sexta-feira, 15 de maio de 2009

BRASIL DE FATO - A América pelo fim da escola de assassinos- por Michelle Amaral da Silva Por wanderley Caixe

Formadora de torturadores das ditaduras que se espalharam há décadas pelo continente, Escola das Américas mudou de nome, mas continua existindo
14/05/2009 Cristiano Navarro

da Redação

No dia 25 de fevereiro de 1982, o povo chileno recebeu a notícia de um dos mais brutais crimes cometidos pelo Estado. Tucapel Jiménez, dirigente sindical e militante do Partido Radical, foi barbaramente assassinado, com cinco tiros na cabeça e três cortes na garganta, por membros da Central Nacional de Informação (serviço policial de inteligência durante a ditadura do General Augusto Pinochet). O impacto do crime expôs a crueldade do regime e forçou o debate sobre a redemocratização do país.




Em outubro de 2000 – dez anos depois do fim da ditadura –, Carlos Herrera Jiménez, então major do exército, confessou, em júri, ser o comandante da operação que levou ao assassinato do sindicalista. As técnicas aplicadas por ele lhes haviam sido ensinadas no Panamá durante sua formação na Escola das Américas.




O treinamento do militar e o contexto em que ocorreu a trágica morte do militante não era exclusividade do Chile. A ditadura no país fez parte de uma aliança político-militar entre regimes militares de Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai que recebeu o nome de Operação Condor e que, segundo historiadores, vitimou cerca de 50 mil pessoas.




Com outro nome. Em outro país. Sob outra conjuntura histórica, mas não tão distante no tempo para que as feridas históricas já estivessem cicatrizadas, a escola que ensinou Herrera e outros torturadores, assassinos e ditadores de toda América Latina segue recebendo e formando militares de diversos países.




Os atuais pupilos de Pinochet

Com o nome de Instituto de Segurança e Cooperação do Hemisfério Ocidental (Whinsec, na sigla em inglês), a escola se encontra hoje em Fort Benning, na Geórgia, Estados Unidos, e recebe do Chile o maior número de militares, 208 no ano passado.




Atualmente, Tucapel Jiminez Hijo, filho do sindicalista assassinado, é deputado membro da comissão de direitos humanos da câmara no Chile. Em sua função, o deputado tem pressionado o governo de Michelle Bachelet para que deixe de enviar militares para a Escola das Américas. “Nunca houve, nem há porque encaminhar nossos militares para esta escola que historicamente trouxe tanta tristeza a todo continente”, contesta Tucapel.




Se a participação de militares chilenos não é compreendida pelo deputado, o próprio governo do país parece não ter justificava. Há pelo menos cinco anos, a advogada de organizações de direitos humanos, Alejandra Arriaza, questiona, por meio de cartas, o Estado chileno e o governo estadunidense, através do Pentágono, sobre quais as formações recebidas pelos alunos da atual Escola das Américas.




Depois da insistência da advogada, no ano passado, o governo do Chile respondeu que seus militares iam aos Estados Unidos para formarem-se em “cursos especiais para sargentos e suboficiais”. Já o Pentágono respondeu que eles recebiam formação em cursos na área de direitos humanos e saúde, e que os mais procurados eram as aulas de liderança.




Viagem cancelada

Com o impasse de informações entre o governo chileno e o Pentágono, uma comitiva formada por seis congressistas (três governistas e três da oposição), quatro representantes da sociedade civil e representantes do governo agendou viagem para abril deste ano à Escola das Américas.




No entanto, uma semana antes, o governo chileno cancelou a viagem sem dar justificativa. “Não houve sequer comunicado para os representantes da sociedade civil, nem para os deputados que eram parte da delegação”, reclama a advogada.




“Não entendemos a posição do governo de Bachelet, que também sofreu com a Escola das Américas. Esse tema, como o da reparação das famílias e o da busca por desaparecidos, é muito importante para nossa democracia”, cobra Tucapel, que participaria da delegação.




A Escola dos Horrores




Fundada em 1946, em Fuente Amador, Panamá, com o nome de Centro de Adestramento Latinoamericano do Exército dos Estados Unidos, a base de formação de militares foi criada pelo governo estadunidense para influir na política militar dos demais países do continente. A partir de 1963, o centro passou a ser chamado de Escola das Américas.




Em 1984, depois de uma acordo entre Estados Unidos e Panamá, a instituição se mudou para Fort Benning, na Geórgia, no país da América do Norte. Depois de mobilizações pelo seu fechamento, em 2001 a Escola das Américas mudou de nome, passando a se chamar Instituto de Segurança e Cooperação do Hemisfério Ocidental (Whinsec). Apesar de o Brasil não enviar mais militares para o local, as Forças Armadas brasileiras seguem recebendo cursos ministrados por seus oficiais.

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Resistência dentro do Império
por Michelle Amaral da Silva última modificação 14/05/2009 16:38
Há dez anos, no mês de novembro, milhares de pessoas marcham em frente à Escola das Américas e exigem seu fechamento

14/05/2009 da Redação
No continente americano, a pressão pelo fechamento da Escola das Américas não vem só do sul. Há mais de dez anos, no mês de novembro, milhares de pessoas marcham pelas ruas da base militar de Fort Benning em protesto pelo fim da instituição. Todos os anos, após a manifestação, é feita uma vigília que celebra a memória das vítimas dos formandos. Em 2008, a marcha contou com cerca de 20 mil pessoas.
Ali, durante horas, os nomes de centenas de vítimas são chamados. Após cada um deles, os manifestantes respondem: Presente!
Segundo Charity Ryerson, militante do movimento School of the Americas Watch (SOAW – Observatório da Escola das Américas), “a vigília serve para aprofundar o entendimento da crise provocada pelo governo estadunidense em toda a América”. Participam das manifestações organizações de direitos humanos, defensores do comércio justo, religiosos, universidades e colégios, grupos anti-capitalistas, indígenas, sindicalistas, imigrantes.
Até 2001, os manifestantes costumavam ocupar a parte de dentro da escola. Hoje, isso já não acontece mais. Charity explica que, depois dos ataques de 11 de setembro, o exército aumentou a repressão construindo uma cerca que impede a entrada das pessoas.
Repressão contra manifestantes
Com a proibição, mais de 200 pessoas foram presas de 2001 até o ano passado, e quase todas por “cruzar a linha”, ou seja, entrar na base sem autorização. Em novembro de 2002, junto com outras 85 pessoas, Charity cruzou a linha. Por essa desobediência civil, a militante foi condenada judicialmente por um ano e meio – tendo que cumprir seis meses de reclusão em uma prisão federal e um ano cumprindo pena em liberdade. “Usamos essa forma de resistência para denunciar a urgência do assunto, e mostrar que existe gente comprometida, como dizemos por aqui, dentro da barriga da besta”, declara.
Apesar da repressão, o movimento nos Estados Unidos pelo fechamento da Escola das Américas cresce, e sua pressão começa a fazer efeito. Em 2008, o projeto de lei nesse sentido, proposto pelo congressista estadunidense James P. McGovern, não foi aprovado por seis votos. No entanto, com a nova configuração do Congresso, agora com maioria democrata, a proposta deve entrar em votação no final deste ano com maior chance de aprovação.
Confiante no novo quadro, Charity aposta: “podemos ver um progresso claro. Temos certeza do fechamento, e depois dele, iniciaremos campanhas contra os outros campos de treinamento militar, tanto nos Estados Unidos como na América Latina, até que o último seja fechado”.
Dentro da sociedade e do Congresso estadunidense, os defensores da escola alegam que ela deve ser mantida porque cria vínculos estratégicos entre o exército do país e os das outras nações; além disso, alguns conservadores acreditam que a instituição de ensino não existe mais: o que há, agora, é o Instituto de Segurança e Cooperação do Hemisfério Ocidental, que deve ser mantido.
Uma herança maldita
Desde o fim da década de 1980, o Brasil não envia militares para a Escola das Américas. Em suas campanhas, o movimento SOAW conseguiu convencer os governos da Argentina, Uruguai, Venezuela e – em 2008 – da Bolívia, a seguir o exemplo. Além do Chile, México e Colômbia são países que seguem enviando militares à instituição.
No entanto, fechar a Escola das Américas ou parar de enviar militares a ela não significa cessar sua influência geopolítica na Americana Latina. Dados levantados pelo SOAW indicam que, ao longo de seus 63 anos, cerca de 64 mil militares graduaram-se em seus cursos.
Na opinião do padre jesuíta estadunidense José Mulligan, membro do SOAW, os cursos da Escola das Américas miram interesses econômicos privados. Em entrevista coletiva em Santiago, ele afirmou à imprensa que as aulas têm o intuito de “proteger os interesses econômicos das grandes corporações dos Estados Unidos, como aconteceu no tempo de [Salvador] Allende, quando se utilizou as Forças Armadas para dar o golpe em 1973, e como também aconteceu com o presidente Hugo Chávez, na tentativa de derrubá-lo [em abril de 2002]. Em ambos os golpes, seus promotores eram graduados nas Escolas das Américas”.
O SOAW aponta, ainda, a presença de lideranças formadas pela Escola das Américas nas violentas repressões dos movimentos de populares de Chiapas e Oxaca, no México, bem como na frente da guerra do governo colombiano contra as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc). (CN)


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