comando militar dos golpistas pelo general Vernon Walthers. Golpistas de 1964 não deveriam ser julgados só pelo golpe, ou pelas torturas, pelo regime de terror, mas por ato de traição.
Serviram a interesses de potência estrangeira. E como viria a dizer mais tarde o presidente Nixon, “para onde se inclinar o Brasil se inclinará a América Latina”. É do mesmo Nixon a frase em resposta a um dos seus embaixadores aqui denunciando violações dos direitos humanos no governo Médici – “é uma pena, mas o Médici é um bom aliado”.
A peçonha é a característica desse tipo de gente.
É claro que erros de avaliação foram cometidos por forças do governo, aliadas do governo, isso em relação ao poder dos golpistas. Mas nada disso apaga as características do governo João Goulart, do breve governo de Goulart. Um momento agudo da luta de classes no Brasil, ou pelo menos de visibilidade dessa luta. Não era, no entanto, a percepção da maioria da classe trabalhadora, ainda dominada pelo medo gerado a partir das elites.
Goulart não foi vítima de um infarto. Como o general Pratts (Chile), o general José Juan Torres (Bolívia), Juscelino Kubitschek (Brasil) e tantos outros brasileiros e líderes latino-americanos, foram executados numa operação montada pelas ditaduras que permeavam a América Latina como um todo – exceto Cuba – e especialmente a América do Sul. A Operação Condor, destrinchada num excelente trabalho da professora Neusah Cerveira, ela própria vítima de tortura, como seu pai – o major Cerveira, sequestrado na Argentina e assassinado no Brasil pelo coronel Brilhante Ulstra, hoje colunista do jornal FOLHA DE SÃO PAULO. A FOLHA emprestava seus caminhões de distribuição do jornal para desova de corpos de presos mortos na tortura).
João Belchior Marques Goulart merece bem mais que as páginas da História do Brasil lhe dedicam. Foi um brasileiro corajoso e determinado, sensato, mas capaz de enfrentar estruturas medievais, sendo ele próprio um fazendeiro. E cercado de figuras que hoje causariam vergonha à classe política em sua grande maioria. É só lembrar a luta de Evandro Lins e Silva e Barbosa Lima Sobrinho pelo impedimento de Collor.
O legado de Jango é importante e a análise histórica de seu período à frente da presidência do Brasil merece estudos mais profundos e avaliações mais justas.
Há um detalhe e detalhes costumam ser importantes, ou não,
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