quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A natureza da crise e suas circunstâncias para o Brasil por João Pedro Stedile - Parte I - Vanderley Caixe

Boa noite companheiros e companheiras.
Agradeço a oportunidade de estar aqui com vocês, porque sei que se formou, um coletivo de muitos militantes e dirigentes que atuam em diversas esferas da sociedade brasileira e dos movimentos da classe trabalhadora que estão deveras preocupados em debater a situação de nosso país, ainda mais agora diante desse contexto histórico que é marcado por uma situação de crise. E, portanto, acho que a minha obrigação é compartilhar com vocês – os que não estão nessas esferas – para que tenham uma compreensão de qual é o nível do debate que está acontecendo nos movimentos sociais.
Vou dividir a minha exposição em vários capítulos.

1. Leitura dos movimentos sociais sobre a natureza da crise.



Os economistas em geral fazem muitas avaliações, levantando hipóteses, tentando interpretar a natureza da crise. E na imprensa todos os dias há comentários desse tipo e na literatura especializada também há muitos artigos e ensaios. Eu acho que a polêmica maior que ainda pode ter entre aqueles economistas que eu acho que estão em maior número (entre os economistas neoclássicos) e que procuram fazer uma leitura do capitalismo a partir das necessidades do capital, portanto, ideologicamente, se somam aos interesses da burguesia. E esses economistas – acho que já está meio a meio – mas um grande número deles ainda defendem a idéia de que nós estamos vivendo uma crise cíclica, apenas.

E há um outro grupo de economistas, que nós achamos já é majoritário, que defendem que a crise não é cíclica, mas é sistêmica. Qual é a diferença entre as duas, na nossa leitura, mais militante, digamos assim? É que as crises cíclicas, que fazem parte da lógica de funcionamento do capitalismo industrial, portanto nos últimos duzentos anos, de maneira geral, têm ocorrido a cada 10, 15 anos e são de curta duração (em geral, de 3 a 4 anos) e todas essas crises cíclicas eclodem num setor da produção ou apenas em algum país. Essas seriam as características básicas do que se pode chamar de “crise cíclica”. E já andaram fazendo um levantamento, talvez tendo por base os livros do Giovanni Arrighi, que já teriam acontecido mais de 300 crises cíclicas do capitalismo desde a Revolução Industrial pra cá, somadas todas essas que vão acontecendo em cada pais. E portanto eles usam essa estatística pra dizer: “não precisamos nos afobar, isso já aconteceu tantas vezes que nós vamos sair dessa também!”. Aqui no Brasil, podemos classificar, no período mais recente, como crises cíclicas, as que aconteceram na década de 60 - 64, em que houve uma crise do modelo de industrialização dependente; depois nós tivemos outra crise cíclica na década de 80 - 84, que resultou na derrota da ditadura militar com conseqüência; depois no segundo governo do Fernando Henrique, 1998 a 2001, nós enfrentamos uma crise cíclica. Então essas seriam as três crises mais recentes que a economia brasileira enfrentou.

Bem, e há os outros economistas que dizem que estamos diante de uma crise sistêmica, que nesse caso seria uma crise que afeta todo o sistema capitalista, e, em geral, tem sido internacional, ou seja, ela não afeta somente um país ou um setor da economia, mas afeta os pólos centrais da economia capitalista no mundo. E como ilustração dessa crise sistêmica, são citados como exemplos: a crise que ocorreu no final do século XIX (de 1870 a mais 1896), que pra lembrar os mais jovens (que não estavam lá, evidentemente), uma das contradições daquela primeira grande crise sistêmica foi a eclosão da primeira revolta popular-operária – a Comuna de Paris. Depois nós tivemos a crise de 1929 a 1945, que também todos já conhecem, que teve conseqüências muito importantes no capitalismo, na correlação de forças mundial e só se resolveu com a guerra mundial.

Então, nós dos movimentos sociais estamos dizendo que essa crise que estamos entrando agora provavelmente se trata de uma crise sistêmica, e não apenas cíclica. E se é certa essa hipótese (que ainda é uma hipótese, pois estamos ainda no começo dela e podemos estar errados), então seguramente será uma crise prolongada, de no mínimo 5 anos, como José Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia argumenta. E, em média, nós não nos escaparemos de no mínimo 10 anos. Mesmo que o capitalismo queira se rejuvenescer e ingressar num novo ciclo de acumulação, se a crise for de fato sistêmica, eles não conseguem fazer o reajuste em menos de 10 anos.

E também, vários de nossos intelectuais orgânicos têm nos advertido que, além de ser uma crise sistêmica, ela ainda tem algumas características ainda mais preocupantes se comparada com as outras duas.

Pela primeira vez estamos diante de uma crise que não é só internacional, que antes pegava o pólo do capitalismo (EUA e Europa), mas agora é uma crise mundial, que afeta todos os países do mundo. Mesmo a solidária Cuba, se defendendo, resistindo, tentando construir o socialismo, evidentemente está sendo afetada por essa crise. Mesmo o modelo econômico alternativo que o Chávez tenta construir na Venezuela está sendo afetado pela crise. Então ela tem essa natureza que as outras não tiveram, que vai ser uma crise mundial, já está sendo mundial.

Uma característica que vários pensadores agregam é de que ninguém sabe das conseqüências sociais que essa crise terá, porque quando eclodiram as outras crises prolongadas, a maioria da população mundial vivia no meio rural, e como todos aqui – acredito – dominam essa terminologia, o modo de produção dos camponeses não é capitalista, ou seja, o camponês trabalha com mão de obra familiar e ele tem uma outra lógica de produção; a lógica dele não é o lucro, mas primeiro produzir para a sobrevivência e depois vender o excedente no mercado. Portanto, o próprio Marx já tinha chamado a forma camponesa como pré-capitalista, que é verdade, porque essa forma camponesa de produzir bens agrícolas já vem gestada no feudalismo. Então, os camponeses conseguem se proteger mais das crises capitalistas, porque o jeito de produzir não é tipicamente capitalista. Nas outras duas crises, a maior parte da população vivia no campo, e, portanto, conseguia amaciar os efeitos sociais da crise. Agora, pela primeira vez na história, 51% da humanidade mora na cidade, e se tirarmos a Índia e a China, vai pra 70% da população que mora na cidade. Então ninguém sabe mensurar a gravidade dos problemas sociais que uma crise dessa magnitude pode trazer pra essa população, que estando nas grandes cidades, está completamente à mercê da sorte.

A outra característica que todos nos advertem, que também é nova, é que o capital se internacionalizou, se globalizou. Hoje as 500 maiores corporações é que dominam a economia mundial. As 50 maiores corporações têm um PIB, como empresa, maior que os 100 países menores. A sucursal da Petrobrás na Bolívia tem um PIB equivalente a 15% de toda economia nacional da Bolívia. A Vale do Rio Doce tem um PIB uma vez e meia ao PIB do Pará: quem manda mais no Pará, a Dona Ana Júlia ou o Seu Roger Agnelli? Se o Marx tem razão, marquemos nossas próximas audiências com o Roger Agnelli, presidente da Vale, porque ele tem muito mais poder econômico e influência no estado do Pará que a governadora.

Então, voltando à lógica da política, qual é a contradição que está formada? O capital está sendo gerido por forças das grandes corporações. E quais são as medidas políticas que podem enfrentar esse capital a nível internacional? Só um sistema de governança internacional, pra poder botar ordem nesse capitalismo, nessa lógica do capitalismo que circular em nível internacional. E quais são os organismos de governança internacional que nós temos hoje? Todos eles, como dizemos lá no Rio Grande, “mais sujos que pau de galinheiro”, porque todos eles são responsáveis por essa crise. Alguém respeita o Fundo Monetário Internacional? Alguém respeita o Banco Mundial? Francamente, alguém respeita as Nações Unidas? Tem 300 resoluções da ONU sobre a Palestina, Iraque, etc e ninguém respeita. Então, vai ser a ONU que vai regular o capital? É ilusão. Aliás, agora o presidente da Assembléia Geral da ONU, é um antigo militante da esquerda, o padre Miguel D’Escoto, da Nicarágua, está convocando um seminário pelas Nações Unidas para debater a crise e os governos não aceitam. Ou seja, as Nações Unidas não têm cacife para chamar um seminário com os governos para debater a crise, imagine para regular a crise. Então, qual é a contradição que está posta aí? É que o capital é internacional, mas falta um poder político que o regule. Nas outras crises, esse poder político vinha da vitória militar, da guerra. Como agora eles não podem mais fazer guerra mundial (adiante trataremos disso), há uma ausência de poder político que possa regular o capital. Portanto, essa contradição entre o poder econômico e a ausência de poder político pode levar inclusive que a crise se prolongue, ou que a saída seja apenas pelo lado do poder econômico e não das sociedades que estão envolvidas.

A outra característica que eu queria chamar a atenção é de que, durante o século XX, o pólo de acumulação capitalista, do capitalismo industrial, esteve baseado na indústria automobilística. Tudo era em função do automóvel, o automóvel foi a locomotiva da acumulação de capital. Ao redor deles ao formarem as siderúrgicas, as metalúrgicas e os consumidores. E as cidades funcionando apenas para o automóvel. Eu, cada vez que tenho que caminhar a pé em São Paulo fico puto da cara, e quem mora nesse bairro aqui mais ainda, pois até as calçadas não são feitas para o pedestre, são feitas pro automóvel entrar na garagem. Então, eu vivo dizendo pra provocar os paulistanos: amanhã ou depois as funerárias vão oferecer mais esse serviço – o paulistano terá direito de ser enterrado no seu automóvel, com o seu automóvel, porque a paixão que a sociedade industrial criou em torno do automóvel é impressionante! Virou objetivo da vida social, o que é uma ilusão!

Bem, então voltemos a raciocinar juntos. Nas crises cíclicas, por exemplo na indústria automobilística, cai a produção, a taxa de lucro, mas eles dão um jeito de sair da crise e na etapa seguinte de acumulação – o que é normal – volta a indústria automobilística a produzir mais veículos. E volta o lucro e a taxa de acumulação.

Muito bem, então eu lhes pergunto: que tal sair da atual crise produzindo ainda mais automóveis? Será a saída? Não tem saída! São Paulo vocês estão vendo: São Paulo tem 6 milhões de veículos; os físicos já calcularam: se todos os automóveis saírem para a rua, não cabem. Tem que vir a cegonha junto pra ir um em cima do outro. Não cabem todos os veículos em São Paulo se todos eles forem pra rua! Ou seja, é inviável esse modelo de capitalismo industrial baseado no transporte individual. Assim como é inviável, nós termos um novo “boom” de crescimento baseado na indústria automobilística: e o combustível vamos pegar da onde? “Ah, mas o petróleo está estabilizado!” “Tá bom, não dá mais o petróleo vamos para o agrocombustível!” E quanta área agricultável nós vamos ter que plantar de cana? Se aqui em São Paulo já está insuportável com 4 milhões de hectares pra botar 30% do álcool na gasolina, imagine se houver a necessidade de botar 100%? Não há terra! Até o Fidel já fez esse cálculo, não há terra suficiente, pra produzir a cana necessária no mundo, no planeta! Portanto, isso nos leva pra uma reflexão positiva pra classe trabalhadora: que mesmo que o capitalismo saía da crise num novo ciclo de crescimento, certamente, não poderá ser pelo automóvel, pela indústria automobilística. Eles vão ter que inventar outra coisa. E, portanto, as mudanças que virão no novo ciclo, podem afetar os parâmetros atuais de consumo da sociedade.

Bem, e há outros companheiros que também nos chamam atenção sobre as conseqüências climáticas. Porque esse modelo de industrialização, esse padrão de consumo a todo custo pra acumular dinheiro chegou a seus limites da disponibilidade de recursos naturais. Limites não só agrícolas, limites de minério de ferro, limites de transporte, disso tudo. E essa forma industrial de produção está na base das alterações climáticas do nosso planeta, basta ligar a televisão, todos os dias nós temos uma notícia nova. Pra dar um depoimento da minha terra, o Rio Grande do Sul, nos últimos 10 anos, nós já enfrentamos 5 secas. Mas qual é a novidade? As secas no Rio Grande vêm acontecendo no inverno. Todo aquele clima chuvoso que vocês estão acostumados a ver no Rio Grande não existe mais, nós estamos em seca agora em pleno inverno. Cento e dez municípios não têm água pra beber no interior, no interior! As populações estão apavoradas. E, lembra os cientistas não conseguem provar cientificamente, é evidente que isso tem relação com o monocultivo industrial da agricultura, com a forma de produzir voltada mais para a indústria, de acumulação de capital, do que do bem-estar das populações.

Bem, ainda sobre a natureza da crise, um pitaco. Tem havido muito a polêmica aqui no Brasil, sobretudo defendido pelo governo, de que o Brasil não estaria sofrendo essa crise, porque vai crescer 1%, 2% e tal. Qual é a leitura que nós fazemos? É que, se é verdade que é uma crise mundial, no entanto, como é da própria natureza do desenvolvimento desigual do capitalismo e das formas de acumular, evidentemente que os efeitos da crise serão diferentes de país a país, de acordo com o seu tamanho, com o tipo de produção que tem, etc. E evidentemente que o Brasil tem características que o protegem mais da crise, em relação a outros países que são mais dependentes. Me atrevo inclusive a dizer: a Venezuela está muito mais vulnerável à crise, em função de sua dependência ao petróleo, que a economia brasileira. Mas isso não significa que a população da Venezuela vai sofrer mais que a população brasileira. Porque em geral os economistas só se referem a estatísticas econômicas: se a taxa de lucro é menor ou maior, se cresceu ou não cresceu, mas se esquecem das taxas sociais, de como essa crise ta afetando a população.

Então, me atento ainda aos termos econômicos, a maioria das avaliações dizem que alguns países vão sofrer recessão. O que é a recessão? É quando a produção vai caindo paulatinamente, é sucessiva. Imagino que o Pochmann, que gosta desse tema, tenha tratado. É como se fosse uma escada: você a cada degrau vai descer mais um. Isso é a recessão na economia, no PIB nacional. Outros países vão sofrer depressão. Depressão é como se a economia descesse de elevador então. De um ano pra outro, “boof”, caiu 5 andares. Isso é depressão, a quebradeira. Quais foram os países que já tão em depressão no mundo? A Islândia quebrou, está em depressão, caiu do 10º andar, não sabe o que fazer; há outros países lá na África que tão em depressão, mas não são todos. Recessão, pelo que tudo está indicando, a economia dos EUA e as várias economias da Europa. E há um terceiro tipo de comportamento da crise nos países, que nós poderíamos chamar estagnação. Quando há crescimento menor e pois queda. Então a economia cresce 1%, cai 2% e assim vai. A ondulação. Eu acho que a economia do Brasil vai sofrer esse movimento, não da recessão e nem da depressão. Mas, mesmo assim, a tendência é que ao longo dos próximos 5 a 10 anos, no geral, a economia não vai crescer, ela pode crescer 2% um ano, depois desce 1%, e o crescimento demográfico da população ao longo dos 10 anos vai ser maior, como aconteceu na crise de 80, que foi chamada a década perdida.

Bem, então esses são alguns elementos sobre a natureza da crise, da leitura que nós fazemos.



2. Quais são as saídas clássicas que o capital costuma tomar pra sair da crise.



E isso é muito importante os movimentos da classe trabalhadora entenderem, porque é preciso entender como é os capitalistas vão agir. E esses jeitos do capitalista enfrentar a crise são clássicos, eles fazem isso nas crises cíclicas, fazem isso nas crises sistêmicas. Então, se nós da classe trabalhadora queremos proteger nossos interesses, como classe, nós devemos estar atentos, porque a tendência é os capitalistas repetirem as mesmas fórmulas que eles já experimentaram em outros períodos da história.

Quais são essas saídas clássicas do capital?

Primeiro, eles precisam, durante a crise, destruir o capital acumulado. Porque a natureza fundamental (espero que isso os outros professores tenham explicado) é que a crise é gerada também por uma super-acumulação, que faz com que a classe trabalhadora não tenha dinheiro (que a renda foi lá concentrada com eles) pra continuar comprando os bens que ela mesma produz. Então o capital pra sair da crise e entrar num novo ciclo de acumulação, ele precisa destruir esse capital sobrante. E ele destrói de mil e umas formas. Nos noticiários atuais, vocês devem ter acompanhado, já foram destruídos nos EUA 4 trilhões de dólares. Alguém perdeu. Muito mais gente perdeu porque foram destruídos 4 trilhões que estão na forma de dinheiro, na forma de papel. Aí alguém de vocês pode dizer: “Mas foi nos Estados Unidos”. Tá bem vamos pro Brasil aqui. O Fundo de Previdência dos Bancários, espero que não tenha nenhum bancário aí o Fundo de Previdência dos Bancários que aplica o seu dinheiro em ações perdeu nessa crise, em 6 meses, 28 bilhões de reais. Perdeu! E daqui a 10-15 anos quando parte da categoria precisar desses fundos pra complementar a aposentadoria, vão se dar conta da crise lá de 2009.

Segunda forma do capital agir é que eles sempre, em época de crise, aumentam a exploração dos trabalhadores. É lógico! Se a taxa de lucro na crise cai, pra eles se recomporem e voltarem para um novo ciclo, eles precisam recompor a taxa de lucro; pra aumentar a taxa de lucro, eles têm que aumentar a exploração sobre os trabalhadores. Como fazem isso? Baixando o salário médio, aumentando as horas extras, aumentando a produtividade do trabalho, enfim, eles têm 300 mecanismos pra arrochar a classe. E com isso eles recompõem a taxa média de lucro e com essa acumulação então vão pra frente.

Terceiro mecanismo deles. Nesses períodos, aumenta a transferência de capital da periferia do sistema para o centro. Esses dias eu li nos jornais por aí de que no período anterior os capitalistas tinham aplicado na periferia 1,5 trilhões de dólares, como capital financeiro aplicado em ações, em especulação geral. E que com a crise, eles tiveram que refluir, esse capital todo voltou, e que hoje nós teríamos aplicado na periferia apenas 180 bilhões.

Quarto mecanismo deles, a guerra. Em todas as crises eles apelam pra guerra, porque a guerra, como Marx já tinha explicado, é o mecanismo mais rápido de você destruir o capital. Destrói o capital quando você joga uma bomba num colégio como esse (que Deus me livre e a Madre Cristina nos proteja). Mas ao destruir um prédio como este, tem que depois reconstruir. Todo esse capital aqui vai pra fumaça. Quando tu solta a bomba aquela bomba custou trabalho, tem dias de trabalho pra construir a bomba; quando ela explode, explodiu os dias de trabalho. E quando ela mata pessoas, ela não mata qualquer pessoa, ela mata seres humanos que iriam produzir riqueza. Então, é também na linguagem deles, a forma de destruir capital-recursos humanos, capital-força de trabalho. Então a guerra sempre foi um mecanismo que eles usam. Agora nós estamos salvos, em parte, porque é impossível ter guerra mundial, por causa das armas atômicas. Mas isso não nos livra da saída: não é por acaso que eles têm aumentado o estímulo desses conflitos bélico-regionais. Seja na África, lá no Sudão. Esses dias li na internet que inclusive essas quadrilhas de piratas da Somália não têm nada a ver de beduínos doidos que resolvem atacar um transatlântico, por trás deles tem toda uma indústria bélica, que fornece a eles, de míssil, e outras coisas. Assim foi o ataque a Gaza, que, claro, se somou aos interesses da direita israelense que queria ganhar as eleições e dar uma lição aos palestinos, mas se somou o componente econômico. Tanto é que imediatamente depois das eleições a Hillary Clinton chamou uma reunião no Cairo, onde se reuniram as empresas capitalistas e disse: “tá bom, desculpa viu palestinos, nós vamos reconstruir as casas de vocês. Tá aqui 4 bilhões de dólares, mas as empresas que vão construir são nossas. Nenhuma empresa palestina vai reconstruir casa...”. Então Gaza pagou o preço pela crise. E todo esse tensionamento que eles tão fazendo agora com o Paquistão, o Irã e com a Coréia do Norte, é claro que eles não vão fazer uma guerra com o Irã, mas isso estimula a corrida armamentista. Isso estimula as compras de armas. Um companheiro nosso, da esquerda israelense, tava lá no Fórum Social Mundial em Belém e deu um depoimento que deixou todos nós emocionados, porque ele falou que lá em Israel, o exército de Israel bombardeava uma comunidade, um prédio palestino, filmava tudo, registrava os mortos e a destruição. E 24 horas depois tava na página da internet do exército como propaganda: “Olha o nosso míssil aqui. “Ele fez essa trajetória de 50 km em tantos segundos”, “não permitiu defesa”, “ele destruiu um prédio de 10 andares, matou 10 pessoas, se tiver interesse em comprá-lo, tá aqui o endereço eletrônico”. Ou seja, eles usaram inclusive a guerra de Gaza – não foi guerra, foi massacre de Gaza – como propaganda das armas, que evidentemente não são empresas israelenses, é tudo conjugado com o capital internacional. Então, o mecanismo da guerra está presente sim, embora de uma maneira mais dissimulada.

Quinto mecanismo que eles usam é o Estado. O Estado é usado agora, mais do que tudo, como o grande agente que pode, de uma maneira compulsória, recolher a mais-valia, ou a poupança individualizada, pequena, de cada um dos habitantes, amontoa num canto só e repassam pro capital. E isso eles têm feito aqui no Brasil, e em vários países do mundo, com a chamada política do superávit primário. O que é o superávit primário, que nem o Willian Bonner sabe explicar lá no jornal nacional? Porque eles não querem explicar para a população. O superávit primário, o governo recolhe, através dos impostos, na Receita Federal, o dinheiro de todo mundo, amontoa lá no Tesouro e na hora de gastar, ele separa 30% de toda receita de impostos no Brasil, que são transferidos pra bancos privados, na forma de pagamento de juros de títulos da dívida pública. Isso é o papel do Estado.

Segundo exemplo. Nisso o governo Lula tem sido didático em nos ajudar a compreender o papel do Estado. Que quando nós estávamos discutindo lá em Belém a saída da crise, o Meirelles tava em Davos acalmando os bancos internacionais dizendo: “ó, já assinei uma portaria autorizando que 40 bilhões das reservas em dólar que o Brasil tem depositadas em Nova Iorque, as empresas que são devedoras com vocês, podem acessar esses recursos públicos e pagar vocês”. Todo mundo bateu palma: “isso que é presidente de Banco Central, nós queria ter um assim aqui no Estados Unidos”. Então isso é um mecanismo concreto, 40 bilhões de dólares, façam a conta aí, 40 bilhões em nossa reserva, uma portaria do Banco Central passa pras empresas.

Depois da reunião do G-20, outro exemplo ilustrativo: quando, emocionado pela frase: “esse é o cara”, o governo autorizou repassar pro FMI, 10 bilhões de dólares. E a imprensa brasileira noticiou como se fosse um empréstimo, “olha como nós tamo ban-ban-ban, estamos emprestando...” Ilusão! Aquilo não foi empréstimo, foi complemento de cotas, portanto nunca mais vai voltar. A única coisa que o Brasil teve de vantagem naquilo é que os seus votos no FMI (que o FMI funciona como um banco privado que os governos são sócios, então os votos é pela quantia de capital) passaram de 05 pra 06% com esse aporte a mais de capital. Grande mudança na correlação de forças!... Mas agora some 10 bilhões de dólares, se fossem aplicados aqui no Brasil, o quanto representaria de casa, de Reforma Agrária, se quiserem. Então esse é o papel do Estado: recolher dinheiro de todo mundo, que a gente nem percebe, porque é via impostos, via outros mecanismos, e canaliza isso pro capital.

Sexto mecanismo do capitalismo sair da crise é mudar o padrão tecnológico de produção. É o momento que eles, mesmo tendo lucro, usam a crise pra botar na rua o operário e reformular o processo produtivo de modo que aumente a produtividade do trabalho. Olhe a reunião do Conselho de Administração da Vale. A Vale, como a maioria das empresas, reúne seu Conselho de Administração uma vez por mês. A reunião do Conselho de Administração da Vale de fevereiro, final de janeiro, que coincidiu também com o Fórum, por isso eu guardei bem. A reunião teve 2 pontos de pauta. 1º ponto de pauta: prezados colegas capitalistas, acionistas da Vale, nós estamos com um problemão aqui, o lucro líquido do último trimestre foi de 2 bilhões e meio de reais. Então, nós temos que decidir, vamos reinvestir, ou vamos dividir entre os acionistas? Diante da crise, é um problemão né! Como nós vamos dividir 2 bilhões e meio de lucro do TRIMESTRE da Vale? Ta bom, decidiram (nem sei qual foi a decisão), que isso eles não dizem... Segundo ponto de pauta: a demissão de 2.500 trabalhadores. Até o número era meio parecido, só mudava o zero, né... Bem, então, que isso revela? As empresas, mesmo não estando em crise contábil aproveitam o período da crise pra fazer seus reajustes na matriz tecnológica. Que isso quer dizer? No jeito de fazer mais rápido os produtos com menos trabalhadores. Todos – e fiquem atentos – todos os dias têm exemplos desse nos cadernos de economia, em especial no Estadão e no jornal Valor Econômico. São os únicos dois jornais que eu leio pra saber o que a direita pensa, porque o resto são fofoqueiros...

Por último, entre os métodos do capital pra sair da crise, é a apropriação privada dos recursos naturais. O que está acontecendo e nós no Brasil estamos sendo vítimas? A Rosa Luxemburgo, num brilhante trabalho sobre a acumulação originária, ou primitiva, dependendo da tradução, ela tinha explicado esse mecanismo. Os bens da natureza quando tão lá, parados, seja o minério de ferro, o petróleo, as árvores, a água, que depois vai virar energia elétrica, lá na natureza, eles não tem valor. Acredito que aqui todo mundo domina essa terminologia. Os bens só tem valor, do ponto de vista econômico, quando é fruto do trabalho, ou seja, o valor é medido pelos dias de trabalho que você bota neles. Então ta lá a árvore, fruto da natureza, quieta. Qual o valor da árvore quieta? Nada. Não tem valor nenhum, ela é fruto da natureza, não do trabalho. Qual é o valor de uma mina de minério, lá embaixo? Nada. Não tem valor nenhum, mas quando você se apropriar dela, botar um pouquinho de trabalho humano e a transforma numa mercadoria, adquirem um alto preço e se transforma as mercadorias que dão a mais alta taxa de lucro. Quanto mais o capitalismo se desenvolve, maior é a diferença entre a taxa de lucro da apropriação daquele bem da natureza (que ainda não tem valor) com poucos dias de trabalho, e preço pago pela sociedade. Porque em geral, aqueles bens da natureza são finitos e limitados. Minério não é pra vida inteira. Então, só pra vocês terem uma idéia, que nó viemos agora de nossa escola sobre o seminário de monocultivo de eucalipto. Os companheiros que atuam por lá, os operários da Aracruz nos explicaram. Sabe qual é o custo de produção pra plantar eucalipto e transformar em pasta de celulose (ainda não é o papel)? O custo de produção é 70 dólares a tonelada. Sabe quanto ela vendia a tonelada da pasta de celulose antes da crise? A 850 dólares. Isso dava uma taxa de lucro de 700%. Segundo nosso amigo, saudoso Celso Furtado, nem na escravidão. Na época da escravidão, a taxa média de lucro da exportação de açúcar era ao redor de 400%. A Aracruz, em pleno século XXI, está tendo um lucro de 700%! Aí veio a crise, eles tão vendendo a 550 dólares. Coitadinhos! E o custo de produção continua 70 dólares. Por quê? Por causa dessa apropriação de recurso da natureza que deveria ser pra todos. As árvores são de todos, o minério de ferro são de todos, o petróleo que está aí no pré-sal é de todos nós. Então deveria ser distribuído socialmente. Então, o que acontece na crise? As empresas procuram no período de crise se apropriar juridicamente desses bens. Elas não tem capital ainda pra explorar, porque tão em crise, não têm capital sobrante pra fazer isso, mas elas procuram juridicamente, digamos assim, tornar aquilo propriedade privada, dos bens parados na natureza. Para se preparar pro próximo ciclo. Aí quando vier um novo ciclo de crescimento econômico, de acumulação, vai ter capital, e aí eles vão explorar, e aí eles vão ter essas altas taxas de lucro que, como dei o exemplo da celulose, vocês podem ter uma idéia. Então, o que nós estamos assistindo no Brasil? É uma verdadeira ofensiva, da qual os deputados são meramente marionetes do capital internacional, porque tão tentando mudar a legislação ambiental, mudar a legislação da Amazônia, faz parte desse movimento do capital de se apropriar.

A semente transgênica é outro mecanismo jurídico de privatizar a propriedade da semente que, ao longo da humanidade, foi um patrimônio da humanidade. Alguém pode dizer: “Eu sou dono da semente de milho”? Ninguém! Milho é de todo mundo. Qualquer um pode pegar o milho e plantar. Pois bem, mas pela lei de patentes, se você fizer uma variedade de milho transgênico, você fizer uma mutação genética, você vai lá, registra, e vai aparecer lá: esse milho é da Bayer, esse milho é propriedade privada da Monsanto, e daí pra diante, todo mundo que se atrever a plantar aquele milho, tem que pagar royalties pra Monsanto, pra Bayer, pra Basf. Então, semente transgênica, não tem nada de aumento de produtividade, num tem nada de ciência, é a maior picaretagem que tem, maior enganação. No fundo, o que tem por trás da semente transgênica é essa apropriação, essa propriedade privada, que a lei de patentes garante . Se não houvesse lei de patentes, ninguém se preocupava, em ficar disseminando semente transgênica. Aliás, foi a primeira mudança que o Fernando Henrique fez no seu governo. Primeira Lei que ele mudou no Brasil foi a lei de patentes, em maio de 1995. E a lei de patentes circulou no Congresso em inglês, distribuída pela embaixada norte-americana. Se alguém tem alguma dúvida a que interesses representava, porque o senador, lá da Paraíba, recebeu da embaixada e não se deu ao trabalho de traduzir qual era a lei que a embaixada americana queria. E evidentemente que o Fernando Henrique aprovou depois com uma canetada.

Vou mais rápido agora que ainda não entrei no tema. Isso tudo é introdução. Pra vocês se lembrarem dos outros professores.









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[1] Palestra no Curso de Especialização sobre a Crise. Promovido pelo curso jornalismo da PUC-SP/CEPIS/ENFF. João Pedro Stedile – 27 de maio de 2009


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