terça-feira, 19 de maio de 2009

Galibi-Marworno - outra etnia galibi - Gilberto Adamatti


Os Galibi-Marworno, habitantes das vastas savanas e campos alagados do norte do Amapá - país de aves brancas e jacarés sombrios - se dizem um povo "misturado e unido". A comida é simples e sadia: peixe, farinha e tucupi. Nas festas não pode faltar o caxiri, vinho dos índios, dos xamãs e dos espíritos karuãna. A Festa Grande é de Santa Maria, o axis-mundi é o mastro do Turé, a Cobra Grande a lenda mais querida, mas o herói mesmo é Iaicaicani.

Galibi-Marworno é uma auto-designação bastante recente, que se cristalizou principalmente na última década. Ela veio substituir em alguns contextos o termo "Galibi do Uaçá" ou, simplesmente, "do Uaçá", "Uaçauara" ou "mun Uaçá" ("gente do Uaçá", em patois). Os que assim se auto-denominam constituem um povo oriundo de populações etnicamente diversas: Aruã, Maraon, Karipuna (falantes da língua geral derivada da tupi), "Galibi" (falantes da língua geral derivada da galibi) e até não-índios.

O primeiro termo componente da auto-denominação, Galibi, decorre da aplicação desse nome, por parte da Comissão de Inspeção de Fronteiras e do Serviço de Proteção aos Índios, a toda a população do rio Uaçá. Entretanto, os Galibi-Marworno não se identificam e nem reconhecem parentesco com a população Galibi da costa da Güiana (que atualmente se designa Kaliña) e que tem um pequeno número de famílias habitando as vizinhanças do rio Uaçá: um grupo que migrou da Güiana Francesa na década de 1950 e se fixou na margem brasileira do curso inferior rio Oiapoque.

Por sua vez, o segundo termo componente da auto-denominação, Marworno, está relacionado à atuação de agências de assistência e reflete um movimento mais recente das últimas três décadas. Fazendo referência a uma das etnias ascendentes da atual população, os termos Maruane ou Maraunu começaram a ser utilizados pelos vizinhos Palikur e Karipuna na tentativa de marcar alteridade em relação às famílias Galibi-Kaliña.

No movimento das assembléias políticas e da criação da Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque (APIO), essa diferenciação ficou mais cristalizada no termo composto Galibi-Marworno. É, ainda, uma auto-designação utilizada em contextos específicos, quando a intenção é demarcar fronteiras étnicas em situações onde definições de identidade tão categóricas fazem sentido: nas listas populacionais da Funai, nas assembléias políticas, nas eleições políticas regionais etc. Porém, em contextos mais localizados e cotidianos, onde as fronteiras identitárias não são tão precisas, os termos "do Uaçá" ou "Uaçauara" continuam sendo usados.


Língua
Atualmente a população Galibi-Marworno tem como língua materna uma variação do crioulo falado na Guiana Francesa. Esse idioma é utilizado como língua franca dos povos indígenas do Baixo Oiapoque, que reconhecem diferenças fonéticas entre aquele falado pelos Karipuna e o falado pelos Galibi-Marworno. Esse crioulo "indígena" distingue-se do crioulo "negro" da Guiana Francesa em aspectos fonéticos e lexicais que ainda não foram suficientemente estudados. O crioulo passou a prevalecer entre os Galibi-Marworno em detrimento de várias línguas faladas pelos seus antepassados. Nimuendaju, que esteve no Rio Uaçá em 1925, ali registrou mais de cem palavras na língua galibi, uma dúzia na língua aruã e apenas dois vocábulos em Maraon.

O crioulo francês se manteve com língua materna apesar dos esforços do SPI em coibir sua utilização, por aproximar essa população dos hábitos franceses, fato desfavorável ao Estado numa área de fronteiras que foi definitivamente anexada ao território brasileiro somente em 1900. A escola implantada no Uaçá em 1934 proibia a utilização do crioulo pelos alunos, fato que era punido com o uso da palmatória.

O estudo dessa variação do crioulo francês começou a ser realizado a década de 80, entre os Karipuna e Galibi-Marworno, por Francisca Picanço Montejo, linguista do CIMI, que contou com a assessoria dos linguistas Ruth Montserrat (UFRJ) e Márcio Silva (então na UNICAMP). Foi produzida uma grafia do crioulo Karipuna e Galibi-Marworno e sistematizada sua gramática. De acordo com essa grafia, o idioma é designado por "kheuol". A língua vem sendo estudada por outros pesquisadores entre os Karipuna.

Localização
A maior parte da população Galibi-Marworno vive na TI Uaçá, homologada e registrada, com 470.164 hectares, no município de Oiapoque, no norte do Estado do Amapá. O rio Uaçá, a grande referência espacial desse povo, desemboca no mesmo estuário do rio Oiapoque, que marca a fronteira entre o Brasil e a Güiana Francesa. Algumas famílias Galibi-Marworno residem na TI Juminã, com 41.601 hectares, junto ao igarapé Juminã, que deságua no Rio Oiapoque. A TI Juminã localiza-se entre as áreas indígenas Uaçá e Galibi, tendo também como limites setentrionais os rios Uaçá e Oiapoque.

População
De acordo com os censos da FUNAI - ADR Oiapoque de abril de 1998, a grande aldeia de Kumarumã, localizada no médio curso do rio Uaçá, abriga 1506 pessoas. A aldeia Tukai, nas proximidades das cabeceiras do rio Uaçá, junto ao Posto de Vigilância da FUNAI implantado no km 92 da BR-156 possui 34 habitantes. Na aldeia Laranjal (também chamada Uahá), localizada junto ao igarapé Juminã, residem 88 pessoas. Além dessas três aldeias, pode-se também somar à população Galibi-Marworno os 89 moradores de origem uaçauara da aldeia Flecha, localizada no rio Urukauá. Por residirem junto a esse rio, local de habitação dos Palikur, essas famílias são consideradas "palikur" nos censos da FUNAI, embora compartilhem da mesma ascendência dos Galibi-Marworno.

Histórico do contato

A história da população Galibi-Marwono refere-se às trajetórias de populações distintas, migrantes de antigas missões, fugitivas de aprisionamentos, que criaram redes locais de sociabilidade concomitantemente ou a partir de experiências anteriores em redes mais amplas de contato interétnico.

No início da colonização, a região poderia ser definida como "aberta" a todas as vicissitudes da história. Por exemplo, os Maraon são mencionados em relatos do século XVI como habitantes da região do Uaçá. Os Aruã migram para a região das Güianas, no século XVII, fugindo das correrias portuguesas da região do baixo Amazonas e chegam a ser escravizados pelos franceses. Na primeira metade século XVIII, os Maraon e os Aruã são reunidos nas missões jesuíticas do litoral da Güiana Francesa, juntamente com Galibi. Com a expulsão dos jesuítas da Güiana entre 1765-68, uma ofensiva portuguesa invade os antigos territórios de missões, aldeias e estabelecimentos de colonos, aprisionam a população indígena e a deportam para o Amazonas. Os Aruã deportados retornam no século seguinte e se instalam no alto Uaçá. Mitos do Galibi-Marworno atuais mencionam a passagem de caçadores de escravos e seus relatos lembram da passagem de regatões.

Após a visita do Marechal Rondon à área, na década de 1920, o Estado brasileiro decide consolidar a sua fronteira com a Guiana Francesa e colocar sob seu controle as populações indígenas do Uaçá. Data daquela época a "união" (nas palavras de um Galibi-Marworno) dos povos do Uaçá sob uma mesma administração, um aparelho estatal e militar muito presente e atuante, especialmente no lugar chamado Encruzo, criado especialmente para o controle dos índios da região. Por outro lado, ainda que por razões estratégicas de Estado, o SPI "reúne" os índios sob seu controle, reforçando a identidade indígena dos povos da região, pela sua presença e atuação. O SPI, que aí atuou de 1945 a 1967, retira da área intrusos e "estranhos", como comerciantes, crioulos, franceses e ingleses que haviam se instalado às margens dos rios para a exploração de recursos naturais, como ouro e madeira de lei, abundantes na região. Segundo um informante, estes estranhos entravam com a conivência de alguns caciques. Os índios trabalhavam para eles mas sem nenhum benefício.

Data da época do SPI a introdução de normas específicas para os índios, como a proibição de bebidas alcóolicas e uma regulamentação para os casamentos de índios com não-índios. São introduzidos novos conceitos relacionados ao trabalho e ao comércio, controlados pelo órgão indigenista. Entre os Galibi-Marwono e os Karipuna, a Escola — instituição de maior destaque e alcance — foi aresponsável pelo agrupamento populacional em aldeias maiores, pelo uso da língua portuguesa, pelo respeito aos emblemas nacionais, como o Hino Nacional e o hasteamento da bandeira. Essa instituição serve de justificativa para a aglutinação de quase todas as famílias Galibi-Marwono na aldeia de Kumarumã. Data daquela época, ainda, a implantação da fazenda militar, no Suraimon, alto Uaçá, destinada à criação de búfalos em benefício dos militares de Clevelândia do Norte.

Entre o final da década de 1960 até o fim dos anos 1980, a FUNAI e o CIMI passam a atuar na região do Uaçá, quando, de alguma forma, se reverte o quadro anterior. Passam a ter prioridade a demarcação de terras, a realização de assembléias políticas regionais e o projeto de educação diferenciada, promovendo-se a consciência de uma nova auto-valorização entre os índios do Uaçá. Destacam-se a ênfase dada à cultura e aos direitos indígenas, além do incentivo dado à língua kheoul, estimulando os índios a considerá-la, assumidamente, como língua materna. Durante cinco anos, de 1990 a 1995, o CIMI promoveu um curso pedagógico para a formação de professores indígenas. A FUNAI desativou a fazenda de búfalos, implantada pelos militares no Uaçá, e o Encruzo foi também, em parte, desativado, continuando apenas como posto indígena e local de castigo e exílio temporário para infratores, submetidos a trabalho forçado. Cabe dizer que este costume do castigo é antigo na região e antecede o SPI. Os Galibi-Marworno se lembram de caciques poderosos e temidos que o executavam. O SPI, entretanto, conferiu a esta instituição a legitimidade do Estado. Esta função penal do Encruzo foi extinta pela Assembléia dos Povos do Uaçá em janeiro de 1996.

Atividades de subsistência e comerciais
As atividades de subsistência dos Galibi-Marwono variam de acordo com as estações do ano: seca e chuvosa, a primeira entre julho e novembro e a segunda entre dezembro e junho. De acordo com a época do ano, ou com as necessidades mais imediatas, as atividades têm lugar no alto curso do rio (nas florestas percorridas para a caça e para a retirada de madeira, ou nas águas piscosas da região) ou no médio e baixo curso (espaço "aberto" das savanas, utilizado principalmente para o plantio, nos tesos em meio às terras alagáveis), bem como para a pesca.

Os trabalhos coletivos nas roças obedecem ao sistema de "convidados", os maiuhi, ou mutirões tradicionais, mas cada família vende a sua produção individualmente no comércio de Oiapoque ou às vezes Saint Georges (na margem francesa do rio Oiapoque), onde o preço é melhor mas onde a venda, por lei, deve ser diretamente ao consumidor, sem intermediários, o que é complicado para os índios. Sendo assim eles vendem os seus produtos, ou no mercado ou por encomenda.

Obedecendo a normas de preservação ambiental, foi estabelecido em assembléia, na década de 80, que o peixe e a carne de caça não seriam vendidos fora da Area Indígena. A pesca está também sujeita a períodos de restrições para proteger a desova, especialmente do pirarucu, e a caça ao jacaré é proibida. As armas para a pesca continuam a ser as tradicionais, o arco e a flecha, o arpão, a ponta e a zagaia que os homens fabricam com ferro velho batido e trabalhado no fogo. Se há restrições para a pesca e caça, não há nenhum plano para a preservação da avifauna. Os índios comem todas as espécies e já sentem a falta de algumas delas, supostamente devido a um alto consumo deste tipo de alimento.

Há vários pequenos comércios em Kumarumã, alguns também funcionando como padarias. O costume hoje é tomar de manhã café com tapioca ou pão. Outros alimentos industrializados são também mais consumidos que antigamente, mas de um modo geral o cardápio cotidiano é peixe, farinha e tucupi.

Desde a década de 30 os Galibi-Marworno produzem excedentes para a comercialização, sendo o principal produto a farinha da mandioca. Muitas vezes, a farinha serve como "moeda" de troca para a aquisição de outros produtos alimentícios, na aldeia. Não podem, por acordo interno dos Povos Indígenas do Oiapoque, vender madeira para fora, mas todos têm o direito de serrar tábuas para a construção de suas casas, canoas, pontes e também de edificações públicas como a escola, enfermaria e casa de festas. São exímios construtores de canoas, que vendem, geralmente por encomenda, em Saint Georges mas também em Oiapoque e no Cassiporé.

A fabricação das canoas, assim como a derrubada das árvores, é feita coletivamente através do sistema de "convidado", nos períodos livres de tarefas agrícolas. A madeira é retirada na região das cabeceiras do Uaçá e está ficando cada vez mais difícil o acesso à madeira adequada e o próprio transporte. Por enquanto, os índios não possuem nenhum projeto ou plano de manejo sustentável da madeira. Vendem também artesanato em quantidade insignificante: colares de sementes ou miçangas, dentes de macaco e osso de veado, cuias gravadas, arcos e flechas, formando um kit ornamental. As pontas destas flechas são muito trabalhadas, dizem os índios que são dos Banahé, um antigo povo indígena da região. Vendem este artesanato especialmente em Saint Georges aos gendarmes e aos legionários, grandes consumidores destes objetos.

O transporte das mercadorias faz-se com barcos da comunidade ou de propriedade de alguns índios. Cobra-se uma tarifa por pessoa e carga. Geralmente o barco da comunidade faz a linha a cada 15 dias passando pelo oceano, contornando a Ponta do Mosquito e entrando pelo Oiapoque. É uma viagem longa sem contar com a espera por causa da pororoca no estuário do rio Uaçá.

A vila de Kumarumã

Localiza-se numa grande ilha à margem esquerda do médio rio Uaçá. É um arruado em forma de meia lua, contornando o campo alagado. A vila cresceu muito nos últimos anos, não se restringindo unicamente ao contorno do campo, estendendo-se para o interior da ilha. Atualmente há 163 casas ocupadas em média por seis a dez pessoas. As casas estão muito próximas umas das outras e o espaço disponível para novas construções está se esgotando. Muita mata já foi destruída e o solo está dando sinais de erosão em vários pontos.

A distribuição espacial das casas na ilha se faz através de quatro "pontas". A mais antiga é a ponta do Manga ou do Capitão. No meio da ilha localiza-se a rua Vila Nova. Finalmente, a rua Ponta da Bacaba. A rua do Porto ou do Posto, também chamada antigamente de Ponta do Grupo, por causa da escola, não inclui habitações indígenas. Ali se localizam o Posto da FUNAI, a escola, a enfermaria, alojamentos de professores e a sede do CIMI. Um pouco mais próximas do centro, a igreja e o sino da comunidade e a Casa da Festa ou Casa Grande, imponente pelas suas dimensões, totalmente reconstruída pela comunidade em 1996 e inaugurada no dia 5 de agosto para a festa de Santa Maria. Atualmente este trecho se divide em três blocos que representam, na verdade, as instituições e/ou agentes externos, presentes na aldeia.

As edificações da FUNAI estão em estado precário de conservação. As escolas, novas edificações e reformas de antigas construções foram financiadas através do Convênio Governo do Amapá/APIO. O CIMI mantém, apenas, uma casinha humilde. A área comunitária, com a Igreja e a Casa de Festas, fica no centro da Vila. Este último trecho é mantido pela própria comunidade através de mutirões e "equipes de trabalho" sob a orientação de um líder. Estes líderes, chefes de famílias extensas que ocupam uma área da aldeia são também responsáveis pela arrecadação das contribuições de cada família para pagar o combustível, necessário à iluminação da aldeia e, às vezes, outros serviços.

Pode-se falar de uma tentativa de "urbanização" da vila de Kumarumã, pelo traçado de ruas e postes de iluminação elétrica. Foi construída uma grande torre para sustentar uma caixa d'água e foi implementada uma rede de tubulações para o abastecimento de água nas casas, mas até hoje não estão em funcionamento. A tendência ao crescimento é rápido, especialmente na Ponta da Bacaba onde a área construída se estende bem além do campo de pouso. Por outro lado, toda a área de mata entre a Vila Nova e a Ponta do Manga já está totalmente destruída e ocupada por novas moradias. A oferta de água potável, a falta de esgoto e a acomodação do lixo, caseiro e da farmácia, são problemas que vão demandar soluções urgentes. Do ponto de vista social surge outra preocupação, a impossibilidade de um jovem casal construir, por falta de espaço, sua casa próxima à casa da mãe/sogra, desestruturando assim a regra da residência matrilocal, uma das poucas instituições tradicionais ainda funcionando.

Para chegar à aldeia a partir do leito do rio, as canoas usam um canal, le canal bax que leva até o posto da FUNAI. Hoje duas grandes pontes de madeira passam por cima dos campos alagados no inverno, lamacentos no verão. No inverno, as canoas conseguem chegar até às margens da ilha onde se encontram as casas de farinha, ou cabê e os estaleiros individuais dos índios onde constroem suas canoas. Algumas famílias ainda usam, no verão, pontes improvisadas com troncos de miriti.

As casas são na maioria palafíticas, de plano retangular com paredes e assoalho de tábuas de madeira. Uma pequena escada permite o acesso à entrada. Há geralmente uma ou várias divisões internas, separando a sala dos quartos de dormir. Os Galibi-Marworno normalmente dormem em esteiras de junco coberta por um grande mosquiteiro, onde repousam o casal e filhos pequenos. Hoje, porém, muitos usam redes e mesmo camas. Mosquiteiros armados durante o dia indicam presença de pessoas doentes ou de uma mulher que deu à luz. A cozinha é uma área parcialmente aberta, atrás da casa, onde há um fogão de barro, às vezes um fogão à gás. Há mesas , mas geralmente usadas para empilhar coisas, a "mesa" para as refeições é posta no chão, quando a família se reúne para comer o peixe assado ou fervido acompanhado de farinha, sal e tucupi. Não há muita mobília nas casas Galibi-Marworno, mas hoje, várias possuem uma televisão e uma antena parabólica além de um prosdócimo, como dizem os índios, ou freezer, que permite preservar alimentos e gelar água e bebidas.

Sempre perto da linha da água situam-se as casas de farinha, chamada de "cabê", servindo a várias famílias nucleares e onde especialmente as mulheres passam muitas horas do dia, descascando, ralando e torrando farinha de mandioca. No cabê encontramos artefatos tradicionais como as peneiras finas e grossas, os cochos, os cestos cargueiros, os viradores de beiju, os abanos de palha, além dos grandes fornos.

Muitas famílias ainda vivem segundo o padrão tradicional: os homens após o casamento passam a viver na casa dos pais de suas esposas durante dois a três anos, tempo suficiente para o casamento se consolidar, geralmente com o nascimento de um ou dois filhos. Tempo, também, para o jovem marido reunir o material necessário para a construção de uma nova casa. Hoje, às vezes os jovens preferem construir uma casa em alvenaria, desfigurando assim, o estilo tradicional da aldeia.

A relação entre sogro e genro é tranqüila e de ajuda mútua. Nos mitos, porém, as tensões entre afins são explicitadas, evidenciando um movimento de expulsar a afinidade do cotidiano para o plano mítico. Entretanto o status de sogro tem o seu peso. Em uma sociedade onde não se fala uma língua indígena, um jovem, entretanto, extende aos irmãos do sogro o termo pelo qual chama este último: beau-père (sogro em francês).

Relações políticas
A chefia de caráter tradicional era constituída pelos chefes dos grupos locais, famílias extensas que ocupavam as ilhas do alto Uaçá. Alguns porém, eram mais prestigiados, com famílias mais numerosas. Estes conseguiam reunir os grupos locais para a festa do Turé ou de Santa Maria, quando se consumia muito caxiri. Formou-se assim uma rede de sociabilidade no alto Uaçá. Há chefes lembrados como autoritários e temidos, às vezes promovendo alianças nem sempre benéficas ao conjunto das famílias. Na época da visita do Marechal Rondon lideravam chefes respeitados, cujos descendentes ainda vivem na região do Uaçá.

Em Kaumarumã, atualmente, verifica-se um forte sentimento comunitário institucionalizado. As decisões são sempre tomadas em conjunto. O cacique é assessorado pelo vice-cacique e os conselheiros da comunidade, além do chefe de Posto que é um índio.

Quando ocorrem brigas ou casos mais graves, o transgressor pode pegar uma "faxina", modalidade de castigo introduzida pelo SPI, em lugar do cruel castigo do "tronco", que os índios do Uaçá copiaram dos negros da Güiana Francesa. Até 1996 esta faxina era severa, chegando a 30 dias ou mais de serviço, roçando tabocal nas margens do rio Uaçá, no Encruzo. Esta modalidade de castigo foi abolida durante a Assembléia de 1996. A faxina é agora realizada na aldeia, quando se trata de delitos menores. Tratando-se de agressão mais grave, como ferimentos com facão ou mesmo homicídios, os culpados são expulsos da aldeia, muitas vezes definitivamente ou entregues à justiça comum. As medidas legais internas aplicadas a infratores é uma área de pesquisa a ser ainda desenvolvida na região.

Para discutir e resolver as questões internas, o cacique, vice-cacique e conselheiros se reúnem com a comunidade após convocação. A cada ano é convocada uma assembléia interna para discutir estratégias políticas, projetos econômicos e questões internas. Por outro lado, as assembléias gerais que se realizam a cada dois anos são mais abrangentes. Para estas, os índios convidam representantes do Governo, militares, autoridades, técnicos e pessoas ligadas a ONGs, além de índios de outras regiões. Em 1991 cria-se a APIO que representa todas as etnias da região com sede e estrutura administrativa próprias, em Oiapoque, o que vai permitir maior autonomia, agilização burocrática, encaminhamento de projetos e repasse de recursos. A partir de 1994 a política partidária e a política do Estado estão mais presentes na vida dos índios que passam a depender cada vez mais do apoio do Estado do Amapá.

Os convênios firmados entre a APIO e o Governo do Estado ou a Prefeitura de Oiapoque têm permitido desenvolver vários projetos nas áreas indígenas como a construção de escolas e alojamentos de professores, reforma de enfermarias, promoção de cursos para parteiras, além do pagamento de professores, monitores, merendeiras e agentes de saúde.

O prefeito atual de Oiapoque é um índio Galibi-Marworno que se elegeu com o apoio do PSB, partido do governador dos Estado do Amapá, J. A. Capiberibe (reeleito em 1998). A deputada Janete Capiberibe também está muito presente, com viagens freqüentes às áreas, apoiando as comunidades em várias ocasiões. Nas eleições de 98, os índios das reservas do Uaçá, Juminã e Galibi do Oiapoque votaram em massa no atual governador. Por isso mesmo os índios temem que qualquer mudança no governo possa prejudicá-los, o que de fato os torna muito dependentes da "política", mesmo por falta de opções.

Com toda essa abertura, o gerenciamento tradicional tornou-se mais complicado e os caciques se dizem cansados e às vezes desgastados. Mas uma coisa é certa: em momentos de crise, os índios agem unidos e resistem com firmeza.

Mitologia
Os mitos registrados entre os Galibi-Marworno relatam e interpretam fatos históricos marcantes, sempre localizados na paisagem específica do Uaçá que, por sua vez, também é de alguma forma submetida a uma interpretação, como os rios e lagos, as montanhas e formações geológicas estranhas. Um exemplo é o mito da guerra entre os Galibi e Palikur, verdadeira metáfora fundante das relações interétnicas na região, cujo cenário se estende do alto Urucauá até o rio Maroni na Guiana Francesa, e do qual foram registradas várias versões: Palikur de Kumenê, Galibi-Marworno e Palikur de Kumarumã. Esta última é sem dúvida, a mais rica e complexa. Neste relato, o confronto entre as duas nações, que se prolongou durante décadas, encerra, por um lado, uma relação de afinidade entre inimigos, ou seja, tio materno Palikur/filho da irmã Galibi, chefes guerreiros de suas respectivas nações e, por outro lado, a relação de parentesco entre seres deste mundo e do mundo dos invisíveis, ou seja um Galibi, o primeiro de sua "nação", gerado por uma mãe Palikur, deste mundo e um pai, karuãna, invisível.

Outro exemplo é o mito do xamã Uruçu, que realmente existiu e vivia na ilha Bambu. Dizem que, perseguido e capturado pelos caçadores de escravos vindos de Caiena, consegue, em alto mar, escapar, transformando-se em cobra ou onça no fundo da água, graças à ajuda de seus karuãna e do pakará e maráca que havia levado consigo. De volta ao Uaçá, foge para o alto Tapamuru (afluente do Uaçá), pedindo a seus espíritos auxiliares, os karuãna, que interrompam o curso deste rio com enormes deslocamentos de terra, para poder ficar ao abrigo de qualquer nova investida. Este rio realmente apresenta esta característica: obstruído o seu curso médio, corre subterrâneo em seu leito.

Outro mito muito presente na cosmologia Galibi-Marwono é mito da Cobra Grande. Os Galibi-Marwono narram o mito fazendo referência aos índios Palikur. O interessante é que essa versão, de um povo com tendência matrifocal, inverte aquela dos Palikur, com descendência patrilinear. O mito faz referência à montanha Tipoca, uma elevação bastante destacada na paisagem plana do médio rio Uaçá. Ali são encontradas conchas e caramujos marítimos, provavelmente vestígios de uma época onde havia comunicação daquele terreno com o mar, fato ainda a ser investigado geologicamente.

A narrativa conta que no monte Tipoca moravam antigamente muitos Palikur, em aldeias grandes, especialmente na ponta Caraimura. Cobra Grande vivia lá com sua fêmea e filho na Ponta Tipoca. O seu "suspiro" localizava-se no lugar chamado Mamã dji lo e por esse buraco ele jogava os restos de sua comida e também saía para esse mundo. Os índios gostavam de tomar banho no lago e Cobra Grande, que só comia carne, saía pelo buraco, dirigia-se à ponta Caraimura e matava muitos Palikur que ele, a cobra-macho, considerava serem macacos. A carne humana para ele era caça, ele só comia macaco e assim dava sumiço a vários índios por dia. A fêmea não gostava e não comia carne; apenas comia frutos do mar que o marido trazia para ela. (Na versão Palikur, é a cobra-fêmea a devoradora de gente, e a cobra-macho se apresenta como vegetariano e curador).

Um dia um indiozinho de nome Iaicaicani foi até a ilha Mamã dji lo, com arco e flechas matar papagaios e tucanos, numerosos naquele lugar. De repente, cai em um buraco. Como num sonho, ele se encontra no outro mundo. Lá ele cruza com uma senhora que lhe pergunta: "O que faz aqui?" "Me perdi", responde ele. Então diz a senhora: "Vou te dar um banho, tenho receio que meu marido te mate". Depois do banho, ela o esconde debaixo de um pote. Quando chega a cobra-macho, sua mulher lhe enche a barriga de macaco e cachiri. Ele também havia trazido caranguejos e lagostas para sua mulher. Ele sentia um cheio diferente, saboroso. Sua esposa nega várias vezes que há algo diferente na casa, mas acaba confessando que é um indiozinho e pede que não o mate. Felizmente, o bicho havia comido e estava de barriga cheia. "Bem", disse o Tipoca, você vai ser como meu filho e vai brincar com o Tipoquinha".

Iaicaicani consegue escapar e retornar à sua aldeia para contar o que estava acontecendo. Então, os Palikur pedem sua ajuda para prepararem uma armadilha para matar a cobra. Iaicaicani revela que as cobras descansam sobre as pedras determinada hora do dia, e os índios planejam uma armadilha para alcançá-los nessa situação. Iacaicani pede aos seus que matem apenas o macho e não a fêmea. Os índios, porém, matam os dois. Iacaicani e Tipoquinha, que haviam ido passear, voltam porque Tipoquinha tem o privilégio de ouvir o trovão, a voz de seu pai. Ele enlouquece quando vê o que havia acontecido com os seus pais e vai embora viver no lago Marapuwera, onde mora outra cobra do mesmo nome, o seu tio paterno. Iacaicani visita os seus parentes e diz: "Eu poderia ter voltado a viver com vocês, mas vocês mataram a fêmea, sinal que vocês não me querem de volta". Ele saiu e todos choraram muito. "Eu vou para o Marapuwera, viver com o Tipoquinha". Diz a história que ele também se transformou em cobra e o seu karuanã pode ser chamado pelos pajés em sessões de curas e época do Turé. Mesmo assim, ele é considerado um pequeno herói.

Fica evidente nesse mito, assim como nos outros, a consciência dos Galibi-Marwono das condições mutantes do espaço habitado. Trata-se de uma região de confluência da bacia do rio Uaçá com o oceano aberto, região geologicamente em constante redefinição. Tais mudanças geológicas são temas para as narrativas míticas, que tratam de seres que ocupam o mesmo terreno, bastante especificado e marcado nos eventos míticos.

Pajé e Turé
Pelo que foi dito, percebe-se que o contato com os Karuãna, os espíritos auxiliares dos pajés e moradores do "outro mundo", são um aspecto importante da cosmologia Galibi-Marwono e característica de seu xamanismo. Os Karuãna não são todos iguais e desempenham funções diferentes, alguns são mais poderosos que outros e ao mesmo tempo que auxiliam são também perigosos e precisam ser controlados. Os karuãna kamará, os mais resistentes e guerreiros, nunca descem no terreiro da festa do Turé e não se sentam nos bancos, mas ficam atentos, no alto do mastro, a qualquer ataque ou indevida intromissão de espíritos de outros xamãs, inimigos ou ciumentos, prestes a encaminhar algum feitiço.

Pesquisas recentes mostraram a importância da avifauna para a cosmologia desta população. As aves estão intimamente relacionadas aos xamãs, enquanto indivíduos. Cada xamã possui um pequeno banco ornitomorfo, sobre o qual toma acento para realizar qualquer atividade que envolva o contato com os karuãna. O pajé Iok, por exemplo, guarda o banco em forma de arara vermelha que fora de sua mãe, uma reconhecida xamã em Kumarumã. Antes de morrer ela teria dito ao filho: "pega e guarda esse banco. Quando os índios fizerem um Turé, leva-o junto com você e naquela hora o meu karuãna virá te visitar".

Os bancos de aves são recobertos de desenhos, variação de dois motivos básicos: o kroari e o dãndelo, que não são apenas recursos ornamentais, mas servem para expressar uma vasta gama de significações e representações. Os dois motivos, respectivamente um losango e um zig-zag, são também expressão de uma metáfora fundante dos grupos do Uaçá, ancoradas na dicotomia: abrir-se para o exterior/fechar-se.

O Turé é considerado um ritual tradicional dos Galibi-Marwono. Ele seria normalmente realizado em outubro/novembro, época da seca e da derrubada das roças. Mas não é mais realizado atualmente. Para eles, o Turé é coisa muito séria e perigosa e deve ser realizado segundo regras bem definidas para ser motivo de alegria e não de desgraças. Os Galibi-Marworno não possuem mais um pajé atuante na aldeia. Uratê é Palikur; antigamente era sua esposa, Galibi e também xamã, que dirigia o ritual. O pajé Aniká, residente no Encruzo, um homem forte no domínio e trato com os Karuãna, não atua mais por ter se convertido à religião evangélica. Uma outra pajé vive hoje em Oiapoque e não freqüenta mais a aldeia.

Os índios contam a história de dois Galibi que se propuseram a realizar um Turé, usando o banco de um pajé falecido, mas como não haviam sido iniciados, especialmente para um relacionamento adequado com os espíritos das entidades sobrenaturais, estes chegaram confusos e insatisfeitos no espaço sagrado, não recebendo as oferendas esperadas, o que teria causado, poucos dias depois, a morte de um dos realizadores deste Turé. Esta foi a explicação dada pela não realização do ritual.

Os Galibi-Marworno ficam perplexos pela desenvoltura e freqüência com que os Karipuna realizam um Turé. De tudo isso se conclui que este ritual ainda possui um significado tradicional muito forte e presente entre a população de Kumarumã. Os Galibi afirmam, ainda, que o grande chapéu, o plumage, ornamento usado no Turé, é originalmente deles e não dos Palikur como se pretende.

Por outro lado, apesar de não exibirem abertamente o Turé, os homens adultos se reúnem durante as noites de lua cheia, no mês de outubro, em uma casa isolada no campo, domicílio do pajé Uratê, e cantam até o amanhecer, bebendo caxiri, para se alegrar com os Karuãna e agradecer as curas concedidas. Nestas ocasiões descem também os espíritos dos mortos, como o da esposa de Uratê, pajé também e que vem para sentar-se no seu banco, belíssima escultura de uma arara vermelha, cuidadosamente guardada pelos seus familiares há anos.

Sendo assim, mesmo sem xamã, o xamanismo ainda se mantém vivo. Por outro lado, muitos homens adultos praticam o potá, ou sopro, como uma forma de cura. Se os xamãs exercem as suas atividades sob a influência de espíritos da mata e da água, e de outros xamãs vivos ou mortos, a prática do potá não se faz através desses espíritos e não implica em poderes sobre os fenômenos naturais. O potá cura vários tipos de doenças, algumas delas causadas pela ave noturna kaiuiurú, que voa em sentido contrário com a barriga para cima. Usa-se para isso banhos com ervas, sopro, defumações e rezas na língua antiga ou patois.

Ritos do catolicismo popular
A religião católica, que os Galibi-Marworno dizem seguir, se faz presente através dos ritos ligados ao ciclo de vida: batismo, casamento e funeral. Os dois primeiros são celebrados pelo padre quando visita a aldeia. Os ritos funerários são mais tradicionais. O morto é velado em casa, a noite toda, acompanhado por cantos em patois e bastante animação, sendo que as pessoas comem, bebem, jogam e conversam alegremente. Algum tempo depois de enterrado, o mesmo ritual se repete, durante uma noite inteira até o amanhecer.

O calendário de festas inclui a festa de Santa Maria que começa no dia 5 de agosto e acaba no dia 17. Ela é precedida pela charité, quando uma procissão com músicos e o maître charité visitam todas as casas da aldeia para recolher uma contribuição em dinheiro ou espécie para a festa. Depois é levantado o mastro, carregado de frutas, em frente à igreja. Realizam-se ladainhas de noite e procissões com a Virgem, de tarde. Um número elevado de festeiros (eram 16 em 1996), fazem a promessa, no ano anterior, de se dedicar à realização da festa. Com os seus familiares preparam as comidas, compram as bebidas, enfeitam o salão e cuidam da ordem pública, tarefa necessária por causa de alguns excessos com bebidas. Muitas pessoas vêm de outras aldeias, do Curipi, Urucauá, Oiapoque, Cassiporé, Saint Georges e mesmo Caiena. Também participam funcionários da FUNAI e outras autoridades. Se é época de eleições, os candidatos aproveitam a ocasião para fazer sua campanha, ajudando nas despesas, o que é chamado de presente "da política". A comida é farta, não há peixe, porém, apenas carne. O baile dura três dias, sendo obrigatória a permanência no salão durante toda a noite até o amanhecer. Outras festas são as de São Benedito, na época de Natal, e as festas cívicas brasileiras.

Aspectos contemporâneos
A região do Uaçá era inicialmente "aberta" não só para a entrada de estrangeiros nas aldeias indígenas, como também para o trânsito dos índios nos espaços vizinhos. Durante muito tempo, os Galibi saiam com freqüência da área indígena para trabalhos temporários. Deslocavam-se sobretudo para Caiena, onde são empregados como trabalhadores braçais na construção civil, como garimpeiros, como carregadores ou em restaurantes. Os jovens que saíam ficavam naquela cidade por alguns meses e na sua maioria voltavam para a área indígena. Hoje, a fiscalização por parte das autoridades francesas é maior e os "ilegais" são reconduzidos ao Brasil. Os índios não recebem mais um tratamento específico, sendo considerados apenas brasileiros, entre tantos outros. Índios que permaneceram de oito a quinze anos na Güiana Francesa, tiveram que voltar porque nunca haviam se preocupado em regularizar sua situação de cidadania e trabalhista. Entretanto, os índios lá gozam de prestígio, sendo considerados bons trabalhadores e honestos.

Em Kumarumã um grande número de índios já trabalhou do "lado francês". Muitos voltaram por causa de suas mulheres, que não se adaptavam à vida longe da aldeia, ficando doentes. Aqueles que foram forçados a voltar, sentem falta do emprego, da comida, verduras, queijos e vinhos, mas acham que Kumarumã melhorou muito nos últimos anos, que a vida é pacífica entre os familiares e que há muita terra e rios piscosos, um benefício para as comunidades indígenas.

Desde 1994, com apoio do Governo do Amapá, são efetuados convênios entre o Estado do Amapá e a APIO, com repasse de recursos para a realização de projetos nas áreas de saúde, educação e infra-estrutura. Constata-se, ainda, maior participação dos índios na política partidária local, tendo se elegido um índio Galibi-Marworno ao cargo de prefeito de Oiapoque em outubro de 1996, pelo PSB.

Os índios idosos, a cada mês, deslocam-se até Oiapoque para receber a aposentadoria do Funrural, um apoio financeiro nada desprezível para uma parte da população. Muitos Galibi-Marworno vivem na cidade de Oiapoque, que tem duas ruas com os etnônimos das famílias que ali residem: a rua Karipuna e a rua Galibi. Um certo número de famílias Galibi-Marworno vive em Saint Georges, em um bairro à margem do rio Oiapoque. Outros grupos, em parte de origem Galibi-Marworno, como os do Flecha, localizam-se à margem do rio Urucauá e os da aldeia Uahá, no igarapé Juminã, no baixo Oiapoque. No km 90 da BR-156, o Posto de Vigilância Tucay transformou-se em nova aldeia com várias famílias de Kumarumã. Alguns Galibi-Marwono vivem na aldeia Manga, localizada no rio Curipi e com população Karipuna.

Os Galibi-Marwono recebem assistência de várias agências sendo que a principal, a FUNAI, está atualmente sem recursos para qualquer projeto comunitário. Ela apenas mantém os seus funcionários, que são poucos em Kumarumã, e dá apoio logístico para a remoção de doentes, às equipes de saúde da Funasa e na compra esporádica de remédios. A prefeitura de Oiapoque também repassa recursos às comunidades indígenas. Atualmente, os projetos mais significativos são elaborados pelos índios e os recursos e apoio técnico passam pelo Convênio APIO/Governo do Estado do Amapá e suas Secretarias específicas.

O CIMI, responsável por vários projetos no passado, como a implantação de cooperativas, assistência médica e escolas do kheoul, atua menos ultimamente, limitando-se às atividades religiosas e à formação de professores do kheoul em Oiapoque. Em 1998, um novo padre, de origem polonesa, estava morando em Kumarumã, aprendendo a língua e participando das atividades cotidianas, como preparo para uma futura assistência. Desde 1998, a convite do cacique Paulo Silva, vive também na aldeia o pastor Carlos e sua esposa, professora na aldeia. Celebra o culto, às vezes traz uma equipe médica para consultas rápidas, mas o seu objetivo principal é a conversão dos índios.

A assistência à saúde em Kumarumã sempre foi precária, embora conte com as equipes da Funasa e mesmo da FUNAI, além do atendimento no Hospital do Índio em Oiapoque, projeto realizado com a ONG France Libertés. Os enfermeiros nas aldeias fazem o possível, mas sem medicamentos e sem infra-estrutura adequada é difícil trabalhar. A malária é endêmica na região. Há também diabetes, pessoas com pressão alta e muitos homens com gastrite ou úlceras devido à ingestão abusiva de álcool, especialmente cachaça de má qualidade. As outras doenças são as gripes periódicas, as verminoses e diarréia, dermatoses e dores reumáticas.

Sobre o ensino escolar, a Escola Estadual Camilo Narciso, com 600 crianças matriculadas, compreende duas grandes edificações, uma nova e a outra reformada com uma grande área para a merenda escolar. Os produtos para a merenda são comprados em parte, na própria aldeia. Kumarumã. A escola é uma tradição antiga entre os Galibi-Marworno, desde a época do SPI, nos anos 40. A escola teve um papel aglutinador e transformador. Foi uma das primeiras construções de Kumarumã. Por causa da escola os Galibi abandonaram suas ilhas no alto Uaçá e decidiram se instalar em uma única aldeia. Em oposição ao patois, falado pela população indígena, na escola ensinava-se o português, língua oficial. Esta norma era rígida e todos ainda lembram a professora, Dona Doquinha, bastante severa e exigente. Foi apenas com a chegada do CIMI nos anos 70 que o patois voltou a ser valorizado e mesmo ensinado no pré-escolar e alfabetização. Também foram elaboradas cartilhas em patois.





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