sábado, 2 de maio de 2009

LEITE DE VACA OU LEITE DA MÃE? - Rui Martins


Berna (Suiça) - Foi quase por acaso que descobri a notícia e aproveito para louvar o trabalho dos colegas da Agência Câmara e igualmente o governo responsável pela criação desse serviço, que permite-nos acompanhar o trâmite de projetos de leis ou emendas na Câmara. Existe um serviço similar de informação no Senado.

Acompanhei há alguns anos a luta que se travava, em Genebra, na Assembléia Mundial da Saúde, para se evitar que grandes multinacionais desistimulassem o uso do leite materno em favor do leite maternizado. O Brasil tinha ação de linha de frente e se contrapunha aos grupos que controlam o mercado do leite em pó para crianças principalmente em países menos desenvolvidos e conseguem convencer as mães, de maneira indireta, como proteção do busto feminino, comodidade e daí para frente, a usarem a mamadeira tão logo nasça o bebê. Em muitas maternidades, a mamãe recebe como presente todo um kit ou equipamento para amamentar seu bebê dessa maneira.

Em países desenvolvidos, os europeus e na Suíça por exemplo, essa ação de marketing ou de marqueteiros que chegam a agir em colaboração com maternidades é proibida. A Organização Mundial da Saúde nessa assembléia citada confirmou orientações já dadas pela Unicef em favor do aleitamento materno e recomendou aos países participantes a adoção de leis proibindo a amamentação por substitutivos maternizados, pelo menos até os seis meses do bebê.

Além de ser uma constatação científica que o leite materno protege o bebê de uma série de infecções e mesmo de doenças no futuro, esse incentivo ao aleitamento materno tem repercussões na própria economia do país, já que bebês mais sadios e menos propensos a doenças significam menos despesas com a saúde pública. Fala-se também que dar o seio ao bebê evita o câncer da mama, enquanto bebês alimentados com leite não materno têm propensão para a obesidade.

O ponto de vista brasileiro foi vencedor com o apoio de outros países e saiu derrotado o poderoso lobby dos produtores de leite maternizado, muito forte nos países asiáticos e africanos (onde já houve denúncias contra essas multinacionais, já que muitas mães preparavam as mamadeiras com água contaminada ou não fervida em lugar de amamentarem seus bebês com seus seios fartos) e dentro do Brasil.

No encontro que se seguiu, ainda na OMS, sobre a maneira ética de se aplicar a orientação dessa organização que zela pela saúde mundial e ligada à ONU, definiram-se modalidades de rótulos a serem colados nas embalagens dos produtos à venda, mas destinados a casos especiais de aleitamento e não recomendados aos bebês normais.

O Brasil tranformou, então, em lei um texto a ser impresso na parte frontal dos rótulos dos produtos destinados às crianças até três anos com os seguintes dizeres – “O Ministério da Saúde adverte: Este produto não deve ser usado para alimentar crianças menores de um ano de idade. O aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os dois anos de idade ou mais."

Foi a lei 11.265/06 que, em maio do ano seguinte, atenuou a advertência, em certos produtos, substituindo a referência ao Ministério da Saúde pela expressão “Aviso importante”. Era de se esperar que o assunto estivesse terminado, por transformar em lei uma constatação científica capaz de beneficiar milhões de bebês brasileiros.

Ora, embora nos países como a Suíça, sede de uma conhecida e importante multinacional fabricante de leite em pó maternizado, nem se possa sonhar em reverter uma lei favorável ao aleitamento materno, isso ainda é possível no Brasil, onde os interesses comerciais se sobrepõem aos de saúde.

E, ainda no mesmo anos de 2006, surgiu uma proposta de substitutivo amenizando a advertência do rótulo, para que o uso da mamadeira pudesse ser mantido e assim garantir o escoamento da produção leiteira de origem bovina e sua transformação no leite em pó para amamentar bebês, que se pode comprar até em supermercados.

Excelente a posição da deputada Rita Camata que, em novembro do ano passado, num importante parecer da Comissão de Seguridade Social e Família rejeitou o substitutivo, mesmo porque nele está previsto se tirar a advertência e colocá-la com um texto bem mais ameno, num dos lados da embalagem, onde já não é tão visível.

Porém o lobby não descansou e agora um outro parecer, do deputado Colbert Martins (PMDB- Bahia) ( que não é meu parente), da Comissão de Justiça e Cidadania, aprovou o substitutivo que praticamente encobre a preocupação da OMS com a saúde das crianças. Comparem – o texto amenizado passará a ser o seguinte, se os deputados aceitarem as manobras do lobby contra o aleitamento materno: "Aviso importante: O aleitamento materno é insubstituível, evita infecções e alergias e é recomendado até os 2 (dois) anos de idade ou mais “.

O texto, transferido para a lateral da embalagem e provavelmente em letras minúsculas, perde sua objetividade e torna o aleitamento uma simples recomendação.

É assim que certos parlamentares constróem o futuro do nosso país.

Sobre o autor: Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor de O Dinheiro sujo da Corrupção, sobre a Suíça e Maluf. Criou os Brasileirinhos apátridas e propôs o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso.





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