Depois da quebra do exercício do monopólio da União pela Petrobrás, no governo de FHC, os interesses privados, e estrangeiros, se impuseram. De lá para cá, o dito monopólio – mantido na Constituição – virou uma quimera.
A atual Lei do Petróleo (nº. 9478/97), em seu artigo 3º, garante que “pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva”. O artigo 4º acrescenta que da pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás, até o refino, importação e exportação, e transportes dos mesmos, tudo é monopólio da União.
Porém, bem ao estilo de nossas tradições formalistas e ambíguas, já no artigo 5º da mesma Lei é definido que “as atividades econômicas de que trata o artigo anterior (…) poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob leis brasileiras, com sede e administração no país”.
O artigo 21 volta a falar do monopólio da União, mas para colocar toda a administração da coisa nas mãos da ANP – A Agência Nacional do Petróleo. E o artigo 23 define que as atividades de exploração, desenvolvimento e produção do petróleo e gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão.
Como golpe de misericórdia – ou de esperteza, dos interesses privados -, o artigo 26 confere ao concessionário a propriedade do petróleo e gás produzidos.
É isso mesmo. Pode parecer contraditório, mas é legal: o monopólio é da União, mas a propriedade é do concessionário.
A “matéria” já foi objeto de uma ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo governo do estado do Paraná. A ação foi estranhamente indeferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Após parecer do relator, favorável à ADIN, e o voto de um primeiro juiz, acompanhando o relator, houve um pedido de vistas do ministro Eros Grau. Dias após, na retomada da votação, a sorte (melhor dizer o azar) é definida, com os votos dos nove juízes que restavam se posicionar sendo contrários ao relator.
Deve ser por essas e por outras que afirmam que o Supremo é uma casa política.
Desse modo o imbróglio está posto. E, para resolvê-lo, muito antes da definição quanto à criação de uma nova estatal, torna-se essencial a revisão desta esdrúxula Lei, feita no auge da ofensiva neoliberal da aliança tucano-pefelê.
De imediato, há de se abolir todos os artigos da Lei, que jogam por terra, na prática e com a devida licença ao STF, o princípio constitucional do monopólio da União sobre o nosso petróleo e gás.
Em segundo lugar, não há o menor cabimento na definição, estabelecida pelo artigo 23 dessa Lei, do regime de concessão para a exploração do petróleo e do gás. Os regimes de partilha – onde o concessionário recebe em dinheiro a parte da produção que lhe couber, ficando a União como detentora de toda a produção física – e a contratação de empresas para a prestação de serviços são alternativas que não podem ser descartadas, como formas mais adequadas para se tratar de melhor explorar as imensas riquezas do pré-sal.
Os liberais, as empresas estrangeiras e os seus porta-vozes já se apressam a alertar que bastaria uma modificação no decreto que define a participação especial da União, para que os “interesses nacionais” viessem a ser preservados.
Certamente, é necessária essa revisão. A chamada participação especial da União é hoje definida como variável, podendo chegar até a 40% da produção. Nos países com grandes reservas, e com políticas prudentes de utilização das mesmas, essa participação chega a 85%.
Contudo, há muito mais a se definir, conforme demonstramos.
O próprio papel da ANP está na berlinda. Se esse é um modelo que deu certo, conforme apregoam os que querem defender os interesses privados, por que haveria a necessidade de uma nova estatal para cuidar do pré-sal?
O ministro Lobão, de Minas e Energia, e o diretor geral da ANP, Haroldo Lima, defensores da idéia, devem uma melhor explicação. Se a Lei é boa, se a ANP bem administra o setor, por que mudar?
A alegação é a de que a Petrobrás é hoje privada, e com forte participação acionária estrangeira.
Mas o fato é que a Petrobrás é a principal responsável por essas descobertas que nos levam à condição de possuirmos uma gigantesca riqueza ainda não explorada. É ela a empresa que melhor detém o conhecimento e a técnica de extração de petróleo e gás em águas profundas. E, particularmente, é ela que melhores condições possui de se avançar em todas as definições – ainda pendentes – para a viabilização de uma produção que terá de extrair óleo a uma profundidade de mais de seis mil metros de profundidade, e tendo de ultrapassar uma grossa camada de sal.
Essa empresa, que é a maior do Brasil, tem hoje 40% de suas ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York.
A ANP, por sua vez, está inteiramente aprisionada pelos interesses de empresas petrolíferas internacionais. Além de ter mantido o processo de licitações dos campos de petróleo e gás, a agência tem entre os seus atuais diretores um ex-executivo da empresa norte-americana Halliburton. Nelson Narciso Filho, conforme informações da própria página da ANP, na Internet, entre maio de 2005 e junho de 2006, foi Diretor Global – Cliente Sonangol da Halliburton Angola, de onde saiu para ocupar uma das diretorias da ANP.
Recentemente, a AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás – denunciou que o banco de dados de exploração e produção da Agência está sendo administrado pela subsidiária no Brasil da Halliburton, a empresa Landmark Digital and Consulting Solutions.
Há informações complementares que dão conta que, contrariando parecer da Procuradoria Geral da República, o contrato com essa empresa não foi precedido de processo licitatório, e que o custo do serviço prestado chega a R$ 600 mil por mês.
Resumo da história. Caso queiramos ter, de fato, condições de administrar o negócio do petróleo de acordo com os interesses nacionais, a atual lei do setor deverá ser alterada, o papel da ANP revisto e, principalmente, haverá de se ter a decisão de um pleno controle nacional sobre o capital acionário da Petrobrás.
Além disso, mecanismos de participação e controle social nas definições gerais da política da empresa seriam essenciais. Mais que uma empresa estatal, é necessário que a Petrobrás seja verdadeiramente uma empresa pública.
A depender da história recente, todo cuidado é pouco.
Paulo Passarinho é economista.
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